2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2010: Que me perdoe a turma papo cabeça, que não perde um iraniano na Mostra e acha que Hollywood é palavrão, mas gostei bastante de ver Anjos e Demônios, o segundo encontro Ron Howard-Tom Hanks-Dan Brown, depois de O Código da Vinci.
É muito bem feito, a trama é boa, envolvente; o filme faz o espectador entrar no clima – e Ron Howard, artesão competente, testado, consegue de fato criar um clima. É assim uma espécie de Seven misturado com um joguinho de computador Conheça Roma, e mais a fascinação pelos segredos, pelos mistérios do Vaticano, a casa real mais antiga do planeta, mais uma pitadinha de coisa muito moderna, o tal acelerador de partículas, ou seja lá o que for, que os físicos construíram para brincar de Deus no subsolo da Suíça.
E ainda tem uma atriz linda – Ayelet Zurer – correndo daqui pra lá com nosso Robert Langdon, um super-homem, super-Indiana Jones, para fazer bem para os olhos.
Uma boa diversão. Duas horas e tanto de uma boa diversão.
Tudo uma grande bobagem, o exagero do exagero
Claro, é tudo uma gigantesca bobagem. É o exagero do exagero do exagero, essa marca registrada das grandes produções do cinemão comercial, seja hollywoodiano ou europeu (vide o alemão-franco-espanhol Perfume – A História de um Assassino, ou o ítalo-franco-luso Segredos de Estado, ou o francês O Pacto dos Lobos). Não tem nada nem remotamente parecido com a realidade, com a vida – nem nada plausível, verossímil. Parece um desses filmes baseado em histórias em quadrinhos, que agora chamam de graphic novels, pra ficar mais chique. O tal Langdon é fodinha demais da conta, sabe tudo e mais um pouco; acerta todos os palpites, mesmo trabalhando sob pressão, contra o relógio. Sabe de cor e salteado absolutamente tudo, absolutamente tudo o que envolve 2 mil anos de história do cristianismo, e ainda por cima goza os caras do Vaticano: “O que há com vocês? Não conhecem a história da sua própria religião?”
E o bandidão, hein? Isso é que é bandido perfeito – de cada três tiros que dá, acerta cinco. Dá uns 15 tiros no filme, mata uns 25 carabinieri. E não há trânsito ruim em Roma que o impeça de atravessar a cidade de um lado para o outro, num átimo – deve ter descoberto o teletransporte, que nem os personagens do Jornada nas Estrelas.
Mais fodinha que ele, só o Camerlengo, o personagem do incansável Ewan Cinco-Filmes-Por-Ano McGregor. Que fôlego, meu!
Do jeito que estão criando super-heróis, Indiana Jones, mesmo o do primeiro filme, vai parecer um alquebrado velhinho incapaz.
Por falar em velhinho alquebrado, ainda tem o Armin Mueller-Stahl, um senhor ator, aqui fazendo o papel de Armin Mueller-Stahl cansado de guerra, como o cardeal grande eleitor. (Na foto, Armin Mueller-Stahl e Ewan McGregor.)
E os cardeais reunidos na Capela Sistina… Parecem um bando de colegiais imbecis.
Claro, é tudo uma gigantesca bobagem – mas é tudo bem feito, tudo se encaixa, até a música de Hans Zimmer, cada vez mais grandiloqüente. Combina perfeitamente com o espírito do Vaticano, a grandiloqüência de Hans Zimmer.
Deveria filmar mais, a israelense Ayelet Zurer, que faz a cientista Vittoria Vetra (foto abaixo). Não ne lembrava dela em Munique, o filme de Spielberg, nem em Ponto de Vista/Vantage Point. Eta mulher bonita – e não é má atriz, de forma alguma. Deveria filmar mais.
Quem leva a sério desanca
Uma moça chamada Camilla Albertson levou o filme a sério, no AllMovie – e desancou com ele. “Apesar da trama ainda mais selvagem do que a do primeiro filme, Angels & Demons sofre do mesmo tom sério demais, pomposo. Mesmo quando coisas absolutamente insanas estão acontecendo – bombas da antimatéria, marcação de pessoas a ferro, padres pilotando helicópteros –, a narrativa ainda é seca e pesada. O estilo de Howard como diretor sempre foi muito austero, grave, e talvez ele estivesse esperando compensar o material exagerado já presente no roteiro empregando um toque ainda mais modesto ao seu trabalho do que o normal. Quaisquer que fossem suas razões para manter as coisas tão chocas, foi uma má escolha, mas, para sorte dos espectadores, algumas histórias são loucas demais para que mesmo a forma de contar mais entediante consiga arruinar completamente a diversão.”
A rigor, está certa ela. Mas, cacilda: quem se dispuser a ver um filme como esse deveria saber que tipo de coisa vai encontrar.
Eu sabia que ia ver uma aventura louca. E me diverti. Quer saber? Quando Mary voltar das férias, até me disponho a ver o filme de novo.
Só a piada da cientista Vittoria Vetra rasgando uma página do exemplar único da obra de Galileu, de mais de 500 anos de idade, nos arquivos do Vaticano – para o total assombro de Robert Langdon – já vale o filme. Tom Hanks nem precisava fazer mais nada no resto do tempo. Só a reação dele ao gesto da moça – e as seguidas explicações de que “foi ela, não fui eu” – já pagam o salário dele.
Por falar em dinheiro, vou fazer uma tabela. (Desde que trabalhei um tempo ao lado do Zelão, aprendi a gostar de fazer tabelas.) Os dados são do Box Office Mojo:
O Código Da Vinci | Anjos e Demônios | |
Orçamento | US$ 125 milhões | US$ 150 milhões |
Bilheteria EUA | US$ 217 milhões | US$ 133 milhões |
Bilheteria Total | US$ 540 milhões | US$ 485 milhões |
Por esses números, dá para ver claramente que o público americano gostou mais do filme anterior – o que não chega a ser surpresa alguma, já que o livro O Código Da Vinci foi um dos maiores best-sellers da história. Mas, computada a bilheteria no resto do mundo, fica tudo meio elas por elas. Se se levar em consideração que Anjos e Demônios é de 2009 e ainda está sendo vendido em DVD, a bilheteria dele não chega a ser uma decepção.
E ainda há outros livros de Dan Brown com o personagem Robert Langdon para virar filmes. Que venham.
Anjos e Demônios/Angels & Demons
De Ron Howard, EUA, 2009
Com Tom Hanks (Robert Langdon), Ayelet Zurer (Vittoria Vetra), Ewan McGregor (o Camerlengo), Stellan Skarsgård (comandante Richter), Pierfrancesco Favino (Inspector Olivetti), Nikolaj Lie Kaas (o assassino), Armin Mueller-Stahl (cardeal Strauss)
Roteiro Akiva Goldsman e David Koepp
Baseado no livro de Dan Brown
Fotografia Salvatore Totino
Música Hans Zimmer
Produção Columbia Pictures, Imagine Entertainment
Cor, 138 min. (Há uma versão estendida de 146 min.)
**1/2
Ver Roma, por qualquer ângulo, sempre vale a pena.Ver Hanks, idem. Achei muito divertido. Excessivo, mas divertido.
Cuidado: os fãs do Kiarostami não perdoarão você jamais!
Abraço.
Sérgio