A Garota de Mônaco / La Fille de Monaco


Nota: ★★½☆

Anotação em 2010: A Garota de Mônaco é um daqueles filmes que vão mudando de tom ao longo da narrativa. Começa como uma comédia social, uma sátira de costumes. Lá pelo meio, beira o nonsense, o absurdo. Depois vai ficando amargo, amargo que nem jiló, que nem abacaxi quando não está bom, que nem fase dura da vida. Deixa um gosto ruim.

Não pensei nisso durante o filme, mas, algum tempo depois que ele terminou, me lembrei de Billy Wilder, o autor das comédias mais ácidas, mais melancólicas, mais tristes da história do cinema. O filme da diretora Anne Fontaine tem algo de Billy Wilder.

Sou muito ruim de síntese, mas acho que seria necessário fazer uma breve sinopse da história antes de qualquer outra consideração. Vamos tentar.

Advogado parisiense famoso, brilhante, respeitado, Bertrand Beauvais (Fabrice Luchini), é contratado para defender rica dama da sociedade do Mônaco, Edith Lasalle (Stéphane Audran), acusada de ter assassinado seu empregado e amante, um russo que, se suspeita, tem ligações com a máfia russa. Quem contrata o famoso advogado é o filho de Edith, Louis (Gilles Cohen), que, por cautela, põe um guarda-costas, Christophe (Roschdy Zem) para protegê-lo 24 horas por dia. Edith não quer cooperar com a defesa de forma alguma – parece querer ser condenada, simplesmente.

O advogado Beauvais tem sérios, graves problemas emocionais e, aparentemente, sexuais: tem medo de relacionamentos; tem, aparentemente, pavor que chegue o momento de trepar. Num ambiente em que se teme pela vida do defensor da ré Edith Lassalle (o irmão da vítima acaba de chegar da Rússiam e sabe-se lá do que os mafiosos russos são capazes), surge Audrey (Louise Bourgoin), a garota do título – uma mulher lindíssima, gostosíssima, e mais todos os íssimas e érrimas possíveis e imagináveis, uma força da natureza, um vulcão, um tesão, uma coisa absurda, imensa, interminável, sempre com as roupas mais ínfimas, menores que as de uma rainha da bateria em plena Sapucaí. (Na foto, o guarda-costas, a garota e o advogado.)

         Um lugar com uma aura fascinante, especial

Cacilda: tentei fazer uma sinopse curta e me estendi por dois grandes parágrafos. Jamais poderia trabalhar para o Cinéguide.  

Antes de tentar a sinopse, tinha pensado em fazer duas considerações. A primeira é sobre o local em que se passa a ação, o Mônaco, a Côte d’Azur, o litoral francês do Mediterrâneo – aquele trecho que vai de Cannes até a fronteira com a Itália, passando por Antibes e Nice e chegando a Mônaco. Há séculos esse é um dos trechinhos do planeta mais glamourizados, mais endeusados, mais tidos como exclusivos, charmosos, fascinantes. Milhares de milionários do mundo inteiro escolheram aquele pedaço de mundo como seu domínio. F. Scott Fitzgerald, que tinha o imenso problema de não ser rico, embora amasse profundamente o estilo de vida dos ricos, fez daquele lugar sua praia, durante o tempo em que pôde, e retratou o que viu no trágico Suave é a Noite

Centenas e centenas de filmes criaram essa aura de fascínio sobre aquele lugar. O cinema americano se deslumbra com o litoral mediterrâneo francês desde Ernst Lubitsch, nos anos 30. Hitchcock escolheu o local como base de seu Ladrão de Casaca/To Catch a Thief, de 1955 – aquele em que Grace Kelly, aquela deusa, aquele ser de outro mundo, virava-se para Cary Grant e perguntava: “Quer peito ou coxa”? Apenas um ano depois, Grace Kelly renunciaria à condição de deusa e de estrela em troca do título de princesa do Mônaco. É um lugar tão fascinante, ou tornado tão fascinante por séculos de fascínio incutido nos pobres mortais, que lá se torna realidade o conto de fada da estrela plebéia que vira princesa.

A Côte d’Azur, o Mônaco, aquela região, ela é assim, até hoje, algo como o cinema americano tentou criar na Grande Depressão dos anos 30, a época em que era preciso dar às massas empobrecidas, sem pão e esperança, 90 minutos de fuga da realidade – uma espécie assim de uma fantasia ideal, o Sangri-la, o Xanadu.

O cinema francês, que sabe perfeitamente ser tão estúpido e imbecil quanto os piores filmes americanos, se aproveita da aura de charme da Côte d’Azur em imbecilidades como Quatro Estrelas, um filme imoral e grotesco, uma ofensa à inteligência, ou em comedinhas bobas como Amar… Não tem Preço/Hors de Prix

A Garota de Mônaco, ao contrário dos dois citados acima, é um filme respeitável – mas se vale igualmente desse endeusamento que se faz à Côte d’Azur.

          Passou da linha da pobreza, os personagens são safados ou doidos

A segunda consideração é sobre o seguinte: em todo o mundo é assim, mas o cinema francês, em especial, assim como o italiano, dedica-se a desprezar as pessoas que não são pobres, humildes, trabalhadoras sem qualificação. Passou da linha da pobreza, nego é safado, imbecil, calhorda, ou, no mínimo, infeliz, doido, neurótico. Ou é ruim da cabeça, ou doente do pé, ou os dois ao mesmo tempo. 

