A Trilha / A Perfect Getaway

Nota: ★½☆☆

Anotação em 2010: Com um pouquinho de rigor (nem é preciso de muito), não dá para avaliar de outra forma: este A Trilha/A Perfect Getaway é uma imensa bobagem, um filme sem sentido, que somente poderá agradar a adolescentes vidrados em sustos e decepações. No entanto, o filme me enganou direitinho nos dois terços iniciais.

Não que se devesse esperar alguma coisa que de fato prestasse. Mas é um suspense, um thriller, e tem a beleza absurda de Milla Jovovich, mais belas paisagens do Havaí. Foram essas duas coisas – Milla Jovovich e o fato de ação se passar no Havaí – que me fizeram pegar o filme para ver.

O fato é que na primeira metade, ou nos dois terços iniciais, me pareceu que o filme funciona como uma diversão razoável. A ucraniana transformada em estrela por Luc Besson está esplendorosa como sempre, e os cenários havaianos – a ação se passa em Kauai, a menos conhecida e visitada das cinco ilhas principais do Havaí – são realmente deslumbrantes.

E há boas brincadeiras com os clichês dos filmes hollywoodianos sobre casalzinho jovem e bonito e inocente em viagem em belo lugar de repente ameaçado por assassino sanguinário. Há dez mil filmes desse subgênero, e o roteiro de A Trilha sabe brincar bem com isso. Não que seja uma paródia, tipo Apertem os Cintos que o Piloto Sumiu; é um filme de suspense, e consegue criar um bom clima de suspense, ao mesmo tempo em que os personagens citam filmes, falam dos truques de roteiro, de reviravolta, de virada na trama.

Gostei disso.

Outra coisa de que gostei foi que tudo acontece no Havaí, um dos Estados Unidos da América. Há um subgênero que chamo de Sobre Americanos Sofrendo no Selvagem Universo que Existe Além das Fronteiras do Umbigo do Mundo. Neste filme há americanos sofrendo no selvagem universo que existe dentro das próprias fronteiras do império. Não é Turquia, Uganda, Brasil, Tailândia, esses lugares tenebrosos, selvagens. É tudo lá mesmo – é um pouquinho longe de San Francisco e Los Angeles, as metrópoles americanas mais próximas, mas é solo americano.

         No paraíso – mas com um assassino à solta

O casal central, Cliff (Steve Zahn) e Cidney (Milla Maravilha), está no Havaí em lua de mel, feliz como pinto no lixo; num passeio de helicóptero, avistam uma praia deserta que o piloto define como o fim de mundo mais paradisíaco da face da terra. A essa praia só se chega de caiaque ou por um trilha perigosa e cansativa de vários quilômetros – e nosso casal de pombinhos compra um bando de equipamentos e lá vai enfrentar a trilha.

O espectador e os pombinhos ficarão sabendo que outro casal em lua de mel foi assassinado com extremos requintes de crueldade – os dentes foram arrancados, assim como as pontas dos dedos, os órgãos internos revirados, coisas assim –, na ilha de Oahu, a mais habitada do arquipélago, onde ficam Honolulu e Waikiki, a bela praia que virou, segundo bem definirá um personagem do filme, uma nova Las Vegas.

Quando o casal de pombinhos está comprando uma fortuna em equipamento de camping para enfrentar a trilha, chega à loja um rapaz vindo exatamente de Oahu.

De carro, no caminho até o início da trilha, Cliff e Cidney encontram um outro jovem casal, Kale (Chris Hemsworth) e Cleo (Marley Shelton). Ficam em dúvida se dão carona para eles – afinal, há um assassino à solta –, acabam não dando a carona. Um pouco mais tarde, conhecem um terceiro casal, Nick (Timothy Olyphant) e Gina (Kiele Sanchez). Nick é um sujeito cheio de histórias, diz que esteve no Iraque, que foi atingido por bomba, que tem placa de titânio no cérebro; possui um monte de facas, facões, machadinha. Ao saber que Cliff é roteirista de cinema, começa a conversar com ele sobre a construção de um roteiro de suspense – afinal, há um assassino à solta por ali.

