A Mulher do Lado / La Femme d’à Côté

Nota: ★★★★

Anotação em 2011: A Mulher do Lado, o penúltimo filme de François Truffaut, de 1981, é um mergulho doloroso no amor louco. Doloroso, denso, tenso, angustiante, dilacerante. Para mim, é uma das histórias de amor mais trágicas que o cinema já mostrou.

Truffaut filmou várias histórias de amor tristes. Em Jules et Jim, os dois homens – dois amigos, um alemão, um francês – amam a mesma mulher, Catherine, que ama os dois. Chegam a ter momentos alegres, até mesmo felizes, mas o triângulo está fadado a um final pavoroso. Em As Duas Inglesas e o Amor, é um homem, um francês, que ama ao mesmo tempo duas mulheres, duas irmãs galesas; todos os três têm uma fantástica, incrível capacidade de procurar a infelicidade.

Os seis tristes personagens desses dois filmes, Jules et Jim, de 1961, e As Duas Inglesas e o Amor, de 1971, foram criados pelo escritor Henri-Pierre Roché (1879-1959).

Bernard e Mathilde, os protagonistas de A Mulher do Lado, são criação original de François Truffaut. O próprio diretor é autor do argumento e da história, juntamente com Suzanne Schiffman e Jean Aurel. Bernard e Mathilde não são apenas dotados de uma imensa incapacidade de ser felizes. Pior ainda: eles têm a tragédia como destino. São fadados à tragédia, são irremediavelmente atraídos para a tragédia.

É como se, para Odile Jouve, a narradora, a tragédia tivesse beleza

No início e no fim da narrativa, uma mulher fala sobre a história de Bernard e Mathilde – um intróito e um epílogo. Ela os conhece, acompanhou os acontecimentos; chama-se Odile Jouve (Veronique Silver, numa beleza de interpretação), é uma senhora aí de uns 50 anos, um belo rosto – um rosto de expressão jovial, quase alegre, embora a história que ela apresenta seja trágica.

Odile Jouve – o espectador verá ao longo do filme – teve ela própria uma história de vida trágica, marcada por um grande amor que não deu certo. Quando pronuncia suas últimas palavras, no encerramento da narrativa, está quase sorrindo. É como se, para ela, a tragédia tivesse beleza.

É extremamente belo, este A Mulher ao Lado; sim, de fato a tragédia pode ter beleza – quando, por exemplo, é contada por um mestre como Truffaut. Mas é também um filme apavorante, angustiante, sufocante. Durante todo o tempo, o espectador sabe que tudo vai acabar muito mal.

Uma história que começou seis meses antes. Na verdade, dez anos antes

A primeira tomada é longa – é um plano geral, feito provavelmente com a câmara em helicóptero. Vemos lá embaixo uma viatura com sirene ligada percorrendo uma estrada do interior, uma área rural; há poucas casas, e muitos terrenos desabitados; enquanto vão aparecendo os créditos iniciais, rápidos, a viatura se aproxima de um pequeno vilarejo, um conjunto de algumas poucas casas apenas.

Ao final dessa longa primeira tomada, vemos Odile Jouve quase em close-up. Atrás dela há quadras de tênis. Ela está se dirigindo aos espectadores:

– “Ainda estava escuro quando a viatura de polícia saiu de Grenoble. A vila fica a 23 quilômetros de lá. A ambulância também foi chamada, e chegou antes, porque veio pela estrada de Chambery. Me chamo Odile Jouve. Se vocês acharem que sou jogadora de tênis, estão completamente enganados. Acho que se a câmara se distanciasse um pouco, vocês poderiam perceber imediatamente a situação. (Agora dirigindo-se ao operador da câmara.) Vá, chegue para trás!”

Madame Jouve anda para a direita, a câmara se distancia um pouco, e vemos que ela manca; tem uma perna mecânica, e anda apoiada a uma muleta. À vontade, jovial, ela diz que vai se sentar ali, à direita, mas depois se corrige, diz que vai se sentar naquele banco lá, um pouco à esquerda. Conta que é gerente daquele clube de tênis, e que todos por ali a conhecem, e ela conhece todo mundo.

– “Este caso começou há seis meses. Seria possível dizer que começou há dez anos, mas, não, começou a seis meses.”

O olhar, a expressão de Mathilde-Fanny Ardant demonstra: vem aí a tragédia

Há histórias em que uma casa é a personagem, prossegue Madame Jouve. Nesta, são duas casas, separadas apenas por uma pequena rua.