Óbvio: é uma herança ideológica. São cento e tantos anos de fascinação pelo marxismo, a luta de classes. Pobre é bom, rico (ou remediado) é ruim, e pronto. Preto e branco. Simples assim.

O filme de Anne Fontaine tem muita coisa boa, mas, na minha opinião, ele tropeça nessas duas questões que tentei levantar aí acima. Ao escolher o local da ação, a diretora preparou para si mesma uma grande armadilha. E, ao compor seus personagens, caiu em outra. Criou arquétipos – e não personagens.

Filmes bons, penso eu, são filmes sobre personagens, pessoas. Arquétipos são bons para aulas, ensaios, ou para serem usados como exemplos pelos psicólogos. Não servem para boas histórias, para bons filmes.

Porque é rico, o advogado Bertrand Beauvais é um tipo complicado, infeliz. Não importa se ele já era rico de família, ou se ficou rico porque é bom no trabalho que faz: é rico, e por isso é torto, infeliz. Tem um medo danado de trepar. E nisso o ótimo ator Fabrice Luchini ajuda, porque ele tem mesmo um jeitinho de veado – uma vozinha fininha, gestos polidos demais, educados demais. (Acho que preciso explicar: não sou homofóbico, de forma alguma, mas também não sou a favor da linguagem politicamente correta; uso a expressão veado para designar o homossexual de maneiras afetadas, efeminadas. A expressão existe, está nos dicionários, não há por que ter medo dela.)

Porque é pobre, e filho de imigrantes, e tem a pele escura, Christophe, o guarda-costas, o segurança, é uma pessoa boa, descomplicada, trepa bem, é altruísta, tem boa índole. 

Porque são ricos, Edith Lasalle e seu filho Louis escondem segredos. Não são boas pessoas.

         Posso estar exagerando na má vontade. Será?

Talvez eu esteja exagerando na minha má vontade contra o filme – que, afinal, tem muitas coisas boas. Mary achou que exagerei, que peguei pesado demais, que impliquei com o filme.

De longe, a melhor coisa do filme se chama Louise Bourgoin, a mulher íssima e érrima que faz Audrey, a mulher que chacoalha para todo o sempre a vida do parisiense rico, famoso, brilhante, respeitado, o grande advogado – maïtre, como os franceses chamam. Aliás, por que será que os franceses chamam os advogados de maïtre, mestre?

Me peguei pensando, ao longo do filme: mas, afinal, quem é essa Audrey? Apenas uma puta? Uma ninfo? Uma femme fatale que afinal encontrou seu pato? Uma arma dos russos para botar a nocaute o advogado-maïtre?

A resposta – que só virá ao final da narrativa – é menos fascinante que a questão. O que talvez seja uma das qualidades deste filme, ou um dos seus defeitos. Sei lá.

Anne Fontaine é a autora de Nathalie…, um filme com personagens cheios de problemas sexuais, como o personagem central deste A Garota de Mônaco. Seu filme mais recente é Coco Antes de Chanel, a biografia da estilista. É também a autora de Uma Nova Chance, uma bela homenagem à veterana, majestosa Danielle Darrieux. Aqui ela faz uma espécie de homenagem a outra veterana, Stéphane Audran, que quando bem mais jovem trabalhou com Claude Chabrol em A Mulher Infiel/La Femme Infidèle, de 1969. Chabrol, na minha opinião, é um dos mais chatos desses cineastas europeus que têm antipatia profunda por todo o mundo que está acima da linha da pobreza.

Neste filme – acho eu –, a moça Anne Fontaine ficou mais perto de Chabrol do que do bom cinema.

Bem. Diz a capinha do DVD que Louise Bourgoin (nascida em 1981!) foi, de fato, como sua personagem Audrey, uma moça do tempo numa emissora de TV; depois deste filme, vem sendo comparada a Brigitte Bardot. Tem tudo a ver – até porque, no meio da apresentação da previsão de tempo, a garota Audrey canta Sur la Plage Abandonée, uma canção que BB gravou com sua voz sensualíssima nos anos 60. A canção reaparece nos créditos finais, na gravação de BB. 

Louise Bourgoin é de fato belíssima, gostosérrima, uma real força da natureza, como era Brigitte, um dos maiores símbolos sexuais dos últimos séculos. Vejo no iMDB que Louise Bourgoin já fez cinco filmes depois deste aqui. Tomara que sejam filmes melhores que os que Brigitte fez. Porque, cacilda, como Brigitte fez filme ruim. Um dia ainda tomo coragem e escrevo sobre isso.

Que Louise Bourgoin – eta mulherão, siô – faça bons filmes.                 

A Garota de Mônaco/La Fille de Monaco

De Anne Fontaine, França, 2008

Com Fabrice Luchini (Bertrand Beauvais), Roschdy Zem (Christophe), Louise Bourgoin (Audrey), Stéphane Audran (Edith Lasalle), Gilles Cohen (Louis Lasalle), Jeanne Balibar (Hélène) 

Roteiro Anne Fontaine, Jacques Fieschi e Benoît Graffin

Fotografia Patrick Blossier

Música Philippe Rombi

Produção Canal+, Pyramide

Cor, 95 min

**1/2

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