2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2006, com complemento em 2008: Entre 1962 e 1965, a veterana e excelente atriz inglesa Margaret Rutherford encarnou Miss Marple, a detetive diletante criada por Agatha Christie, em uma série de quatro filmes, todos dirigidos por George Pollock. Não são grandes filmes, nem pretendem ser, de forma alguma – são gostosos, agradáveis, divertidos, e engraçadíssimos, com aquele humor de que só os ingleses são capazes.
Margaret Rutherford (1892-1972), respeitada atriz de teatro e com mais de 50 filmes no currículo, tornada Dame pela Rainha Elizabeth II, é a mais perfeita Miss Marple que qualquer fã dos livros da velhinha safada e maluca poderia imaginar. Feiosa, com uma cara esquisita, única, o queixo muito grande, o cabelo todo branquinho, com um inigualável charme, olhinhos astutos, um ar inteligente e uma incrível disposição física, ela não interpreta Miss Marple, ela é Miss Marple.
Tanto, mas tanto, que a própria velhinha doida dedicou à atriz seu livro The Mirror Crack’d From Side to Side, publicado em 1962, com o seguinte adendo seco: “Em admiração”. Volto a falar de The Mirror Crack’d no final desta anotação.
Os quatro filmes da série são uma mistura de crime e humor, num tom semelhante ao de alguns da fase inglesa de Alfred Hitchcock – outro velhinho inglês safado e doido que, exatamente como Agatha Christie, se divertia com os crimes, os cadávares pipocando aqui e ali. Até a trilha sonora foi criada num tom cômico.
Em todos os quatro, Miss Marple requisita sempre que preciso a ajuda de um velho amigo, Mr. Stringer. Ao contrário da amiga, Mr. Stringer não é audaz, ousado; é tímido, meio medroso. Mas Miss Marple toca fogo nele, insiste para que ele faça as coisas a fim de tentar descobrir pistas que levem ao assassino.
Os leitores de Agatha Christie sabem muito bem que, nos livros, não existe nenhum Mr. Stringer. Ele existe só nestes quatro filmes, e a razão é simples, britanicamente nepotista: Mr. Stringer é um personagem criado pelos roteiristas dos quatro filmes para atender a um pedido de Margaret Rutherford – ele é interpretado por Stringer Davis, o marido da atriz.
Quem Viu, Quem Matou/Murder, She Said, o primeiro da série, é disparado o melhor. É baseado na novela 4.50 From Paddington; Miss Marple está num trem, lendo uma novelinha policial, quando passa um trem na direção contrária, e ela vê um homem estrangulando uma mulher. Chama um funcionário, diz que viu um assassinato; o funcionário olha para o assento vago ao lado de onde a velhinha está sentada, vê que é um livreco policial e faz aquela cara de ih, ela lê essas porcarias e fica imaginando coisas.
O inspetor-chefe da cidadezinha, Craddock (Charles ‘Bud’ Tingwell, que também está nos quatro filmes) tem a mesma reação, é claro – e então Miss Marple vai ela mesma à caça de pistas do assassino, com a ajuda de Mr. Stringer. Faz os cálculos de onde estava passando o trem naquele momento em que ela viu o crime, e acaba se empregando na mansão que fica ao lado da linha férrea naquele trecho específico.
Em Sherlock de Saias/Murder at the Gallop, um homem rico morre, aparentemente do coração; todos aceitam a explicação de morte natural, menos, naturalmente, Miss Marple. Ela acabará se hospedando num hotel-haras, onde estão parentes do homem morto – e aí o espectador ficará sabendo que, nos anos 30, ela foi campeã de hipismo.
O iMDB informa – eu não sabia disso – que este segundo filme se baseia em uma história de Agatha Christie com o outro detetive criado por ela, o belga Hercule Poirot; os roteiristas adaptaram a história para o personagem de Miss Marple, assim como aconteceu com outro filme da série, Crime é Crime/Murder Most Foul, outra história de Poirot que virou de Miss Marple no cinema. Neste Crime é Crime, os assassinatos acontecem dentro de uma troupe teatral. Miss Marple, é claro, se candidata a uma vaga no elenco.
Em Assassinatos a Bordo/Murder Ahoy, Miss Marple torna-se uma das curadoras de um organização que financia o treinamento e a reabilitação de jovens delinqüentes em um navio. Na reunião em que ela é empossada, um outro curador cheira seu rapé – e cai morto. Ataque cardíaco, sentencia o médico da cidadezinha. Miss Marple não cai nessa e desconfia de um crime. Em seguida vai, com a ajuda de Mr. Stringer, inspecionar o navio – e começam a acontecer assassinatos.