Vemos as duas casas, dois sobrados sólidos do interior francês, de vila rural não muito distante de uma cidade média, no caso Grenoble.

Numa das casas morava o casal Bernard (Gérard Depardieu) e Arlette Coudray (Michele Baumgartner, na primeira foto do post, acima), com seu filhinho Thomas, de uns seis, sete anos. A outra casa estava para alugar. Quando o novo inquilino chega, Bernard se apresenta. O novo vizinho – Philippe Bauchard (Henri Garcin) – precisa dar um telefonema, seu telefone só estaria funcionando na semana seguinte, Bernard o leva para a sua casa.

Na semana seguinte, chega a mudança. Bernard e Arlette vão até a casa dos recém-chegados (o casal de novos vizinhos está na segunda foto do post, mais acima). Philippe chama sua mulher para fazer as apresentações; ela, Mathilde (Fanny Ardant), está no andar de cima. Quando desce as escadas, a vemos pelas costas. Bernard estava olhando para outro lado, vira-se para conhecer a nova vizinha. A câmara, em plano americano, pega agora Bernard pelas costas, e Mathilde de frente.

O olhar, a expressão de Mathilde-Fanny Ardant demonstra: é uma fatalidade. Vem aí a tragédia.

Um amor louco apaixonado, com doses cavalares de dor, tensão, tesão

Estamos com exatos sete minutos de filme quando Mathilde liga para a casa ao lado.

Pela janela de seu quarto, ela vê Arlette sair de carro com o pequeno Thomas, vê que Bernard ficou sozinho em casa. Ela também está sozinha em casa. Pega a lista telefônica, acha o número, liga. Pergunta se ele já contou para Arlette – ela vai contar para Philippe, ele é um homem compreensivo, entenderá, não haverá problemas. E acrescenta que não poderia imaginar que seriam vizinhos; Philippe fez questão de escolher a casa sozinho, e fazer surpresa para ela. Se ela tivesse sabido, teria usado algum pretexto para não alugar aquela casa.

Mathilde parece tranquila em rever o homem que amou muito, no passado; acha que poderão conviver civilizadamente. Bernard, ao contrário, está tenso, seco, perturbado.

Veremos depois, com o desenrolar da narrativa, que a história de amor de Bernard e Mathilde havia acabado oito anos antes. Tinha sido um amor louco, apaixonado – e muito longe da paz. Eram bem jovens, então, aí pelos 20 e poucos anos, e a relação havia sido tumultuada, tempestuosa, cheia de rusgas, sofrimento, separações, retornos, tensão – e tesão. Tudo em doses gigantescas, cavalares, industriais.

Um homem que é um vulcão de sentimentos e emoções prestes a explodir

Penso em Ricky Blaine, o personagem de Humphrey Bogart em Casablanca. Trêbado de cachaça, paixão e dor, no fim da noite em que Ilsa Lund-Ingrid Bergman irrompe de repente em seu night club, com aquela beleza de doer, ele diz então uma das mais fantásticas frases do cinema: “Of all the gin joints, in all the towns, in all the world, she walks into mine”. De todas as espeluncas de todas as cidades de todo o mundo, ela entra na minha.

Bernard deve ter pensado uma frase parecida quando Mathilde irrompeu de repente em sua vida, vindo para morar na casa ao lado.

Ricky Blaine, tido na praça como um sujeito sem caráter, um negociante que não toma partido de nada, a não ser de si mesmo, no fundo era um sentimental, um gentleman, que acabará tomando partido da felicidade de Ilsa e do novo marido de Ilsa – e da luta dos Aliados contra o nazismo.

Bernard-Gérard Depardieu não é um Ricky Blaine. É só um homem comum, que até então aparentava ser um feliz marido e bom pai de família, mas que é na verdade um vulcão de sentimentos e emoções prestes a explodir. E Mathilde-Fanny Ardant é apenas uma mulher, que entre a estabilidade do casamento e a velha paixão que faz a terra tremer, vai oscilar feito um pêndulo.

