4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 1998: Deliciosa, afiada, inteligente, arrasadora sátira. Tem muitos pontos em comum com Bob Roberts, que, junto com este filme, é a sátira mais avassaladora sobre a política feita nos Estados Unidos nos últimos anos – possivelmente desde Dr. Fantástico, de Kubrick. O filme chama os americanos de idiotas, cegos, desememoriados, incapazes de raciocinar; chama a imprensa de burra, incompetente, servil; chama as eleições de mero produto de marketing – e aproveita para fazer uma enorme gozação sobre o show business de uma maneira geral, e mais especificamente o cinema.
Já se disse que o filme foi favorecido nas bilheterias americanas pelos escândalos sexuais dos quais o presidente Bill Clinton foi protagonista. O filme saiu no ano passado, 1997, em que a imprensa toda estava noticiando as várias acusações de assédio sexual feitas contra Clinton. E a trama filme parte exatamente dessa premissa: a poucos dias da eleição presidencial – 11 dias, exatamente -, uma jovem acusa o presidente americano de tê-la assediado sexualmente no Salão Oval da Casa Branca.
Cinco minutos de filme, e temos que um consultor político, um marqueteiro político, Conrad Brean (Robert De Niro), tem a missão de desviar a atenção da mídia do escândalo sexual. Ele é de fato um gênio. E se sai simplesmente com o seguinte: vamos inventar que há uma ameaça de guerra; digamos, contra a Albânia. E raciocina: “Quem, neste país, sabe alguma coisa sobre a Albânia? Ninguém sabe coisa alguma. Todo mundo vai engolir a história”. E – pimba! – a imprensa toda pesca a ameaça de guerra.
Bem, mas são 11 dias. E então nosso marqueteiro Brean vai a Hollywood, atrás de um grande produtor de cinema, Stanley Motss (Dustin Hoffman). É um personagem delicioso. A cada dificuldade que se apresenta, ele diz: “Mas isso não é nada, a gente dá um jeito. Ruim foi quando eu estava filmando tal coisa e descobri que ainda não tinha comprado os direitos.” E dá-lhe piada, uma atrás da outra, sem parar, gozando o cinema e a política e o que o filme diz que é imbecilidade do povo e a capacidade de a mídia enganar a todos, desde que devidamente enganada pelos políticos.
Os primeiros diálogos entre Brean e Motss são deliciosos, assim como os entre Brean e uma assessora do presidente, Winifred Ames (Anne Heche). “As pessoas não se lembram de que guerra era tal ou qual. As pessoas se lembram de um ou outro símbolo – a foto da garotinha nua fugindo do napalm. Guerra é entretenimento, é show business – e foi por isso que eu procurei você”, diz Brean a Motss.
O produtor Motts contrata um músico de Nashville (Willie Nelson, claro) para fazer uma música sobre a ameaça de guerra. E rapidamente temos um coral à la We Are The World gravando a música, numa seqüência absolutamente hilariante.
O marqueteiro e o produtor conseguem fazer com que toda a imprensa fale da ameaça de guerra com a Albânia; a CIA e o candidato oposicionista rapidamente encontram uma fórmula e anuncia-se publicamente que houve uma saída negociada e não haverá guerra. O produtor, indignado, diz: “Mas eles não podem terminar a guerra. Este filme é meu!” E bola a história de um soldado que foi deixado para trás e continua em poder do inimigo.
E por aí vai, num ritmo alucinante, uma boa piada atrás da outra. Há uma citação de 1984, de George Orwell, a coisa da história reescrita, quando transformam uma música que o personagem de Willie Nelson cria no estúdio, às pressas, numa canção de 1930, devidamente guardada e registrada na Biblioteca do Congresso.
O soldado que eles escolhem para fazer o papel do herói (interpretado, numa ponta brilhante, por Woody Harrelson, gozando da sua própria imagem de violento) é na verdade um preso, condenado por estuprar uma freira. Vai estuprar de novo, num lugarejo perdido no interiorzão americano, onde o avião deles cai – e será assassinado pelo pai da moça. E o produtor diz: “Mas isso não é nada; agora é que vai melhorar” – e encena-se um enterro com todas as honras militares no Cemitério de Arlington.
