Setembro / September

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3.5 out of 5.0 stars

Lane – a personagem que Woody Allen criou para sua então mulher Mia Farrow interpretar – é uma das mulheres mais tristes que já passaram pelas telas de cinema. É a essência da tristeza, da desesperança.

Mia Farrow devolveu o presente do então marido com uma interpretação abissalmente magnífica, soberba, brilhante.

Essas duas características – a tristeza sem fim da personagem, e a atuação esplendorosa da atriz – foram das que mais me impressionaram ao rever o filme agora, 28 anos depois de seu lançamento,

Lane é uma mulher absolutamente perdida na vida. Está na faixa dos 40 anos (Mia Farrow, de 1945, estava com 42 no ano de lançamento do filme), mas não tem uma profissão, um ofício, uma meta. Já mexeu com fotografia, mas ela mesma sabe que não tem muito talento para aquilo. Fala vagamente em querer escrever – mas apenas vagamente.

zzsetembro2É uma mulher bonita, muito bonita, mas não se trata, não quer ou não sabe se tratar – e aqui, na composição da figura de Lane, vai um imenso talento das pessoas envolvidas na produção, seguramente o figurinista Jeffrey Kurland, a chefe da equipe de maquiagem Fern Buchner, talvez alguns toques do diretor de arte Santo Loquasto. Mas, sobretudo, vai o talento dessa atriz extraordinária. Mia Farrow deixou os cabelos crescerem bastante – e eles estão sem corte, sem jeito. Lane usa pequenos óculos sem aros que não ajudam em nada, e suas roupas são desmazeladas. Toda ela – o cabelo, as roupas, a postura – passa essa sensação de desmazelo, desleixo, falta de cuidado. Não é uma questão de falta de elegância, de ausência de roupas finas, não, pelo amor de Deus, não é isso. É algo mais grave, mais profundo: é desmazelo mesmo, fruto de auto-estima lá embaixo, beirando o chão.

Teve um trauma sério ainda na adolescência, aos 14 anos. O que foi exatamente a causa desse trauma o espectador só ficará sabendo quando a narrativa já se aproxima do fim.

Meses antes do período mostrado na narrativa, tentou o suicídio.

Mora numa bela casa de campo, em Vermont, junto de montanhas e de um lago – antiga propriedade comprada pelo pai já morto faz tempo e pela mãe. Vermont tem fama de ser um lugar belíssimo, mas o espectador não fica conhecendo nada do que existe em torno da casa de Lane, porque não há uma única tomada, uma tomada sequer, feita fora da casa.

Lane está aprisionada em sua própria angústia. Se sai de casa, muito certamente não consegue ver beleza alguma em árvores, plantas, grama – e então Woody Allen, roteirista genial, constrói todas as tomadas de seu filme dentro da casa de Lane. No meio do campo, longe deste insensato mundo, Lane vive uma vida claustrofóbica.

Howard, que amava Lane, que amava Peter, filho da mãe que estava a fim de Stephanie

Como tudo sempre pode piorar, ainda tem Peter – e mais a mãe de Lane e o atual marido dela.

Peter (o papel de um Sam Waterston que parece jovem demais, embora já estivesse com 47 anos) é um publicitário da Madison Avenue que tem pretensões literárias. Tirou férias para se dedicar a escrever seu primeiro romance – na verdade, uma biografia levemente romanceada de seu pai, homem que teve problemas com a caça a bruxa do macarthismo nos anos 1950 –, e alugou o chalé de hóspedes de Lane.

zzsetembro3Um homem de boa estampa, charmoso, publicitário com pretensões literárias, vindo do umbigo do mundo, o coração da maior metrópole americana. Não deu outra: Lane apaixonou-se perdidamente. Veremos depois que o próprio Peter admite que a encorajou, ou, no mínimo, no mínimo, não a desencorajou, e vápt, comeu a moça – embora, na verdade, o calhorda estivesse de olho mesmo é na maior amiga de Lane, Stephanie (o papel de Dianne Wiest, na foto), uma mulher casada, com filhos, que mora na Philadelphia e estava passando ali uns dias naquele final de verão.