Me peguei pensando que Mathilde e Bernard bem que mereceriam ser felizes

Uma das coisas que mais me impressionaram ao rever A Mulher do Lado agora foi a juventude – e a beleza – do casal de atores, Depardieu e Fanny Ardant. Claro, eu me lembrava bem da beleza absurda, forte, anticonvencional, ardente, de Fanny Ardant, uma beleza agressiva, mais para Ava Gardner que para Ingrid Bergman. Dela me lembrava bem. Vi, é claro, vários filmes com ela nos últimos tempos, inclusive mais recentes, em que ela estava, obviamente, mais velha – mas mantendo aquele rosto apaixonante –, como por exemplo o israelense Segredos Íntimos, de 2007

Já Depardieu, a gente se acostumou a vê-lo em muitos, muitos filmes, e Depardieu foi crescendo para todos os lados – em talento e em tamanho físico, até chegar ao homenzarrão gordo, enorme, do ótimo Minhas Tardes com Margueritte. Então fiquei acostumado com a imagem do Depardieu já idoso, e imenso.

É chocante a beleza da jovem Fanny Ardant e também do jovem Depardieu que Truffaut filmou em 1981, já lá se vão 30 anos. Ela estava com 32 anos, e ele, com 33. Bem próximos das idades de seus personagens. Uma idade muito perigosa, essa, em que ainda temos os arroubos, as inconseqüências, a sensação de poder tudo da juventude, e ainda não ganhamos a experiência, a sabedoria da maturidade.

Ao rever o filme agora, já velho, e portanto passando da hora de ter experiência e maturidade, me peguei pensando, como um adolescente sonhador, romântico, que aquelas pessoas tão belas, Mathilde e Bernard, bem que mereceriam ter uma história de amor feliz.

Mas a rigor não poderiam, de forma alguma, ter essa chance. As histórias de amor têm suas verdades e vontades próprias. Há histórias de amor em paz, é claro, mas elas são raras. A história de Mathilde e Bernard era, por natureza, tempestuosa, fadada à infelicidade. Sei bem disso, porque vivi uma história quase parecida quando tínhamos, minha segunda mulher e eu, a idade de Mathilde e Bernard.

Credo. Acho que tergiversei. Mas há pouca coisa tão boa no mundo quanto falar de um filme maravilhoso.

Uma câmara suavemente terna, ternamente elegante

Um outro ponto que me impressionou demais nessa revisão foi a elegância, a ternura da câmara de Truffaut.

Há cineastas que usam a câmara de forma feérica, como fogos de artifício – e nisso não vai uma queixa. Ao contrário: os movimentos de câmara de um Brian De Palma, ou um Claude Lelouch, feéricos, extravagantes, berrantes, são maravilhosos, me deixam sempre de queixo caído, com vontade de aplaudir de pé como na ópera.

A câmara de Truffaut é elegante e terna.

Não corre – desliza.

A seqüência no clube de golfe em que um carteiro está à procura de Madame Jouve, por exemplo. Estão no clube de golfe todos os envolvidos na trama: Bernard, sua mulher Arlette, seu filho, Mathilde e seu marido Philippe, e ainda Roland (Roger Van Hool), amigo de Madame Jouve, amigo também de Philippe. Mathilde desfila sua beleza intensa, seu corpo de estátua grega. Bernard faz um imenso esforço para não olhar para aquele vulcão de sensualidade.

Chega o carteiro. A câmara o pega de longe – é um plano geral, vêem-se as diversas pessoas no clube. O carteiro caminha até alguém, pergunta por Madame Jouve, a pessoa aponta para um lado, lá vai o carteiro na direção indicada – e a câmara faz um travelling suave, bem suave, seguindo o carteiro, mas sempre mostrando as demais pessoas à sua volta. A indicação não era a certa, ele pergunta mais uma vez por Madame Jouve, e vai indo daqui para ali, para acolá, e a câmara sempre deslizando em suave travelling mostrando seus movimentos.

Finalmente Madame Jouve recebe a carta; a notícia a deixa aturdida; Bernard a observava, talvez para encontrar algo para ver que o impedisse de procurar com os olhos a beleza de Mathilde. Vai ao encontro dela.

Pronto, tinha terminando o longo plano de travellings. O espectador menos atento a detalhinhos poderá sequer ter notado a elegância com que a câmara deslizou durante alguns minutos.

Não é uma câmara cheguei, feérica, berrante. É suavemente terna, ternamente elegante.