O final é brilhante. O produtor não quer, como recompensa por seu belo trabalho prestado, um posto de embaixador, dinheiro em conta secreta – ele quer o crédito; quer que digam que a produção foi dele. Afinal, foi o seu melhor filme. O que vem a seguir dá para rir e também para chorar; deixa um travo amargo na garganta de qualquer espectador sensível.
Uma delícia, uma maravilha.
Barry Levinson é de fato um diretor que mereceria maior atenção. Misturou sucessos comerciais (Bom Dia, Vietnã, Rain Man) com filmes mais sérios, pesados (Avalon, Bugsy). Depois do fracasso total de Toys, partiu para produções modestas; este filme teve orçamento baixíssimo (há até, nos créditos finais, um agradecimento ao elenco e à equipe técnica por terem conseguido realizar as filmagens num período de tempo mínimo, acho que 32 dias). Parece (acho que li algo assim) que os dois atores centrais, monstros sagrados e de salário altíssimo, trabalharam de graça, em troca apenas de percentagem no eventual lucro. O filme teve duas merecidíssimas indicações pro Oscar de 1998, filmes de 1997 – ator para Dustin Hoffman e roteiro adaptado.
Fiz a anotação acima antes de ler sobre o filme. Gostaria de anotar algumas informações dadas pelos jornais. De fato, o custo foi de US$ 15 milhões, uma bobagem no cinemão americano, e as filmagens duraram 29 dias. O filme já arrecadou US$ 43 milhões nos EUA. (Aqui, nos cinemas, foi um fracasso comercial. Estreou no dia 8/5/1998 em 11 salas e hoje, 23/5, está apenas em quatro, três delas em shoppings.)
O filme foi feito a partir do livro American Hero, de Larry Beinhart, logo depois da Guerra do Golfo. O autor diz que a Guerra foi tramada pela assessoria de Bush para garantir sua reeleição. “O que me interessou foi a idéia de forjar uma guerra, e não o desenrolar dela, o grosso da trama do livro”, disse Levinson. Hillary Henkin fez o roteiro, mas Levinson pediu ao dramaturgo, roteirista e diretor David Mamet que o reescrevesse.
Diz ainda Levinson, e muito bem: “Este não é um filme sobre um presidente específico e sim sobre a entidade presidencial na era moderna e como 20 anos de intercâmbio entre política, entretenimento e a mídia fizeram com que nos tornássemos mais manipuláveis”.
E vem aí, da mesma safra, outro filme que fala de escândalo sexual envolvendo políticos. É Segredos do Poder/Primary Colors, com John Travolta e Emma Thompson, dirigido por Mike Nichols, que custou US$ 70 milhões e estréia no próximo fim de semana em São Paulo. Será interessante fazer a comparação.
Anotação em 2001: R, **** É muito estranho rever esse filme em 2001, com a guerra dos Estados Unidos de Bush filho contra o terrorismo no Afeganistão acontecendo de verdade. É um filme todo premonitório. Ele estava pronto para ser lançado quando surgiu o escândalo envolvendo Clinton e assédio sexual no Salão Oval da Casa Branca. Vendo-o agora, é apavorantemente premonitório o diálogo do personagem de De Niro com o cara da CIA, interpretado pelo William C. Macy, em que ele diz que os próximos inimigos não serão nações, mas terroristas.
A tagline, a frase de marketing escolhida para os cartazes do filme é, se não me engano, a melhor de todos os tempos: “Uma comédia sobre verdade, justiça e outros efeitos especiais”.
Mera Coincidência/Wag the Dog
De Barry Levinson, EUA, 1997.
Com Robert De Niro, Dustin Hoffman, Anne Heche, Willie Nelson, Michael Belson,Woody Harrelson
Baseado no livro American Hero, de Larry Beinhart
Roteiro Hillary Henkin e David Mamet
Música Mark Knopfler, com canções originais de Willie Nelson
Fotografia Robert Richardson
Cor, 97 minutos.
Um filme excelente!! Tudo que o talentoso Dustin Hoffman faz é perfeito. Por exemplo, Luck, onde ele dá um show de interpretação.
Notável este filme muitíssimo divertido e apavorantemente premonitório como diz o Sérgio.
Cara, eu amo esse filme. Vou até repetir a tagline, porque de fato ela é primorosa: “Uma comédia sobre verdade, justiça e outros efeitos especiais”. Tem coisa mais americana do que isso. No business like show business.