Anotação em 2010: A trama deste filme é fascinante, espetacular, de empolgar o espectador. Argumento, roteiro e diálogos são assinados por Cécile Telerman – que também é a diretora – e Jérôme Soubeyrand. Um absoluto brilho de história, um filme muito bom.
E é sensacional porque o filme leva um bom tempo para revelar para onde vai dar. Até quase a metade da ação, o que se vê é um drama familiar, apenas. Só lá pela metade, quando menos se espera, ele tem uma fantástica reviravolta e, embora continue, é claro, sendo um drama familiar, e dos bons, vira também quase um thriller, um filme de suspense.
Naturalmente, não vou entregar a reviravolta, estragar o prazer que o eventual leitor certamente terá ao ver o filme – e é um filme que deve ser visto. Mas acho que apenas dar essa informação, de que há uma grande virada, não estraga, não entrega, não é spoiler.
É, de fato, uma trama brilhante – como as melhores de um Almodóvar, de um Woody Allen. Tem uma fortíssima ênfase nas coincidências, nos acasos do destino, nos encontros e desencontros, que foram o tema de alguns dos melhores filmes de Lelouch, Demy, Kieslowski.
O que vou apresentar da trama é apenas o que aparece bem no início do filme – na verdade, vou só apresentar a família em questão, que a diretora Cécile Telerman apresenta ao espectador nos primeiros minutos de seu filme.
Uma família nada, mas nada feliz
Os pais são Henry e Mady Celliers (Patrick Chesnais e Charlotte Rampling); estão para completar 45 anos de casamento. Henry acaba de se aposentar; é um homem bem sucedido, em termos materiais; empresário, administrou várias grandes empresas, amealhou bens, tem fortuna. Mas teve um enfarte, de que está se recuperando, e se aposentou.
Mady (e Charlotte Rampling, que dá vida a ela, é sempre sensacional) é uma dona de casa rica – pessoa desagradável, amarga, irônica, ferina, formal, nada generosa, a típica pessoa que não construiu nada na vida e adora falar mal dos outros. Faz duras críticas, por exemplo, à falta de sex appeal da nora, Béatrice (Marina Tomé), uma geneticista, mãe dos dois únicos netos do casal.
O filho mais velho, pai dos garotos, Antoine (Pascal Elbé), tem uma empresa de importação e venda de arroz; a empresa foi bancada por Henry, e Antoine não a administra bem. Na verdade, a empresa está à beira da falência – e Antoine, ainda por cima, aos 45 anos, tem dores no peito, parece estar à beira de um enfarte.
A filha mais nova, Annabelle (Sophie Cattani), uma médica, parece a mais ajustada dos três filhos – mas o espectador verá, com o tempo, que ela tem uma vida afetiva complicada, insatisfatória, e uma paixão um tanto exagerada pelo tarô.
A filha do meio, Alice (o papel de Mathilde Seigner, grande atriz, que está excelente no filme), é uma pintora que não consegue vender seus quadros – de um surrealismo agressivo, horripilante –, precisa da ajuda do dinheiro do pai para viver, só tem casos rápidos com homens que não a satisfazem, já fez vários abortos – e se droga.
Em suma: uma família nada, mas nada, mas nada feliz.
Bem no início do filme, há um jantar que reúne toda a família. Antoine e Alice não se suportam, se agridem o quanto é possível. O pai anuncia que pensa em vender um de seus imóveis para distribuir o dinheiro entre todos os filhos, a casa onde mora e trabalha Alice. Antoine, naturalmente, acha a idéia fascinante – mas Alice, também naturalmente, se revolta.
Uma família que já não era nada feliz vai então agora ter problemas com divisão de dinheiro.
A partir de uma batida à procura de drogas num bar, Alice vai conhecer um inspetor de polícia, Jacques de Parentis (Olivier Marchal, na foto abaixo com Mathilde Seigner-Alice).
Mas será só lá pela metade do filme que surgirá a grande virada.
A grande discussão é sobre ter filhos, paternidade
Discute-se muito sobre família, paternidade, maternidade. É, na verdade, o tema básico, o cerne do filme. Os autores Cécile Telerman e Jerome Soubeyrand passarão por aquelas questões tão básicas – “Filhos, filhos, melhor não tê-los, mas, se não tê-los, como sabê-lo” (será que é assim essa frase?). “Se namorar, não case; mas, se casar, não tenha filhos.” “Não tive filhos; não transmiti a nenhuma criatura o legado da minha miséria.”
Um personagem dirá quase exatamente a frase de Machado de Assis. Perguntado se tem filhos, responderá que não, que não tem tanto apreço assim à vida para doá-la a um filho.
Estranhamente, ironicamente, esse drama familiar pesado, sobre personagens que sofrem demais e fazem os outros sofrer demais, que traem, que agridem, vai terminar de uma forma absolutamente imprevista.
A diretora chegou ao cinema através do Direito
Vejo no iMDB as seguintes informações sobre Cécile Telerman: nascida na Bélgica, estudou Direito; trabalhou no departamento jurídico da Sociedade dos Autores do CNC, o centro nacional da cinematografia da França. Tornou-se diretora administrativa da Sagittaire Films, uma empresa distribuidora de filmes de arte, e mais tarde foi co-fundadora, com um amigo de infância, de uma produtora especializada em documentários.
Fascinante trajetória.
Este aqui foi seu segundo filme, apenas – embora ela não pareça, de forma alguma, uma novata. Antes, havia escrito (também em parceria com Jérôme Soubeyrand) e dirigido, em 2005, Tout pour te Plaire, uma comédia que tinha no elenco dois dos atores que estão aqui, Mathilde Seigner e Pascal Elbé.
Que faça muitos filmes, essa Cécile Telerman. Tem muito talento e dirige como uma profissional experiente. Não cai na tentação de fazer criativóis fáceis; sua narrativa é simples, sólida, tranqüila, sem fogos de artifício.
Quase no final do filme, se permite um vôo de ousadia, uma série de seqüências curtas, rápidas, bem feitíssimas, bem montadas, a música indo lá no alto, de beleza estonteante, cada um com um dos personagens da história. Essa série de seqüências me fez lembrar de dois grandes momentos do cinema. Um é a série de seqüências também brilhante, acompanhadas por um belíssimo texto, num momento crucial de O Curioso Caso de Benjamin Button. O outro é a seqüência quase do final de O Poderoso Chefão, em que Coppola junta uma cerimônia dentro de uma igreja com diversos assassinatos brutais.
Estarei exagerando? Pode ser, pode ser – quando um filme me empolga, eu me empolgo.
Este é um filme empolgante.
Algo que Você Precisa Saber/Quelque Chose à te Dire
De Cécile Telerman, França, 2009
Com Mathilde Seigner (Alice Celliers), Olivier Marchal (Jacques de Parentis), Pascal Elbe (Antoine Celliers), Charlotte Rampling (Mady Celliers), Patrick Chesnais (Henry Celliers), Sophie Cattani (Annabelle Celliers), Marina Tomé (Béatrice Celliers), Gwendoline Hamon (Valérie de Parentis), Laurent Olmedo (Christian Meynial), Francoise Lebrun (a mãe de Jacques)
Argumento, diálogos e roteiro de Cécile Telerman e Jérôme Soubeyrand
Fotografia Robert Alazraki
Música Jacques Davidovici
Produção La Mouche de Coche Films, Les Films de la Greluche, Studio Canal
Cor, 100 mim
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