Suavemente, muito suavemente, a câmara vai chegando perto dos rostos

Não precisa sequer de travellings para ser elegante. Mesmo fixa, parada, é uma bela câmara. Como na seqüência em que Mathilde e Bernard se sentam em um bar para tomar um café. Mathilde queria conversar. A conversa é dura. Philippe havia contado para Bernard que, na juventude, Mathilde havia tido um caso de amor problemático com um homem violento, maníaco-depressivo. “Sou violento, maníaco-depressivo? É assim que você me vê?”, pergunta Bernard (talvez não exatamente com as palavras nessa ordem, mas dizendo isso).

A câmara se alterna entre Bernard e Mathilde, como fazem as câmaras em geral, quando mostram diálogos, campo e contracampo. Mas, suavemente, muito suavemente, vai se aproximando dos rostos. Quando o diálogo começa, está em plano americano; quando está para terminar, são close-ups dos rostos dos dois belos amantes.

O segundo filme de Truffaut com Depardieu, o primeiro com Fanny Ardant

Foi o segundo filme consecutivo em que Truffaut dirigiu Depardieu. No ano anterior, 1980, o cineasta tinha feito O Último Metrô, em que Depardieu contracena com a deusa Catherine Deneuve. Depardieu e Catherine trabalharam juntos em diversos filmes, nem sei quantos; são algo assim como na Itália são Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Depardieu também voltaria, mais tarde, a contracenar com Fanny Ardant em filmes de outros cineastas, depois que ela se tornou viúva de Truffaut – o cineasta morreu, estupidamente jovem, em 1984.

Foi o primeiro filme de Truffaut com sua última musa, o primeiro dos dois únicos. Ele voltaria a dirigi-la no seu canto de cisne, De Repente, num Domingo/Vivement Dimanche, de 1983 – um filme em tudo diferente deste A Mulher do Lado, uma trama policial que quase esconde uma suave comédia romântica, um maravilhoso hino de amor às mulheres em geral e a Fanny Ardant muito em particular.

Dois amantes no estado de exaltação do tudo ou nada

Truffaut definiu assim o seu filme, num texto distribuído à imprensa na época do lançamento, em 1981, e que foi reproduzido no belíssimo livro Truffaut par Truffaut, editado por Dominique Rabourdin:

“De que se trata em La Femme d’à Côté? De amor, e, é claro, do amor contrariado, sem o que não haveria a história. O obstáculo, aqui, entre os dois amantes, não está nas opressões da sociedade, não é a presença dos outros, não é também a disparidade entre os dois temperamentos, mas, bem ao contrário, suas semelhanças. Eles estão ainda, todos os dois, no estado de exaltação do ‘tudo ou nada’ que já os havia separado oito anos antes.”

Dois belos jovens atores sentados lado a lado na noite do César

O IMDb traz a seguinte frase: “François Truffaut decidiu escrever o roteiro deste filme quando ele viu Gérard Depardieu e Fanny Ardant sentados lado a lado na noite do César”.

Pode parecer uma simplificação, uma americanice do grande site enciclopédico. Mas é a pura verdade dos fatos – ou, pelo menos, é o que Truffaut diz. Ele escreveu exatamente isso num texto com o título de “Introducing Fanny Ardant”, para o número zero da Unifrance Film Magazin, de dezembro de 1981, reproduzido no livro Truffaut par Truffaut. (Unifrance é a organização governamental de promoção do cinema francês.)

Esse texto, vejo agora, está também no livro O Prazer dos Olhos, que reúne textos diversos de Truffaut, editado no Brasil pela Jorge Zahar Editor, com tradução de André Telles.

Dá vontade de transcrever o texto inteiro, porque o filho da mãe escreve tão bem quanto filma. Ele começa dizendo que “é a Nina Companeez que cabe o mérito de ter descoberto Fanny Ardant”. Em 1979, Nina Companeez escreveu um roteiro para uma minissérie de TV que ela mesma dirigiu, chamada Les Dames de la Côte (côte, costa, e não côté, lado). Teve a audácia de escolher, para o papel principal, “um rosto novo, uma nova silhueta, uma jovem promissora, Fanny Ardant”. Vinha do teatro, onde havia trabalhado por cinco anos em importantes peças, mas era uma desconhecida do grande público da TV. A série foi um tremendo sucesso.

