Uma Loura por um Milhão / The Fortune Cookie


3.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Uma comédia com uma forte pitada de amargura do grande Billy Wilder, uma das muitas que fez com Jack Lemmon o diretor vienense que aprendeu o gosto por diálogos inteligentes, sarcásticos, cortantes com Ernst Lubitsch. Quem rouba a cena é outro companheiro de Lemmon em diversos filmes, Walter Matthau. Este aqui foi o primeiro dos 12 filmes estrelados pela dupla. 

O filme é de 1966; veio após três grandes sucessos em que Wilder e Lemmon trabalharam juntos – Quanto Mais Quente Melhor/Some Like it Hot, de 1959, Se Meu Apartamento Falasse/The Apartment, de 1960, e Irma La Douce, de 1963 – e de um relativo fracasso, Beije-me, Idiota/Kiss Me, Stupid, de 1964.

Lemmon faz o papel de Harry Hinkle, sujeito bom caráter mas sem muita sorte na vida; um ano antes do início da ação, Harry foi abandonado pela mulher, Sandy (Judi West, uma aposta do diretor que não deu certo), uma aspirante a cantora, mulherzinha ambiciosa, safada, pilantra, egocêntrica; fez todo o possível para esquecê-la, mas não conseguiu.

acookie1Harry é cameraman da CBS; na primeira – e hilariante – seqüência do filme, ele está trabalhando na cobertura de um jogo de futebol americano quando é literalmente atropelado pelo astro do Cleveland Browns, um sujeito imenso, Boom Boom Jackson. Harry vai parar no hospital, inconsciente – e aí entra em cena o personagem interpretado por Walter Matthau, Willie Gingrich. Casado com a irmã de Harry, Gingrich é o protótipo acabado do advogado de porta de cadeia, espertalhão, absolutamente desprovido de consciência e moral; ele imediatamente vê no acidente uma oportunidade de ganhar muito dinheiro, e diz que vai processar a CBS e o município – que mantém o estádio de futebol – pelos sérios danos ao cunhado. Para isso, terá que convencer Harry a fingir que está muito mais ferido do que na realidade está.

 Harry, como já disse, é bom caráter, e bem que tenta escapar do esquema de fraude preparado pelo cunhado; Gingrich, porém, é esperto, sabido; quando Sandy liga para o hospital para saber notícias de Harry, ela também pressentindo um cheirinho de dinheiro de indenização, Gingrich convence Harry a participar da fraude usando a ex-mulher dele como isca.

 Boom Boom Jackson, o astro do futebol que causou o acidente,  também bom caráter, gente boa, sente-se culpado e passa a visitar constantemente Harry no hospital e depois no apartamento, para onde ele volta de cadeira de rodas.

acookie2A figura do advogado safado que Walter Matthau cria, com a ajuda dos diálogos ferinos criados por Wilder e seu colaborador I.A.L. Diamond, é muito engraçada. Matthau levou o Oscar de coadjuvante pelo papel (o filme teve outras três indicações, de roteiro original, direção de arte e fotografia em preto-e-branco). É ótimo também o personagem de Purkey, o detetive particular contratado pelo grande escritório de advogados da companhia de seguros para filmar e gravar tudo o que se passa no apartamento de Harry, para tentar flagrar uma eventual fraude. Purkey é interpretado por Cliff Osmond, que havia feito um dos papéis principais em Beije-me, Idiota – é um ótimo ator, e o papel é hilário.

A amargura fica por conta do personagem de Harry, envolvido contra a sua vontade num esquema golpista, tragicamente apaixonado por uma mulher vagabunda. Pobre Harry.

Na sombra de Se Meu Apartamento Falasse

No seu livro Billy Wilder – e o resto é loucura, misto de biografia e depoimento pessoal do diretor, o professor e crítico alemão Hellmuth Karasek faz um paralelo entre Harry e C.C. Baxter, o personagem que Jack Lemmon havia interpretado pouco antes em Se Meu Apartamento Falasse. C.C. Baxter empresta seu pequeno apartamento em Manhattan para que seus chefes no escritório possam comer as amantes. Os dois, Harry neste filme aqui e C.C. Baxter no outro, são pessoas boas, mas simples, simplórias, levemente azaradas na vida, sem grandes sucessos nos campos material e afetivo; são pobres-diabos, na definição talvez dura demais do alemão Karasek. Relutam em fazer o que fazem, participar de um esquema ruim, negativo, de alguma maneira fraudulento, mas não têm coragem de resistir, de dizer não – até que a paciência se esgote, o saco estoure. 

Segundo o biógrafo de Wilder, este filme aqui, “uma sátira maravilhosa e leve”, “teve um único defeito: ficou na sombra de Se Meu Apartamento Falasse“. O próprio Wilder parece concordar com ele: “Naturalmente, toda a construção (de Uma Loura por um Milhão) proporciona menos diversão do que em Se Meu Apartamento Falasse. (…) Também a decisão em favor da verdade, que Lemmon toma nos dois filmes, é mais simplesmente necessária e menos forçada em Se Meu Apartamento Falasse.”

Um pequeno detalhe que me impressiona: Billy Wilder repete com o personagem de Sandy, a ex-mulher de Harry, uma cena que havia feito com Kim Novak no seu filme anterior, Beije-me, Idiota: aqui é a mulher ajoelhada, procurando no chão a lente de contato perdida; no anterior, é a mulher ajoelhada, procurando no chão o enfeite que usa no umbigo. Não consigo entender bem por quê, mas Wilder parece querer sintetizar nesse gesto a pequenez do ser humano. Só outro austríaco, o Sigmund, para explicar essa fixação do diretor.

Outro pequeno detalhe: Wilder divide seu filme em capítulos. O primeiro, por exemplo, chama-se O Acidente. Lá pelo meio do filme, quando o advogado sem escrúpulos leva para o cunhado no hospital um prato chinês, com um biscoito da sorte, o capítulo se chama exatamente isso, O Biscoito da Sorte, The Fortune Cookie, o título original do filme. A mensagem que vem no papelzinho é aquela famosérrima frase de Abraham Lincoln: “Você pode enganar todas as pessoas durante algum tempo, você pode até enganar algumas pessoas todo o tempo, mas não conseguirá enganar todos o tempo todo”. Willie Gingrich/Walter Matthau faz uma daquelas suas ótimas caras e diz: “Mas o que é que os chineses sabem?”

É o tal negócio. Este não é um dos melhores filmes de Wilder. Mas um filme de Wilder que não é de seus melhores é melhor que a maioria do que se pode ver.

Uma Loura por um Milhão/The Fortune Cookie

De Billy Wilder, EUA, 1966.

Com Jack Lemmon, Walter Matthau, Ron Rich, Judi West, Cliff Osmond

Argumento e roteiro Billy Wilder e I.A.L. Diamond

Fotografia Joseph LaShelle

Música André Previn

Produção The Mirisch Corportation, distribuição United Artists

P&B, 125 min

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