Lane não havia ainda percebido essa coisa óbvia, de que Peter estava mesmo era a fim de Stephanie.

Apaixonada, tola, pensava em vender a propriedade do campo para pagar algumas dívidas e comprar um apartamento em Nova York – para, evidentemente, ficar perto de Peter.

Essa decisão deixava mortificado outro personagem da história: Howard (o papel do inglês Denholm Elliott), um professor viúvo vizinho da propriedade da família de Lane. Howard tinha se encantado com a vizinha, tinha se apaixonado por ela. Sabia da paixão dela por Peter, mas, mesmo assim, tinha alguma esperança.

A mãe de Lane tinha sido modelo e namorado artistas, milionários   

Setembro começa (e vai terminar exatamente da mesma forma) com a câmara passeando dentro da casa de Lane, mostrando os diversos aposentos do térreo. Lá vai a câmara, em suave travelling, enquanto ouvimos as vozes de um homem e uma mulher falando em francês. São Howard e Stephanie conversando, ela praticando o francês. Veremos que, quando bem jovem, ela havia ido a Paris, e tido uma paixão por um francês que não falava inglês, da mesma forma que ela não falava francês. E então ela de alguma maneira tinha estudado um pouquinho da língua, e tinha sonhos de voltar lá algum dia.

E então chega Lane, vinda do lado de fora. Chega reclamando da mãe para o vizinho, amigo e fã e para a maior amiga. Diz que a mãe não parava de falar, de contar as histórias dela, e estava pedindo para Peter escrever sua biografia. Um absurdo!

Lane diz claramente, com todas as letras, que não aguenta mais a presença da mãe, que gostaria que ela fosse embora, mas ela não parecia ter pressa nenhuma de seguir viagem com o novo marido. E agora ainda tinha se metido a atrair as atenções de Peter.

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Daí a pouco chegam à casa Peter, mais a mãe de Lane, Diane (Elaine Stritch, na foto), e o marido dela, Lloyd (o papel do sempre bom Jack Warden).

Quando os três entram na sala em que estão Howard, Stephanie e Lane, Peter está perguntando a Diane se é verdade que Errol Flynn tinha dirigido cantadas a ela. E Diane nega: diz que naquela época já estava com 16 anos, e Errol Flynn achava que aos 15 anos as mocinhas já estavam um pouco passadas.

Diane não tinha sido atriz, cantora, escritora – tinha sido modelo, uma mulher bonita, charmosa, que tinha tido namoros com atores, cantores, escritores, artistas, desportistas, ricos de uma maneira geral. Até mesmo de brasileiros, conforme será dito bem mais tarde.

Uma mulher alegre, cheia de vida, choca o ambiente circunspecto, sisudo

A personagem da mãe de Lane faz lembrar bastante a da mãe das irmãs Hannah, Holly e Lee, de Hannah e Suas Irmãs, o filme anterior de Allen, de 1986 (interpretadas respectivamente por Mia Farrow, Dianne Wiest e Barbara Hershey). A mãe das três irmãs, Norma, é interpretada por Maureen O’Sullivan, mãe de Mia Farrow na vida real. É uma atriz, cantora, que nas festas de família bebe um pouco mais do que deveria, fala um pouco mais do que deveria, e avança em intimidades dela própria mais do que deveria.

Essa Diane aqui faz lembrar bastante, também, talvez até mais ainda, a alegre Pearl de Interiores, o Woody Allen de 1978. Em Interiores também há três irmãs – interpretadas por Diane Keaton, a mulher e musa de Allen na época, Mary Beth Hurt e Kristin Griffith –, filhas de um milionário que pouco antes havia se separado da esposa, a mãe das três irmãs. Para uma reunião de família, o pai aparece com uma namorada mais jovem que ele, essa Pearl (uma interpretação magistral de Maureen Stapleton), uma mulher cheia de vida, que gosta de comida, bebida, roupas coloridas, música, dança.