“No Natal de 1979, eu estava a duas semanas de começar O Último Metrô, mas desejei encontrar Fanny Ardant sem sequer esperar a distribuição de Les Dames de la Côte a fim de entrevistá-la, com a segunda intenção de uma eventual colaboração. Ao descobri-la em minha tela de televisão, eu ficara seduzido por sua boca larga, seus grandes olhos negros, seu rosto em triângulo, mas logo reconheci e percebi em Fanny Ardant as qualidades que geralmente mais espero dos protagonistas de meus filmes: vitalidade, valentia, entusiasmo, humor, intensidade, mas, também, no outro prato da balança: a inclinação pelo segredo, um lado feroz, uma suspeita de selvageria e, acima de tudo, algo vibrante.”

Na primeira cena com Fanny, Depardieu percebeu: “Vamos fazer um filme de amor que provocará medo”

Só um rápido parênteses no meio do texto maravilhoso de Truffaut: O Último Metrô foi indicado a 12 Césars, o Oscar do cinema francês, e ganhou nada menos que dez prêmios, inclusive os de melhor filme, melhor direção, melhor atriz para La Deneuve e melhor ator para Depardieu.

“As filmagens de O Último Metrô estavam muito difíceis, absorventes demais para me dar tempo de estudar um novo projeto, mas quando, na noite da entrega do César, em 1980, tive a oportunidade de ver, lado a lado, Fanny Ardant e Gérard Depardieu, pareceu-me que havia ali um belo par para o cinema, duas grandes silhuetas, o louro e a morena, um homem aparentemente simples mas complicado, uma mulher aparentemente complicada, mas simples como água. A idéia de A Mulher do Lado nascera, fazia seu caminho, um novo filme se anunciava.”

“Desde o início das filmagens tive a confirmação de que a nossa mulher do lado era de fato a mulher da vez. Depois de rodar a primeira cena, Gérard Depardieu me disse: ‘Quando Fanny me olhou nos olhos para dizer bom dia, fiquei apavorado, e estou percebendo o que vamos filmar: um filme de amor que provocará medo’.”

Um filme de amor que provoca medo, pavor – e ternura por seus pobres personagens

Um filme de amor que provoca medo. Que maravilha. É exatamente isso. A Mulher do Lado provoca medo. Ao revê-lo agora, tive várias emoções – pena daqueles personagens tão belos, tão jovens, vontade de que a história fosse outra. Uma certa saudade surda, dolorosa, da minha história particular um tanto parecida com a de Bernard e Mathilde. E, além de tudo, mesmo conhecendo a trama, mesmo já tendo visto o filme, senti também medo, pavor, porque aquele era um encontro que só poderia mesmo resultar em tragédia.

Que cineasta genial, Truffaut.

Ao ver seus filmes, a gente se sente um pouco como Audrey, a ex-mulher de Joe Gideon, em All That Jazz, ao constatar como o cara é absolutamente genial, e, sem querer, exclama o elogio que carrega um tanto de inveja: “Filho da puta!”

A Mulher do Lado/La Femme d’à Côté

De François Truffaut, França, 1981

Com Gérard Depardieu (Bernard Coudray), Fanny Ardant (Mathilde Bauchard), Henri Garcin (Philippe Bauchard), Michele Baumgartner (Arlette Coudray), Veronique Silver (Madame Odile Jouve), Philippe Morier-Genoud (o médico), Roger Van Hool (Roland Duguet)

Argumento e roteiro François Truffaut, Suzanne Schiffman e Jean Aurel

Fotografia William Lubtchansky

Música Georges Delerue

Montagem Martine Barraque

Direção de arte Jean-Pierre Kohut-Svelko

Figurinos Michele Cerf

Produção Les Films du Carrosse, TF1 Films Production. DVD (francês) MK2.

Cor, 106 min

R, ****

Título em inglês: The Woman Next Door

 

19 Comentários para “A Mulher do Lado / La Femme d’à Côté”

  1. Eu nunca escrevi aqui nada sobre os filmes de François Truffaut que o Sérgio aqui comenta porque infelizmente nunca mais vi nenhum desde a sua passagem pelos cinemas aqui onde vivo com excepção de “Os Quatrocentos Golpes” e de 3 outros filmes que se seguiram.
    Isto na Tv de outros tempos, se calhar ainda no tempo da ditadura.
    Portanto apenas de memória não posso dizer nada.

