O Amor Está no Ar / Ma Vie en l’Air


Nota: ★★★½

Anotação em 2009: Um filme delicioso, alegre, pra cima, inteligente, cheio de sacadinhas espertas e com uma trama maravilhosa. Ao ver pela segunda vez, fiquei ainda mais encantado do que na primeira, e com a certeza de que é uma das melhores comédias românticas dos últimos tempos.

O diretor e roteirista Rémi Bezançon brinca com as trapaças do destino, os encontros e desencontros; cria uma grande galeria de tipos engraçados, interessantes; e faz brincadeirinhas na narrativa que lembram as muitas invenções de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, aquela perfeição.

Não fazia muito tempo que a gente tinha visto – foi em agosto de 2008, exatamente um ano atrás. Gostamos muito, mas, por algum motivo, não anotei nada na hora, a não ser uma ficha técnica básica. Pensei em rever só uns trechinhos, para fazer esta anotação, mas não resisti e vi tudo de novo. É desses filmes que passam com louvor no teste da revisão.

Só tem uma contra-indicação, e é preciso registrá-la. Como Passageiros, de 2008, de Rodrigo Garcia, com Anne Hathaway e Patrick Wilson, é um filme que trata de acidentes aéreos e deveria ser evitado, acho, por quem perdeu pessoas em tragédias assim e para quem a repetida menção a elas pode ser um tanto traumatizante.

         Tragédia aérea e comédia – parece um paradoxo

amorostrêsE aí parece que há um paradoxo: como pode haver uma comédia romântica, alegre, pra cima, tratando de acidentes aéreos?

Pode. É uma das belas sacadas inteligentes desse Rémi Bezançon. Toda a trama é de fato muito boa – e o texto é ótimo, da melhor qualidade.

Uma voz em off, que logo saberemos que é a do protagonista, Yann Kerbeck (interpretado por Vincent Elbaz, um ator do qual eu não me lembrava, à esquerda na foto), conta sua história assim que o filme começa, e ao longo de todos os créditos iniciais, nos quais vemos estrelas no céu. 

– “Tenho medo de avião. Sempre tive. Para um avião cair é necessária uma série de erros, uma cadeia de eventos que desobedece todas as leis, inclusive a Lei de Murphy: ‘O que pode dar errado vai dar errado’. Na verdade, a queda de um avião obedece à Lei do Queijo Suíço. Ouvi falar nisso pela primeira vez quando tinha uns dez anos. Um dos colegas do meu pai explicou por que voar é seguro. A probabilidade de um avião cair é equivalente a fazer uma linha reta com os furos de uma fatia de queijo suíço. Sinceramente, não me convenceu. Principalmente quando, cinco anos depois, em 25 de maio de 1991, às 18h20, o vôo ITZ-5632, de Paris para Zurique, caiu, com o tal colega do meu pai a bordo. Às vezes dá para fazer uma linha reta com os furos de várias fatias de queijo suíço. A vida é assim.”

E ele prossegue contando sua história. Nasceu num avião, num vôo entre o Taiti e Paris; a mãe morreu no parto, o que explica o medo que ele tem de voar. Por ironia, como nasceu no ar, ganhou da empresa aérea o direito de viajar de graça por toda a vida.

Ao final desse monólogo de apresentação, temos uma tomada na cabine de comando de um grande jato comercial; há sérios problemas mecânicos, o avião está para cair, o co-piloto entra em pânico total, o comandante manda que ele saia da cabine, vira-se para o homem que está sentado logo atrás – o nosso narrador e protagonista, e diz:

– “Sr. Kerbeck, assuma o lugar dele, por favor.”

E Yann Kerbeck, em pânico total: – “Mas eu não sou piloto”.

A imagem é congelada na tela, enquanto a voz de Yann Kerbeck em off diz para o espectador:

– “Você deve estar se perguntando como fui parar no vôo A-320, que estava ali em queda livre sobre o Pacífico. Eu também me pergunto.”

E a partir daí – estamos com menos de cinco minutos do filme – vamos ver a história da vida de Yann Kerbeck. Veremos flashes da infância, da adolescência; depois, a narrativa vai se deter na época em que ele estava com uns 20 e poucos anos, e em seguida avançar para os 30 e poucos. O roteiro faz isso com maestria, com elegância, com inteligência e muita criatividade.

O pai de Yann, que o criou sozinho, é uma figuraça – jornalista especializado em automobilismo, apaixonado por carros, tinha um Mustang 1957, entre outros modelos antigos. Morreria num acidente de carro, ao fazer o test-drive de um Mercedes, quando Ian estava beirando os 20 anos. Imagens do pai voltarão à narrativa, em alguns poucos e bons momentos.

         Sonhos do passado impedem que você cresça 

amorosdoisQuatro pessoas, em especial, marcarão a vida de Yann. A primeira é Ludo (Gilles Lellouche), seu amigo de infância que o acompanharia sempre, sujeito doidão e folgado, fumeta de baseados desde bem cedo, um irresponsável, avesso a um batente. A segunda, Yann conhece quando está com 20 e poucos anos, numa festa para a qual é carregado por Ludo: é Charlotte (Elsa Kikoïne), uma mocinha bonitinha por quem ele se apaixona perdidamente. O destino, porém, leva Charlotte, depois de três semanas de namoro, para a Austrália, onde ele vai esperar a visita de Yann no Natal. O coitado até tenta o esforço supremo, entra no avião – mas, momentos antes da decolagem, foge correndo feito o diabo da cruz.

