Quase 18 / The Edge of Seventeen

2.5 out of 5.0 stars

Quase 18/The Edge of Seventeen, de 2016, é mais um das dezenas, centenas de filmes americanos sobre adolescência, aborrescentes de famílias disfuncionais. E, no entanto, acho que é um pouco mais do que apenas mais um. É uma comedinha-drama simpática – e tem qualidades.

Uma delas: confirma que essa garotinha Hailee Steinfeld é mais que um novo rostinho lindo. É uma boa atriz. A menina nascida na Califórnia em 1996 já teve 24 prêmios, fora 46 outras indicações – inclusive as indicações ao Oscar de atriz coadjuvante e ao Bafta de atriz por seu desempenho em Bravura Indômita/True Grit (2010), a refilmagem feito pelos irmãos Coen da obra de Henry Hathaway de 1969.

Por sua atuação como a protagonista deste Quase 18 aqui, ganhou uma indicação ao Globo de Ouro.

Outra qualidade: o filme revela uma nova diretora e autora que mostra talento. Chama-se Kelly Fremon Craig, nasceu em 1981 – como Hailee Steinfeld, em uma cidade pequena da Califórnia –, e este foi seu filme de estréia na direção. Foi também a autora do roteiro original. Antes de Quase 18, havia escrito outro roteiro original, de história criada diretamente para o filme. Segundo a Wikiedia, Recém-Formada/Post Grad, de 2009, foi um fracasso de público e crítica.

Dois anos depois, em 2011, a moça mandou um novo roteiro para o consagradíssimo diretor e produtor James L. Brooks, dono de uma produtora independente, Gracie Films. Brooks topou produzir o filme com a própria autora dirigindo.

E não é que a moça tem jeito para a coisa?

Estava zapeando de noite, horas depois de ter visto um filmaço, uma obra-prima séria, pesada, densa – O Insulto, de Ziad Doueiri –, e num dos Telecines estava para começar Quase 18. Resolvi dar uma olhadinha, ver o começo – e o filme me fisgou.

 

A garota chega para o professor e anuncia que vai se matar

O filme abre com a adolescente Nadine-Hailee Steinfeld irrompendo na sala de aula em que o professor Bruner (o papel de Woody Harrelson) tentava comer um sanduíche, entre uma aula e outra. Ela se senta diante dele, e anuncia que vai se matar logo em seguida, e que havia escolhido o professor para ser o adulto a quem daria a notícia.

O diálogo é delicioso:

Nadine: – “Hey!”

O professor: – “Ocupado.”

Nadine: – “Não quero ocupar uma tonelada do seu tempo, mas vou me matar. Pensei que um adulto deveria ficar sabendo. Não sei como a coisa funciona. Provavelmente vou pular na frente de um trator… Ou um trailer, talvez, mas não apenas de um ônibus. Não vou fazer as pessoas pararem pra olhar, mas tem que ser um troço grande, tem que ser bem grande para… Pronto! Me matar. Apagar a luz. Porque se só me deixar mal e eu ficar… Bem, isso não seria bom para ninguém. Bem, você não precisa se preocupar com as minúcias. Só achei que um adulto – que você deveria ficar sabendo.”

O professor (com cara de tédio, de quem está cansado de saber que Nadine não vai se matar coisa nenhuma): – “Uau. Bem… Quer dizer… Isso é uma coisa muito grave, Nadine. Eu gostaria de saber o que dizer. Bem, eu na verdade estava aqui escrevendo minha própria nota de suicídio.”

Ele pega um papel na mesa e finge que está lendo: – “Eu tenho apenas 32 minutos de felicidade na hora do almoço, que tem sido interrompida várias vezes pela mesma estudante que se veste especialmente mal, e eu finalmente pensei que preferiria encontrar o negror do vazio absoluto.”

Não, o professor Bruner não é um desalmado cruel. O espectador verá que ele apenas conhece Nadine muito bem, e está acostumado com as manifestações de mau humor da garota.

Nadine nunca conseguiu se comunicar com a mãe

Depois dessa abertura com o anúncio do suicídio iminente, Nadine se dirige com a voz em off para os espectadores e diz que vai contar um pouco sobre como as coisas começaram.

E então vemos cenas de Nadine com 7 anos (o papel de Lina Rena), já uma menininha problemática, chata, mal humorada, daquele tipo que acha tudo ruim, tudo horroroso – o oposto de seu irmão mais velho Darian (Christian Michael Cooper aos 8 anos, Blake Jenner aos 19), um menino todo certinho, amável, simpático, para quem a vida parece sorrir sempre.

A própria Nadine define e resume a coisa assim: – “Há dois tipos de pessoas no mundo: as pessoas que naturalmente se destacam na vida. E as pessoas que esperam que todas aquelas outras morram numa grande explosão.”

