4.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2007, com complemento em 2008: Tristíssimo, barra pesada, doloroso – e brilhante.
Uma das coisas que mais impressionam é o internacionalismo do filme. A diretora Isabel Coixet é uma jovem catalã, a atriz principal, Sarah Polley (que faz o papel de uma sobrevivente croata da guerra dos Bàlcãs exilada na Irlanda), é canadense, o ator principal, Tim Robbins, é americano. Boa parte da ação se passa numa plataforma petrolífera perdida no meio do mar, nem se fala qual, e as pessoas que se reúnem ali vêm de todos os lugares do planeta.
Isabel Coixet está, acho eu, entre os mais talentosos cineastas da atualidade. Nascida em Barcelona em 1960, ela vem nessa onda de espetacular criatividade da cultura espanhola que renasceu depois de décadas da ditadura franquista. Em 2003, fez Minha Vida Sem Mim/My Life Without Me, também com Sarah Polley, um filme extraordinário sobre uma jovem que se descobre com doença terminal. Em 2006, em Paris, Te Amo/Paris, Je t’Aime, colcha de retalhos feita por dezenas de diretores, foi a autora de um dos melhores segmentos. É daqueles cineastas que a gente deve acompanhar com toda a atenção.
Um pouquinho da trama:
Hannah (Sarah Polley), deficiente auditiva, que só ouve com a ajuda de aparelho, trabalha feito um camelo numa fábrica na Irlanda; depois de quatro anos sem tirar férias, é forçada pela chefia a sair por um período. Incapaz de viver sem estar trabalhando muito – só muito, muito mais tarde no filme o espectador saberá que ela é sobrevivente da guerra dos Bálcãs, e traz de lá terríveis cicatrizes -, ela aceita durante as férias um emprego temporário como enfermeira numa plataforma de petróleo onde houve um incêndio. Sua tarefa será cuidar de um dos trabalhadores, Josef (o papel de Tim Robbins), com graves queimaduras, cego temporariamente, que ainda não tem condições sequer de ser transportado de helicóptero para um hospital em terra.
O filme é exatamente sobre o encontro dessas duas pessoas profundamente tristes, infelizes, cheios de marcas e ferimentos feios, profundos – físicos e psicológicos.
Sarah Polley, essa menina prodígio, tem uma interpretação estupenda, extraordinária. Consegue estar ainda melhor que o grande Tim Robbins.
Uma coisa absolutamente fascinante é a ligação entre a canadense Sarah Polley, na época do filme com 26 anos, com a inglesa Julie Christie, que estava então com 64. Aqui, Julie Christie faz um pequeno papel, como uma pessoa de organização que ajuda sobreviventes da barbárie dos Bálcãs.
Este aqui foi o segundo filme em que as duas trabalham juntas; o primeiro, No Such Thing, é uma imensa bobagem feita por Hal Hartley em 2001. Em 2006, um ano depois deste A Vida Secreta das Palavras, Sarah Polley dirigiria Julie Christie no filme Longe Dela/Away From Her, sobre uma mulher com o mal de Alzheimer.
A impressão que dá é que a garota canadense em ascensão se apaixonou pela quase septuagenária atriz inglesa que andava meio esquecida.
Vejo no IMDB:
“Os papéis que Julie Christie aceitou (nos últimos anos) foram guiados por sua consciência social, como a participação em The Gold-Diggers, o primeiro longa-metragem de Sally Potter, uma parábola feminista feita inteiramente por mulheres que dividiram igualmente seus salários.”
E acrescenta que Sarah Polley tomou Julie Christie como modelo:
“Na década seguinte a Afterglow, de 1997, Julie Christie tem trabalhado principalmente em papéis secundários. Como uma atriz que desprezou o estrelato vulgar, Christie se tornou uma inspiração para a atriz canadense com inclinações esquerditas que também detesta Hollywood. Polley diz que Christie é consciente como poucos de como a indústria cinematográfica e os meios de comunicação de massa criaram uma imagem para ela nos anos 60. Não querendo ser reduzida a um produto, ela se rebelou e assumiu o controle de sua vida e carreira. Suas atitudes a transformaram numa das heroínas de Polley.”
Na revista Studio de abril de 2007, Sarah faz elogios com superlativos a Julie e diz, sobre seu filme Longe Dela: “Escrevi esse filme para ela, mesmo antes de saber se ela gostaria de interpretar o papel principal.”
O filme teve 21 prêmios e 14 outras indicações.
A Vida Secreta das Palavras / The Secret Life of Words / La Vida Secreta de las Palabras
De Isabel Coixet, Espanha, 2005
Com Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Camara, Julie Christie
Argumento e roteiro Isabel Coixet
Produção Focus, El Deseo, Mediapro. DVD Europa. Estreou em SP 15/6/2007
****
Maravilhoso esse filme! O melhor que vi no cinema nos ultimos tempos.
Adorei saber sobre a Sarah Polley e a Julie Christie.
Excelente mesmo, merece bem a nota máxima – 4 neste caso.
Curioso que vi este fime e o outro com Tim Robbins – Catch a Fire – na mesma semana, a última.
Uma semana em cheio quanto a cinema.
Belíssimo, um poema amoroso profundo. Desempenho espetacular de Tim Robbins. Ela, que não me lembro de ter visto antes, também muito, muito boa. Somente depois deste depoimento, li a opinião do Sérgio,onde encontro referências sobre a`atriz, inclusive como diretora. Vi esses filmes mas não me lembro dela… Resumindo minha opinião: Esqueceram de premiar esta maravilha?
olá, Sérgio!
Muitos filmes de gêneros até então deixados de lado por mim têm sido gratas surpresas depois de conhecer seu site. Mais uma excelente indicação. Filme belíssimo e, para mim, de certa forma, com final quase que imprevisível (achei que o final fosse seguir a toada do filme todo, enfim…).
abraço