Essas três mulheres – a Norma de Hannah e Suas Irmãs, a Pearl de Interiores e esta Diane de Setembro – são alegres, cheias de vida. “Um dínamo”, como Lane descreve a mãe. Elas destoam do ambiente mais solene, mais sério, mais sisudo, em que trafegam os demais personagens das histórias.

Em todos esses três filmes, uma mulher alegre, cheia de vida, de energia, choca o ambiente mais circunspecto daquelas pessoas ou muito mais ricas, finas e chiques, ou mais metidas a intelectualizadas e por isso destinadas à infelicidade profunda.

Ou, no caso de Lane, a mãe a choca pelo simples fato de procurar a felicidade, coisa que ela, a filha, nunca soube encontrar na vida – em boa parte, ela pensa, exatamente por causa da própria mãe.

Lane fazia planos de ir à cidade com Peter ver o último Kurosawa

Para a noite daquele primeiro dia mostrado no filme, Lane havia feito planos de ir com Peter à cidade ver o último Kurosawa.

Não se fala o nome da cidade. A cidade grande mais próxima, claro.

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Me pergunto – sou mezzo curioso, mezzo metido a querer saber o que não é para saber – em que cidade próxima do interiorzão de Vermont Lane e Peter achariam um cinema exibindo o último Kurosawa. Boston? Montreal? Albany? Portland? A quantas horas de carro, meu Deus do céu?

E que filme seria? Setembro foi lançado em 1987, filmado em 1986. A referência deve ser, seguramente, a Ran, que o mestre Akira Kurosawa lançou em 1985.

Mas isso é só brincadeira minha. Não importa. Mas há mais que três referências a ver o filme de Kurosawa – só para marcar a paixão de Allen pela obra dos grandes, ele que não tem nenhuma vergonha de demonstrar sua paixão por Bergman e Fellini. E também, creio, para marcar um suave esnobismo de Lane.

De qualquer forma, Diane estraga os planos de Lane de ver Kurosawa com Peter, porque informa a todos que convidou o casal de vizinhos para vir tomar uns drinques e comer alguma coisinha à noite.

Naquela noite, porém, haverá uma grande tempestade; o casal ligará para avisar que não poderá ir por causa da chuva, a luz vai acabar – e, em casa, ficarão apenas aquelas seis pessoas, o casal mais velho, Diane e Lloyd, e mais aquela quadrilha drummondiana, Howard que ama Lane que está perdidamente apaixonada por Peter que só tem olhos para Stephanie.

O físico diz que tudo no universo é aleatório, tudo se origina ao acaso, do nada

Naquela longa noite, haverá um diálogo fantástico, extraordinário, tenebroso, Woody Allen em estado puro, entre Peter-Sam Waterston, o publicitário com pretensões literárias, e Lloyd-Jack Warden (na foto), que é físico.

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Peter tinha ouvido de Diane que Lloyd foi um dos inventores da bomba atômica. E então, quando estão os dois jogando sinuca, Peter pergunta se é verdade; Lloyd diz que não tem nada a ver, que Diane exagera as coisas.

Peter: – “Em que área da física, então, você trabalha?”

Lloyd: – “Numa área mais aterrorizadora do que a que faz explodir o planeta”.

Ele não usa hora alguma a palavra astrofísica, mas fica bastante claro que é isso.

Peter: – “Há algo mais aterrorizador do que a destruição do mundo?”

Lloyd: – “Há. O conhecimento de que não importa uma ou outra forma, tudo é aleatório. Tudo se origina ao acaso, do nada, e depois desaparece para sempre. Não estou falando do mundo, e sim do universo. Todo o espaço, todo o tempo, uma convulsão temporária.”

E depois completa: o universo é moralmente neutro e inimaginavelmente violento.

