No Vale das Sombras / In the Valley of Elah


Nota: ★★★★

Anotação em 2008: Com este filme, depois de ter feito Crash, acho que Paul Haggis se firma como um dos mais importantes diretores do cinema americano das últimas décadas.

Este é o melhor, mais profundo e perturbador filme feito sobre as marcas deixadas pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e as guerras empreendidas pelo governo Bush contra o terrorismo e na Ásia. E um dos melhores de todos os tempos sobre as seqüelas psicológicas deixadas por uma guerra, qualquer uma.

O filme segue aquela veneranda tradição do cinema americano, que vem desde os primeiros westerns, de mostrar a luta de uma pessoa solitária contra um grande esquema, uma grande estrutura, uma grande corporação, um símbolo do poder, do establishment – a luta de David contra Golias.

Ao sair em busca de explicações para o desaparecimento de seu filho mais jovem, que voltou da guerra no Iraque e se apresentou em sua base militar, Hank Deerfield, o personagem de Tommy Lee Jones, é uma espécie de cowboy, uma espécie de Ethan Edwards, o personagem de John Wayne em Rastros de Ódio/The Searchers, de 1956, que dedica anos à procura da sobrinha levada pelos índios. Ou de Will Kane, o xerife interpretado por Gary Cooper em Matar ou Morrer/High Noon, de 1952, abandonado por uma cidade covarde e deixado sozinho para enfrentar o bando de pistoleiros que chega no trem do meio-dia.

Aqui, na busca pelo filho, Hank Deerfield, ele mesmo um ex-militar, que já havia perdido o filho mais velho em uma outra das muitas guerras americanas, encontrará diversas barreiras, que surgirão por trás da aparente boa vontade e simpatia dos soldados e oficiais da base. Na polícia, ela própria deixada de lado para que a investigação oficial seja feita pelos militares, ele só terá o apoio – reticente, pé atrás – de uma única pessoa, a detetive Emily Sanders (Charlize Theron, com a competência de sempre), que por sua vez encontra uma terrível dificuldade em se fazer aceita e respeitada pelos colegas.

São impressionantes todos os diálogos, a maioria por telefone  entre Hank e sua mulher – o papel de Susan Sarandon, pequeno mas importante -, uma mãe à beira de confirmar a perda do segundo e último dos filhos.

Há uma fala absolutamente emblemática bem no início do filme, quando Hank Deerfield sai de sua cidade em direção ao distante local da base militar do filho Mike. Ele passa por uma escola diante da qual há uma bandeira americana pendurada de cabeça para baixo; desce do carro, vai até o zelador da escola, mostra a ele como colocar a bandeira na posição correta e ensina: “Você sabe o que significa uma bandeira colocada de cabeça para baixo? É um sinal internacional de socorro. Significa ‘estamos ferrados, venham nos salvar, porque nem Deus nos ajudará'”.

É um destes raros filmes em que não há absolutamente nada sobrando, nada solto, gratuito – pude checar isso revendo o filme com Mary, dois meses depois de ter visto sozinho pela primeira vez. Toda cena, cada uma delas, é importante. A cena da bandeira é fundamental. Assim como é fundamental a cena em que Hank Deerfield vai tentar ler uma historinha para David, o filho da detetive Emily, e acaba contando a origem do nome dele, a história – exatamente ela – da luta de David contra o gigante Golias no Vale de Elah, que dá o título original do filme.

Como também é fundamental a seqüência em que Hank Deerfield vai pela primeira vez à delegacia de polícia da cidade onde fica a base militar, no Novo México. Pode parecer um tanto desnecessária a longa conversa que a detetive Emily Sanders está tendo – enquanto Hank aguarda a sua vez de ser atendido – com uma mulher que se queixa de que o marido, ele também de volta do Iraque, matou seu cachorro. Não é nada desnecessária a conversa; ela tem uma dupla razão de existir. A primeira é deixar clara a relação conflituosa que existe entre Emily e seus colegas, que acham que ela só foi promovida a detetive por ter trepado com um chefe, um caso de qualquer forma que já terminou. A segunda razão o espectador encontrará bem mais tarde no desenrolar da história. É chocante, apavorante.  

A escalada de revelações que Hank Deerfield e a detetive Emily Sanders vão arrancando a fórceps dos colegas do filho – um bando de garotos absolutamente transtornados pelas crueldades que presenciaram ou de que participaram na guerra sujíssima no Iraque – é também apavorante, uma das coisas mais apavorantes que eu me lembro de já ter visto no cinema. E que apavora mais ainda quando vemos, nos bônus do DVD, o quanto o filme realmente se inspirou em fatos reais. 

Uma obra-prima.

No Vale das Sombras/In the Valley of Elah

De Paul Haggis, EUA, 2007.

Com Tommy Lee Jones, Charlize Theron, Susan Sarandon, Jason Patric, James Franco, Frances Fisher

Roteiro Paul Haggis

Argumento Paul Haggis e Mark Boal

Música Mark Isham

Fotografia Roger Deakins

Cor, 121 min.

****

9 Comentários para “No Vale das Sombras / In the Valley of Elah”

  1. Concordo absolutamente com o Sérgio, acho que tem aqui uma boa análise a um excelente filme.
    As duas cenas da bandeira estão mesmo perfeitas e têm uma grande significado.
    Quanto ao realizador estou à espera de ver o seu último trabalho – “72 horas”.

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