  2. É muito impressionante, caríssimo José Luís, como você nos mostra uma realidade de Portugal que aqui desconhecemos. Nossa impressão aqui é de que Portugal, em especial nos últimos anos, cresceu, se modernizou, melhorou, ficou ainda mais européia. A realidade que você mostra é dura, espantosa mesmo.
    É uma pena. Mas, vendo de outra maneira, é interessante que, através da internet, a gente possa saber mais da realidade daí.
    Um grande abraço.
    Sérgio

  3. Olá, Sérgio
    Aqui, em Portugal (falo de Lisboa), a grande maioria dos filmes de Truffaut encontra-se felizmente disponível em DVD, é só ir à FNAC mais próxima.
    Truffaut é um daqueles cineastas do peito, cujos filmes nunca me canso de rever. Por falar em “amor louco”, estranho muito você não referir “La Sirène du Missisipi”, filme que ele não gostava de falar mas que para mim é uma das obras mais espantosas da sua filmografia (já o “dissequei” convenientemente no blogue do Rato)
    Saudações cinéfilas

  4. E ter dinheiro para gastar na Fnac ou seja onde for.
    Parece que o Rato é homem sem problemas de dinheiro, mas eu não posso dizer o mesmo.
    E ponto final neste assunto.
    Para ele e outros como ele o nosso país está óptimo, mas para mim e muitos (mas mesmo muitos)não está.

  5. Truffaut era realmente genial. “A Mulher do Lado” foi muito bem descrita como um filme de amor que dá medo. Do cineasta, meu favorito é “A Noite Americana”.
    Parabéns pelo texto, a análise ficou muito pertinente e completa.

  6. Como eu gostava de tornar a ver “A Noite Americana”!
    A crítica por cá torceu um tanto o nariz ao filme, penso que acharam o filme muito simples e ligeiro.
    Mas eu adorei!

  7. Caro José Luís

    Não me conhece de lado algum e por isso não faz ideia sobre aquilo que eu penso, quer sobre o país em que vivemos quer sobre qualquer outro assunto. Por isso não coloque na minha boca palavras que eu nunca disse.
    Tenho problemas de dinheiro como praticamente toda a gente tem (infelizmente não nasci num berço de ouro, nunca herdei nada de ninguém e o pouco ou muito que tenho foi conseguido através do meu trabalho). Só que em matéria de gastos cada um satisfaz as suas necessidades (culturais ou outras) de acordo com a sua própria vontade. Em tudo na vida há que tomar decisões e agir de acordo com a nossa maneira de pensar.
    Desde muito jovem que adoro cinema e música e todas as minhas economias foram gastas (e continuam a sê-lo) nessas duas paixões. Por isso prescindi de muitas outras coisas na vida. Mas acredite que não me arrependo de nada.

  8. Adorei! Simplesmente adorei seu post e dei tanta risada com o final!:) Eu que também adoro Truffaut e já li tantos artigos seus, fico pensando, “como pode um ser humano ser tão genial como escritor e diretor?”
    Enquanto te lia, pensava também na beleza. Material, encarnada naquela que é para mim (mesmo agora não mais tão jovem),a mais bela atriz de todos os tempos, sim, é isso que penso de Fanny Ardant; na beleza plástica do filme que vc descreveu com muita propriedade e na beleza do tratamento temático. E você, meu caro Sérgio, escreveu com beleza. Sem querer soar prepotente, pensei em Aristóteles quando ele afirmou que “O trágico é belo”. Sim, e esse “A Mulher do Lado” é o tema do amor trágico expresso da forma mais bela. Ah, Truffaut…

  9. Sérgio, eu sempre li em segredo suas críticas, digo “em segredo” porque nunca fiz um comentário expressando a minha admiração por suas palavras – que tanto me emocionaram, me instruíram e até me deixaram extasiado – mas desta vez não poderia deixar passar. Engraçado, em momento algum eu chorei vendo este filme, mas lendo o seu texto sim, eu chorei. Isso porque o que você escreve sobre os filmes, tão cheio de emoção e transbordante de sentimento, parece ressignificá-los, alçá-los a outro nível de entendimento, de beleza e de contemplação. São textos escritos como se fossem cartas de amor à 7ª Arte. Já li muitas críticas por aí, mas só as do Roger Ebert e as suas foram capazes até hoje de me trazer tal estado de espírito. Isso é um baita elogio, né? Mas é só isso que eu queria mesmo, te parabenizar e agradecer pelas leituras deliciosas que você tem me proporcionado. E pra pedir que você não pare de escrever sobre cinema nunca! Um grande abraço!

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