Ao longo de 27 anos, Allen mudaria um pouco a resposta às questões básicas

Às perguntas básicas, quem somos, onde estamos, para onde vamos, Woody Allen, em 1987, em seu segundo filme inteiramente dramático, respondia assim: somos fruto do acaso, do nada, e depois de passar por aqui desaparecemos para sempre, não sobra coisa alguma.

Vinte e sete anos e uns vinte e sete filmes depois, em Magia ao Luar/Magic in the Moonlight, ele criaria um personagem que passou a vida toda acreditando exatamente nessa conclusão apresentada pelo físico Lloyd em Setembro, o mágico Stanley (Colin Firth). Mas a moral desse seu filme de 2015 é bem diferente. É mais ou menos assim, pelo que eu entendi:

Se for só isso que a gente vê, cheira, apalpa, ouve, se for só o que a racionalidade mais fria e objetiva aponta, se não há mais nada além deste mundo material aqui, então é tudo muito pobre – e chato. Seria muito melhor se tivesse algo mais, algo maior, algo que não podemos sentir com nossos parcos cinco sentidos. Seria bem mais divertido.

zzsetembro4Mas Magia ao Luar é uma comédia, mais uma entre as tantas comédias de Allen.

Setembro, bem ao contrário, é drama. E drama pesado. Não há descanso, não há momento mais suave, menos denso, menos doloroso. A tensão vai só crescendo – assim como a tristeza.

Foi – repito – o segundo drama do diretor, após o já citado Interiores (1978). Mais tarde, viriam mais quatro dramas: A Outra (1988), Maridos e Esposas (1992), Match Point (2005), O Sonho de Cassandra (2007).

Seis dramas, em meio a quase 50 filmes escritos e dirigidos por ele.

Foi um drama na era Diane Keaton, três na fase Mia Farrow e dois na fase européia.

Este aqui foi o 17º filme dirigido por Allen, e o nono dos 13 feitos por ele com Mia Farrow.

Aqui vai um spoiler. Quem não viu o filme deve pular para o próximo intertítulo

Em Setembro, Woody Allen fez uma coisa que é bem pouco usual em sua longa filmografia: trouxe à baila um caso real. Ele enfiou no passado de Lane uma história idêntica à tragédia que aconteceu na vida de Lana Turner (1921-1995).

A semelhança dos nomes é óbvia demais. Lane, a personagem. Lana, a atriz.

Foi um dos maiores escândalos da história de Hollywood. No dia 4 de abril de 1958, o amante de Lana Turner, um gângster chamado Johnny Stompanato, foi assassinado a facadas na casa da atriz. A versão oficial é de que Cheryl Crane, a filha de 14 anos de Lana, atacou o homem porque ele estava ameaçando bater na amante.

Os casos de discussões e brigas entre o casal, e de agressões físicas dele contra ela, eram fartamente conhecidaos, o que dava veracidade à versão contada à polícia. Meses antes, Stompanato havia viajado até a Inglaterra, onde Lana Turner filmava Vítimas de uma Paixão/Another Time, Another Place, e, depois de brigas e de agressões que a deixaram com marcas no rosto e a afastaram por duas semanas das filmagens, o caso foi levado à Scotland Yard, que deportou o gângster de volta para os Estados Unidos.

O assassinato dele na casa de uma das maiores estrelas do cinema americano causou furor na imprensa e na opinião pública, como não podeia deixar de ser.

A polícia fez exames do local; ao final do inquérito, o caso foi considerado autodefesa, e Cheryl foi inocentada.

Allen não gostou do que fez. Aí trocou três atores, e filmou tudo de novo

Woody Allen queria que Setembro fosse como uma peça de teatro filmada. E dá para imaginar que ele se inspirou no estilo de Anton Checov, uma de suas grandes influências. Se fosse música, seria uma peça de câmara, um sexteto. (Além dos seis personagens principais, apenas aparecem em cena três outros – um casal interessado em comprar a casa de Lane e a corretora –, mas muito rapidamente.)

Como numa peça, o filme se passa – como já foi dito – inteiramente dentro de uma casa, um ambiente.