         Quando chega a violência, o filme desanda

As brincadeiras a respeito de filmes de suspense com toques aterrorizantes são boas. Há várias referências gostosas a diálogos de filmes, como uma frase de Paul Newman em Rebeldia Indomável/Cool Hand Luke, por exemplo. E, nos dois primeiros terços da ação, o roteiro consegue encher o espectador de dúvidas – o assassino pode, sim, perfeitamente ser Nick. Ou então o cara do outro casal, Kale e Cleo, encontrado na estrada, e que vai reaparecer. Ou então o rapaz que apareceu na loja, pouco tempo antes. Essa coisa de deixar o espectador suspeitando de todos – e de ninguém especificamente, ao mesmo tempo – de fato funciona. E durante uns bons 60 minutos dos 97 de duração do filme, não há nenhuma violência – há só a consciência de que a violência chegará.

Quando chega, o filme desanda completamente. Vira um espetáculo de carnificina, uma coisa absolutamente imbecil, babaca – e, no final, joga toda a lógica dos primeiros 60 minutos no lixo.

O Sexto Sentido é um filme brilhantíssimo porque, quando a gente o revê, já sabendo da grande virada do final, tudo funciona perfeitamente, tudo se encaixa. É a grande genialidade do filme de M. Night Shyamalan. Este aqui é exatamente o inverso de O Sexto Sentido: se alguém fosse louco o suficiente para ver o filme duas vezes, veria que não faz qualquer tipo de sentido tudo o que acontece nos primeiros 60 minutos.

         Um diretor elogiado – e um estranho biquíni

Vejo no AllMovie referências positivas ao diretor e roteirista David Twohy, de quem nunca tinha ouvido falar: “Escolhido como uma das cem pessoas mais criativas em Hollywood pela Entertainment Weekly, é o homem responsável por alguns dos mais fascinantes filmes de ficção científica a dar a graça nas telas nos últimos tempos”. Aí olho a filmografia dele e constato que não vi nenhum dos filmes que ele dirigiu – nem sei o que são. Não são muitos, e os mais famosos, parece, são Pitch Back, de 2000, Submersos/Below, de 2002, e A Batalha de Riddick/The Chronicles of Riddick, de 2004.

Bem. Se é um dos cem caras mais criativos de Hollywood, tá um tanto explicado por que Hollywood já teve dias bem melhores. Mas de fato ele sabe criar clima, e tem um grande domínio da câmara e da construção de cenas de ação.  

Ah, sim, quero registrar um detalhinho fascinante. Não tem a ver com o cinema, a arte, mas com a indústria que faz os filmes.

Quando, com uns 20 minutos de filme, o casal em lua de mel, Cliff e Cidney, chega com Nick a um lugar especialmente paradisíaco, no meio de uma mata, onde há uma bela cachoeira e um plácido lago, o casalzinho e mais o espectador vêem pela primeira vez a namorada de Nick, Gina. Gina está deitada de bruço numa bóia no meio do lago, peladinha da silva telles – e, com perdão de eventuais feministas radicais, a bundinha da atriz Kiele Sanchez é belíssima. A mesma tomada aparece no trailer do filme – e Kiele Sanchez está de biquíni! Os caras se deram ao trabalho de filmar a tomada definitiva duas vezes, uma para o trailer, outra para o filme! Como diria o Obelix, batendo a mão dobrada na cachola, são uns neuróticos.  

A Trilha/A Perfect Getaway

De David N. Twohy, EUA, 2009

Com Steve Zahn (Cliff), Milla Jovovich (Cydney), Timothy Olyphant (Nick), Kiele Sanchez (Gina), Marley Shelton (Cleo), Chris Hemsworth (Kale)

Roteiro David N. Twohy

Fotografia Mark Plummer

Música Boris Elkis

Produção Rogue Pictures

Cor, 98 min (há um director’s cut de 108 min).

*1/2

2 Comentários para “A Trilha / A Perfect Getaway”

  1. Impressionantes são os furos no roteiro: a) O casal bandido fala o tempo todo dos outros: “Nossa, será que eles são os assassinos?” ou “Não será perigoso continuar com eles?” o que é absolutamente sem sentido… b) a câmera tem seu filme jogado fora, mas depois revela quem é o casal real… c)a polícia nunca se comportaria daquele jeito no helicóptero.

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