Inimigos Públicos / Public Enemies


Nota: ★★★☆

Anotação em 2010: Inimigos Públicos reconta mais uma vez uma história já diversas vezes mostrada, a de John Dillinger, “o inimigo público nº 1” da polícia e da Justiça americanas, um dos maiores assaltantes de banco de que se tem notícia.

O filme é tremendamente bem feito, bem executado; o diretor Michael Mann tem absoluto domínio do artesanato, sabe como poucos fazer um policial, um thriller, um filme de ação. Tem no currículo uma série de filmes extremamente competentes; seus últimos filmes, todos de qualidade, foram O Último dos Moicanos, de 1992, Fogo contra Fogo/Heat, de 1995,  O Informante/The Insider, de 1999, Ali, de 2001, Colateral, de 2004, e Miami Vice, de 2006. Com este aqui, de 2009, são sete filmes no período de 18 anos, o que já é um indicativo da seriedade e do perfeccionismo. Não é uma característica comum no cinema americano.

A ação do filme começa em 1933 – o quarto ano da Grande Depressão iniciada com o crash da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, conforme nos lembra um letreiro inicial. John Dillinger – interpretado por Johnny Depp – está sendo levado para um presídio em Indiana. Sua chegada servirá como o estopim de uma bem planejada e bem executada fuga em massa do presídio – e já nessa longa seqüência inicial o diretor demonstra seu talento para as cenas de ação. É uma seqüência bastante violenta, como de resto será todo o filme, mas executada com absoluto rigor e brilho.

Como em diversos filmes do cinemão americano recente – Prenda-me se for Capaz/Catch me if You Can, de Steven Spielberg, e O Gângster/American Gangster, de Ridley Scott, de 2007, para citar apenas dois dos muitos exemplos – a narrativa de Inimigos Públicos se dividirá quase eqüanimemente entre o perseguido e o perseguidor, o bandido e o policial. O policial, aqui, é um agente do Bureau de Investigação, Melvin Purvis (Christian Bale), que, na primeira seqüência em que aparece, está perseguindo Pretty Boy Floyd, outro ladrão famossíssimo da época da Grande Depressão. Depois desse sucesso espetacular, o agente Melvin Purvis é nomeado pelo diretor-geral do Bureau, J. Edgar Hoover (Billy Crudup), como o responsável pela área de Chicago – o local principal de atuação de Dillinger.

         Os primórdios do FBI

Aqui cabe uma explicação dada pela Wikipedia: o Bureau of Investigation foi o predecessor do FBI. Hoover foi diretor do Bureau a partir de 1924, e teve papel fundamental na transformação desse escritório no FBI, em 1935, que dirigiu, com mão de ferro, até sua morte, em 1972.

Como se sabe, os princípios federativos são levados muito a sério, nos Estados Unidos – e cabe a cada Estado ter sua própria polícia e sua legislação penal. O filme demonstra – para quem prestar atenção, porque não há qualquer dose de didatismo – como o crescimento acentuado da criminalidade nos anos 30, os anos da Depressão e da Lei Seca, foi o responsável pelo crescimento do FBI, que acabaria virando essa estrutura gigantesca, mamutiana, que tantos filmes mostram.

De muito respeitado no submundo do crime, por seus assaltos audaciosos, Dillinger acabaria virando um incômodo para seus parceiros do crime organizado, que passava a ganhar fortunas com o jogo ilegal e o contrabando de bebida. Como ele cometia seus assaltos em diversos Estados, forçava o governo federal a investir mais e mais na sua própria polícia e na legislação penal para crimes interestaduais – uma ameaça às quadrilhas dos gângsteres.

Dillinger conquistou uma fama absurda, numa época de criminosos famosos, como Al Capone, Baby Face Nelson, Pretty Boy Floyd, Bonnie & Clyde, e num país que costuma transformar criminosos em super-estrelas. Ao contrário dos dois primeiros, e mais próximo dois três últimos citados, Dillinger parece ter fascinado a imaginação de multidões empobrecidas com a Depressão, que viam nele um Robin Hood, um sujeito que roubava os ricos mas jamais levava dinheiro dos pobres, dos clientes dos bancos.