Ou, como outro dia me peguei pensando, a vida trata bem quem trata bem a vida. Acho que eu deveria patentear essa frase, se é que ela ainda não tem copyright. A vida trata bem quem trata bem a vida.

Como os aborrescentes tratam a vida muito mal, é claro que são mal tratados por ela…

Uma característica interessante da história criada por essa jovem Kelly Fremon Craig e interpretada por essa ainda mais jovem Hailee Steinfeld é como a heroína, ou anti-heroína, melhor dizendo, se dá mal com a mãe, Mona – interpretada pela simpática Kyra Sedgwick. Desde cedo, desde criança de 6, 7 anos de idade Nadine detesta a mãe – que por sua vez, nervosa, ansiosa, não consegue encontrar uma forma de se comunicar com a filha.

Acho interessante – e importante – que um filme sobre adolescentes aborde essa questão. Sim, às vezes mãe e filha não se dão, não se gostam, a rigor se desgostam.

Nadine se dá muito bem com o pai, Tom (Eric Keenleyside), um sujeito boa gente, bonachão, paciente – mas tem a pior relação possível com a mãe e também com o irmão.

Como faz sempre as piores escolhas, Nadine tem uma paixonite pelo menino bonitinho da escola, Nick (Alexander Calvert). Bonitinho e, claro, caráter zero. E não dá a mínima pelota para o garoto simpático, boa gente, que tem uma paixonite por ela, Erwin (Hayden Szeto). Simpático, boa gente e, claro, mais feiosinho.

O professor Bruner acaba sendo a pessoa a quem ela envia pedidos de ajuda. Lá pelas tantas, ela diz para o professor:

– “Olha, eu não tenho amigo algum neste momento, e, para ser completamente honesta com você, não estou interessada. De jeito nenhum. Toda minha geração é um bando de babacas. Eles literalmente passam mal se você tira o telefone deles por um segundo, eles não conseguem se comunicar sem emojis, eles realmente acreditam que o mundo quer saber que eles estão comendo um taco, ponto de exclamação, cara sorridente, cara sorridente… Eu… Eu sou uma alma antiga. Gosto de música antiga, de filmes antigos, e até de gente velha. Não tenho nada em comum com as pessoas, e elas não têm nada em comum comigo.”

Anuncia-se uma série de TV, um spin-off do filme

Este é um filme americano. É verdade que de uma produtora independente, de uma diretora e roteirista que promete. Mas, diacho, é um filme americano, que pretende atrair espectadores que paguem uma graninha na bilheteria – e então ele segue direitinho algumas das regras douradas do cinemão de Hollywood. Como diria o bardo, all is well that ends well. E então, quando o jogo se aproxima dos 45 minutos do segundo tempo, há um grande click na cabeça de Nadine, e de repente fica tudo bem.

Não tem importância. Faz parte do jogo. E costuma ser assim mesmo na vida real: de repente o adolescente percebe que aqueles problemas gigantescos, absurdos, não eram tão gigantescos, tão absurdos assim – e, para citar mais um clichê, a adolescência é uma doença que o tempo cura.

A garotinha Hailee Steinfeld é uma gracinha, sabe atuar. A moça Kelly Fremon Craig sabe escrever bons diálogos, gostosos, ágeis, sabe dirigir atores, demonstra ter talento.

E parece que de alguma forma o filme agradou às audiências. Em 2018, anunciou-se que seria produzida uma série de TV com o mesmo título, The Edge of Seventeen, com a autora e diretora Kelly Fremon Craig como diretora executiva. Segundo ela afirmou em entrevistas, a série deverá ter o mesmo tom, o mesmo clima do filme, mas é um spin-off, uma obra próxima, uma obra derivada do filme, mas não uma continuação da história original. Nadine não deverá aparecer na série.

Tomara que dê certo, que a série seja de fato produzida.

Anotação em fevereiro de 2019

Quase 18/The Edge of Seventeen

De Kelly Fremon Craig, EUA, 2016

Com Hailee Steinfeld (Nadine)

e Haley Lu Richardson (Krista, a grande amiga), Blake Jenner (Darian, o irmão), Kyra Sedgwick (Mona, a mãe), Woody Harrelson (Mr. Bruner, o professor), Hayden Szeto (Erwin, o colega), Alexander Calvert (Nick Mossman, a paixonite), Eric Keenleyside (Tom, o pai), Nesta Cooper (Shannon), Daniel Bacon (M.C.), Lina Renna (Nadine criança), Ava Grace Cooper (Krista criança), Christian Michael Cooper (Darian criança),

Argumento e roteiro Kelly Fremon Craig

Fotografia Doug Emmett

Música Atli Orvarsson

Montagem Tracey Wadmore-Smith

Casting Melissa Kostenbauder

Produção Gracie Films, Huayi Brothers Media, Robert Simonds Productions, STX Entertainment.

Cor, 104 min (1h44)

**1/2

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