Temos então que, separado de Charlotte por horas de vôo que ele não ousará enfrentrar, Yann tentará matar a saudade dela com outras mulheres – serão muitas as mulheres, mas a sombra de Charlotte permanecerá sempre.   

Por mais uma ironia do destino, Yann, bom em matemática, cálculos, números, vai virar um perito em segurança de vôo de uma grande companhia aérea; seu trabalho é estudar acidentes aéreos, prever o que pode dar errado e o que pode ser consertado, e assim, na segurança de um simulador de vôo, em terra firme, treinar pilotos novatos e reciclar os veteranos. 

É assim que ele vive aos 30 e poucos anos, quando conhece as duas outras pessoas mais importantes de sua vida. Uma delas é Castelot (Didier Bezace), piloto escolado, veterano, que a companhia manda fazer um reciclagem no simulador de vôo supervisionado por Yann. Castelot tem um quê de Didi, o grande craque da folha-seca, do Botafogo e da Seleção campeã do mundo em 1958, ou de Romário: para ele, treino é treino, jogo é jogo; tranqüilíssimo nos vôos de verdade, na porra do simulador ele erra sempre. Ah, sim: Castelot é o comandante do avião em que a ação começa, o que está despencando sobre o Pacífico.

E, finalmente, tem Alice, que, como Castelot, só aparece quando já temos, sei lá, uns 40 minutos de filme. Alice se muda para o apartamento ao lado do de Yann, que por sua vez hospeda por um período temporário que já dura dois anos o velho amigo Ludo. Quando Alice pede a ajuda dos vizinhos para carregar uns móveis, até acha que os dois são um casal. Alice tem um programa de rádio, um consultório sentimental, onde dá lições para os ouvintes sobre como resolver seus problemas afetivos – embora ela mesma tenha tido um casamento muito breve, esteja vivendo uma relação conflituosa e vá depois entrar numa outra relação não satisfatória com um sujeito da manutenção técnica da rádio que trepa muito bem, mas jamais consegue juntar duas palavras.

É de Alice, para Yann, uma bela frase séria, neste filme de muitas frases engraçadas:

– “Não se agarre a sonhos do passado. Eles impedem que você cresça.”

Bela frase, belo conceito. Combina bem com aquela tão antiga, a conclusão da narrativa de Those Were the Days, que conheci no ano em que cheguei a São Paulo, na voz da gracinha Mary Hopkin: “Oh, my friend, we’re older but no wiser, for in our hearts the dreams are still the same”. Estamos mais velhos, porém não mais sábios, porque nossos sonhos ainda são os mesmos.

         Uma galeria de deliciosos tipos contraditórios como a vida

amormarionÉ uma delícia como Rémi Bezançon sabe criar esses personagens, todos muito bem construídos, embora alguns com apenas duas ou três pinceladas. Conhecemos rapidamente algumas das namoradas fortuitas de Yann, todas elas tipos interessantes, engraçados, bem feitos.

Um sujeito que tem o direito de viajar de graça para onde quiser mas morre de medo de avião; que tem pânico de avião mas é competentíssimo como treinador de pilotos. Uma conselheira sentimental cuja vida afetiva é um caos. Um piloto veterano que não consegue passar num teste num simulador de vôo. Que delícia de tipos esse sujeito cria.

É incrível, fantástico, que este aqui tenha sido seu primeiro longa-metragem. Antes, havia feito três curtas. Ele tem talento, imaginação, inteligência, e um domínio impressionante da linguagem. Permite-se invencionices, brincadeiras na narrativa, mas tudo muito bem feito, e na dose certa, sem exageros, sem nada do que eu tenho chamado de fogos de artifício. E sabe dirigir os atores – todo o elenco está ótimo. Incrível.

Ah, sim, eu não falei sobre a atriz que faz Alice. Parece até que foi de propósito – ficou para o fim desta anotação. Alice vem na pele e na beleza forte de Marion Cotillard, essa atriz extraordinária que fez milhões de pessoas babarem com sua interpretação como Edith Piaf em Piaf – Um Hino ao Amor. Naquele filme, que deu a ela um monte de prêmios, inclusive o Oscar, o Globo de Ouro o Bafta, o César, Marion Cotillard, nascida em Paris em 1975 (meu Deus do céu e também da terra, o ano da minha filha!), submeteu-se a um trabalho pesado de maquiagem que a tornou feia. Neste filme aqui parece que o diretor Bezançon fez de propósito: aqui vocês vão ver La Cotillard em toda sua esplendorosa beleza.

E é isso. Que esplendorosa beleza, essa moça, num filme delicioso.

O Amor Está no Ar/Ma Vie en l’Air

De Rémi Bezançon, França, 2005.

Com Vincent Elbaz, Marion Cotillard, Gilles Lellouche, Elsa Kikoïne Didier Bezace

Argumento e roteiro Rémi Bezançon

Música Sinclair

Produção Mandarin Films. Lançado na França em 7/9/2005.

Cor, 103 min

R, ***1/2

Título em Portugal: Um Amor pelo Ar

5 Comentários para “O Amor Está no Ar / Ma Vie en l’Air”

  1. Fui a Paris final de maio deste ano, e logo em seguida ocorreu o acidente da Air France. Fiquei com verdadeiro medo de voar e minha tia me obrigou a assistir a esse filme…Santo remédio..Além de rir bastante, ainda me deu coragem pra encarar o voo de volta..
    Boa dica…

  2. um filme ótimo!
    um ótimo diretor que conseguiu conciliar romantismo, drama, tudo num só filme. é como se retratasse mesmo a vida da gente – não é so drama nem só amor, é um pouco de tudo!

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