         Um bandido incensado, tema de 14 filmes

Para se ter uma idéia: o personagem virou filme ainda em 1945, numa obra que levava apenas seu sobrenome. Em 1957, Don Siegel filmou a história de um amigo dele, Baby Face Nelson, em que Dillinger também aparecia. O assaltante foi personagem ainda de The FBI Story, filme de Mervyn LeRoy de 1959; de Dillinger, feito em 1960 para a TV; de Young Dillinger, de 1965; de Dillinger, de John Milius, de 1973; de The Kansas City Massacre, feito para a TV em 1975; de The Lady in Red, de 1979; de Dillinger, de 1991, também para a TV; de um novo Baby Face Nelson, de 1995; de Dillinger and Capone, de 1995; de The Real Untouchables, feito para a TV, de 2001; e de Crime Wave, 18 Months of Mayhem, também para a TV, de 2008.  

Este filme de Michael Mann, portanto, se a minha conta estiver certa, é o 14º filme que tem John Dillinger como personagem.

Isso é que é incensar um criminoso.

E não tem jeito: o filme incensa o bandido. No começo, até lá pela metade, ainda se percebe que estamos vendo a recriação de uma história envolvendo polícia e bandido, sem que se tome partido de um lado ou de outro. Mas, mais para o fim, parece que os roteiristas e o diretor não conseguem mais esconder sua admiração pelo personagem. Ele vai ganhando uma aura de super-homem, de gente boa, gente fina, tão preocupado com a segurança e o bem-estar da namorada (interpretada pela francesa Marion Cotillard). A seqüência de Dillinger indo ver num cinema de Chicago Vencido pela Lei/Manhattan Melodrama, de 1934 – em que Clark Gable interpreta um gângster mostrado com simpatia, endeusamento – eleva o assaltante quase à condição de um Gandhi, um Mandela.

         Marion Cotillard é um colírio, uma alegria

Bem, gostaria de registrar rápidas opiniões sobre os atores. Johnny Depp, sempre competente, está bem como o personagem central. Mas achei Christian Bale, no papel do agente policial competentíssimo, meio uma cópia da carranca que ele exibe como Bruce Wayne nos dois Batman dirigidos por Christopher Nolan. Uma carranca só – uma expressão séria, grave, assim como a voz, profunda e grave, o tempo todo.

Já Marion Cotillard é um colírio, uma alegria. Está lindíssima, e demonstrando grande talento, essa jovem francesa que teve em Piaf – Um Hino ao Amor uma das mais extraordinárias interpretações dos últimos muitos anos. Que bom que Marion Cotillard tem tido oportunidade de trabalhar tanto em filmes feitos em língua inglesa – Um Bom Ano/A Good Year – quanto feitos na França – O Amor Está no Ar/Ma Vie en l’Air. Que continue fazendo muitos filmes.

E há que reconhecer mais um mérito do filme: ele demonstra como J. Edgar Hoover incentivava as práticas de tortura de presos. É bom, é importante mostrar isso.   

Inimigos Públicos/Public Enemies

De Michael Mann, EUA, 2009

Com Johnny Depp (John Dillinger), Christian Bale (Melvin Purvis), Marion Cotillard (Billie Frechette), Channing Tatum (Pretty Boy Floyd), Giovanni Ribisi (Alvin Karpis), Billy Crudup (J. Edgar Hoover), Stephen Dorff (Homer Van Meter), David Wenham (Pete Pierpont), Stephen Graham (Baby Face Nelson), Carey Mulligan (Carol)

Roteiro Michael Mann, Ronan Bennett, Ann Biderman, Mark St. Germain

Baseado no livro de Bryan Burrough

Fotografia Dante Spinotti

Música Elliot Goldenthal

Produção Appian Way, Tribeca Productions, Relativity Midia, Universal Pictures

Cor, 143 min

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