Para realçar ainda mais o clima de peça de teatro, Allen e seu diretor de fotografia, o italiano Carlo Di Palma (que filmou com Michelangelo Antonioni, Pietro Germi, Mario Monicelli), filmaram quase tudo em plano americano ou mesmo plano geral – há poucos close-ups, essa coisa que não existe no teatro. E os planos são longos.

zzsetembro6Mia Farrow tinha uma casa de campo em Connecticut, e essa casa teria sido a primeira inspiração para Allen criar o roteiro de Setembro.

A casa que aparece no filme, no entanto, não é a casa da atriz, e sim sets construídos no Kaufman Astoria Studios, em Nova York.

Em sua autobiografia What Falls Away, Mia Farrow conta, segundo o IDMb, que o diretor filmou cada mesma tomada duas ou três vezes; depois se trancou na sala de montagem – e decidiu que estava tudo errado, e tudo teria que ser refeito. Trocou três dos seis atores: Mauren O’Sullivan, a mãe de Mia Farrow, que dois anos antes trabalhara com ele em Hannah e Suas Irmãs, foi substituída por Elaine Stritch. Charles Durning, que fazia o papel de Howard, o vizinho de Lane, deu lugar a Denholm Elliott. E Sam Shepard, o grande Sam Shepard, foi trocado por Sam Waterston.

E aí ele refilmou tudo.

Assim, Setembro estourou o orçamento e o prazo de conclusão. Foram oito meses de filmagens e refilmagens, de outubro de 1986 a junho de 1987 – muito provavelmente o recorde entre todos os filmes de Woody Allen, em geral filmados em dois, três meses.

Foi o maior fracasso de bilheteria de toda a carreira do cineasta. O Box Office Mojo mostra que o filme obteve apenas US$ 486.484,00 na bilheteria no mercado doméstico (o site especializado em cifras não tem o custo do filme, nem a renda da bilheteria fora dos Estados Unidos).

O normal seria, após um fracasso como esse, que o realizador fizesse aquilo que dava sempre certo – uma comédia. Mas não: o filme seguinte seria outro drama, A Outra. Foi a única vez em toda a sua carreira que Allen filmou dois dramas em seguida.

“Existem tantos modos de estar apaixonado pela pessoa errada na hora errada”

Leonard Maltin deu 2 estrelas em 4 ao filme: “Seis pessoas soltam sua angústia durante um fim de semana no campo. Inteligente e com boas atuações, mas depois de algum tempo ele cansa tanto que não há razão alguma no mundo para que você se interesse por aquelas pessoas e seu choramingar. Stritch é um brilho como a mãe extravagante de Mia, e é duro desgostar completamente de um filme que toca o pianista de jazz Art Tatum tão vigorosamente. Passado em Vermont, mas filmado completamente dentro de um estúdio. O autor-diretor Allen se deu melhor em seu drama anterior, Interiores.”

Uau. O espírito de Pauline Kael parece ter baixado sobre Leonard Maltin. O autor do guia de filmes mais vendido no mundo em geral é bem seco e direto; aqui abusa de palavreado sofisticado – angs, to dawn on you, whining, flamboyant…

Sim, Art Tatum. Peter compra para dar de presente a Stephanie um disco de Art Tatum ao piano e Ben Webster ao saxofone, e há nos diálogos diversas referências a Art Tatum. Como se sabe, Woody Allen é apaixonado por jazz, e tem como hobby tocar com um conjunto de jazz toda segunda-feira.

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Pauline Kael, a primeira-dama da crítica americana, a esnobe, a língua mais ferina do Leste e do Oeste. Tenho até medo de ver o que diz.

Oba! Está na edição brasileira de 1001 Noites no Cinema, da Companhia das Letras, o que me desobriga do trabalho de traduzir o texto da madame – Sérgio Augusto já fez isso.