Neste Assassinatos a Bordo, o diretor George Pollock partiu para o exagero total. A música é ainda mais cômica que nos demais – ela acompanha, por exemplo, os sinais de código Morse em lanternas trocados entre Miss Marple e Mr. Stringer. O inspetor Craddock está ainda mais bobo e trapalhão do que de costume. O capitão do navio tem todos os tiques possíveis e imagináveis. Ah, sim, e o espectador fica sabendo que, em 1931, Miss Marple foi campeã de esgrima.
É aquilo lá: nada de importante, nada de grandioso. Mas são quatro filmes gostosos de se ver e rever. E Dame Margaret Rutherford é demais.
Bem. Voltando a The Mirror Crack’d, o livro de 1962 que Agatha Christie dedicou a Margaret Rutherford “em admiração”. A história foi filmada em 1980 por Guy Hamilton, com Elizabeth Taylor, Kim Novak, Tony Curtis e Rock Hudson, todos os quatro com os belos rostos já com as marcas da passagem do tempo. Naquele filme, Angela Lansbury faz uma boa Miss Marple. Não chega perto da interpretada por Dame Margaret, mas se sai muito bem.
O interessante aqui é que Angela Lansbury interpretou na TV americana, ao longo de 12 anos, entre 1984 e 1996, o papel de Jessica Fletcher, uma escritora de livros policias e detetive diletante, obviamente inspirada em Miss Marple. Não por acaso nem mera coincidência, essa série de TV chamou-se Murder, She Wrote, uma citação clara de Murder, She Said, o título do primeiro dos quatro filmes de Margaret Rutherford como Miss Marple. A série teve 264 episódios de cerca de 60 minutos, e venceu seis Globos de Ouro. Depois que a série terminou, ainda foram feitos alguns filmes com a mesma personagem, como Assassinato Por Escrito/Murder, She Wrote – South by Southwest, de 1997.
Quem Viu, Quem Matou/Murder, She Said
De George Pollock, Inglaterra, 1962.
Com Margaret Rutherford, Stringer Davis, Arthur Kennedy, James Robertson Justice, Charles ‘Bud’ Tingwell
Roteiro David Osborn
Baseado em 4.50 From Paddington, de Agatha Christie
Música Ron Goodwin
P&B, 87 min
Sherlock de Saias/Murder at the Gallop
De George Pollock, Inglaterra, 1963.
Com Margaret Rutherford, Stringer Davis, Robert Morley, Flora Robson, Charles ‘Bud’ Tingwell
Roteiro James P. Cavanagh
Baseado em Agatha Christie
Música Ron Goodwin
P&B, 81 min.
Assassinatos a Bordo/Murder Ahoy
De George Pollock, Inglaterra, 1964.
Com Margaret Rutherford, Stringer Davis, Lionel Jeffries, William Mervyn, Charles ‘Bud’ Tingwell
Roteiro David Pursall e Jack Seddon
Baseado no personagem criado por Agatha Christie
Música Ron Goodwin
P&B, 93 min
Crime é Crime/Murder Most Foul
De George Pollock, Inglaterra, 1965.
Com Margaret Rutherford, Stringer Davis, Ron Moody, Megs Jenkins, Charles ‘Bud’ Tingwell
Roteiro David Pursall e Jack Seddon
Baseado em Mrs. McGint’s Dead, de Agatha Christie
Música Ron Goodwin
P&B, 90 min.
ESTOU FAZENDO UMA COLEÇÃO DE DVS DE AGATHA CHRISTIE, MAS É DIFÍCIL ADQUIRIR AQUI NO BRASIL. GOSTARIA DE SABER COMO FAÇO PARA COMPRAR.
Esses quatro filmes que eu comentei foram lançados em DVDs e reunidos em uma caixinha pela Warner. Aparentemente, a tiragem acabou; o site do Submarino diz que não está disponível – veja no endereço http://www.submarino.com.br/produto/6/1470610/colecao+agatha+christie+com+a+detetive+miss+marple-+4+dvds.
Quem sabe você tenta ver com a Warner? O Guia da Nova Cultural traz o número (11) 3016-2900.
Muito interessante o comentário. Extremamente informativo. Grata por compartilhar os seus conhecimentos.