“Woody Allern escreveu e dirigiu (mas não aparece nela) esta ciranda de amor não correspondido. A angústia generalizada abrange 24 horas no fim do verão, pouco antes de setembro, e o cenário é o interior elegante, em tons de amarelo e bege, da casa em Vermont de Lane (Mia Farrow). Ela é uma ratinha esmagada e suicida, supõe-se que o motivo seja porque aos quatorze anos (spoiler; aqui ela conta o que contei após avisar que era spoiler) … da mãe boazuda. O refinamento flácido do filme lembra uma peça genérica de Chekhov drenada de humor e misturada com Sonata de Outono, de Ingmar Bergman; a única coisa que situa Woody Allen no mundo real é que escreveu um roteiro sobre uma obsessão com o escândalo Johnny Stompanato-Lana Turner. Com Elaine Stritch no papel da mãe forte e dominadora, Dianne Wiest…”

Bela sacada de Dame Kael: sim, sim, Sonata de Outono, o filme de Ingmar Bergman de 1978 sobre o angustiante, angustiante, angustiante encontro entre a mãe pianista de fama e sua filha na faixa dos 40 anos, interpretadas por Ingrid Bergman e Liv Ullmann.

Tem a ver, sim, o encontro de Lane e sua mãe Diane com o encontro de Charlotte-Ingrid Bergman e Eva-Liv Ullmann. E Woody Allen sempre bebeu Bergman de canudinho.

Roger Ebert, o crítico que amava os filmes e amava ver filmes, e – ao contrário de tantos outros críticos – jamais via filmes com impaciência, pressa, saco cheio, deu 3.5 estrelas ao filme. Ebert escreve muito, seus textos são longos – claro que não tanto quanto os meus, mas são bem longos. Reproduzo apenas o início, brilhante, belíssimo:

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“Se você pudesse pegar todas as diferentes combinações de amor conquistado e amor perdido dos muito diferentes períodos de sua vida e juntá-los todos para um fim de semana no campo, o fim de semana poderia se tornar um pouco como September. Alguns dos convidados da sua festa poderiam ser mais velhos ou mais jovens que você, ou mais inteligentes ou mais vulneráveis, ou de sexo diferente. Mas quando você observasse atentamente todas as suas tentativas românticas, você se reconheceria, porque existem, afinal de contas, tantos modos de estar apaixonado pela pessoa errada na hora errada.

“Há seis personagens principais no filme, e cada um deles tem uma necessidade premente de ser amado e cuidado. E todos no filme amam alguém – mas em geral não a pessoa que a ama. Todo o fim de semana se transforma em uma série de pequenos tangos emocionais, em que os personagens se movem incessantemente de aposento para aposento, tentando arranjar um jeito de ficar sozinho com o objeto de seu amor – e longe da pessoa obcecada por ele.”

Ah… Que maravilha de texto, o de Roger Ebert!

Cada vez que leio um texto de Roger Ebert, ou do pessoal reunido pelo mestre Jean Tulard, tenho aquelas sensações mistas – inveja dessas pessoas que têm o texto maravilhoso, e prazer por poder desfrutar da delícia que é ler o que elas escrevem.

Cada vez que vejo ou revejo um filme de Woody Allen fico imaginando que talvez a humanidade não seja, afinal de contas, uma invenção que deu totalmente errado.

Anotação em julho de 2015

Setembro/September

De Woody Allen, EUA, 1987.

Com Mia Farrow (Lane),  Dianne Wiest (Stephanie), Elaine Stritch (Diane), Sam Waterston (Peter), Denholm Elliott (Howard), Jack Warden (Lloyd)

e Ira Wheeler (Mr. Raines), Jane Cecil (Mrs. Raines), Rosemary Murphy (Mrs. Mason)

Argumento e roteiro Woody Allen

Fotografia Carlo Di Palma

Montagem Susan E. Morse

Casting Juliet Taylor

Direção de arte Santo Loquasto

Figurinista Jeffrey Kurland

Maquiagem Fern Buchner

Produção Rollins-Joffe Productions. DVD Fox e MGM.

Cor, 82 min

R, ***1/2

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