3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2006, com complemento em 2008: Se não tivesse qualquer valor por si só, este filme já seria histórico: foi o primeiro em que Spencer Tracy e Katharine Hepburn trabalharam juntos. O filme é de 1942. A partir de então, e até a morte de Tracy, em 1967, os dois viveriam uma história de amor absolutamente fascinante – e deixariam um total de nove filmes em que a dupla consegue a proeza de construir uma química maior que a simples soma de seus imensos talentos individuais. Alguma coisa assim como Lennon e McCartney, Tom e Vinicius, Ira e George Gerswhin, feijão com arroz, goiabada com queijo.
Aqui, ele é Sam, colunista esportivo; só entende de esporte, mais nada, absolutamente nada. É grosso, homem do povo. Ela é Tess, muito rica, muito fina e muito chique, filha de embaixador, poliglota, amiga dos poderosos, respeitada redatora da editoria de internacional. Trabalham na mesma redação – mas não poderia haver casal mais improvável. Claro, é do improvável que se fazem boas comédias, e então eles vão se conhecer, se apaixonar – e, obviamente, enfrentar todo tipo de embaraço e problema.
Katharine Hepburn tinha já uma carreira imensa e respeitável, e tinha já deixado uma marca com seus papéis de mulher forte, independente, inteligente, naquele início dos anos 40, muito antes de o feminismo se impor. E Spencer Tracy já era igualmente um ator de carreira consolidada, um dos maiores nomes do cinema americano. Os filmes que fariam juntos discutiriam, de maneira inteligente, afiada e bem-humorada o embate homem-mulher diante da nova realidade que se impunha, a mulher já deixando o papel de submissa e passando a disputar todos os espaços com os homens.
Tudo isso já está neste primeiro filme aqui, em que um personagem faz, lá pelas tantas, a seguinte afirmação:
– As mulheres deveriam ficar sempre incultas e limpas, como os canários.
Os diálogos espertos, vivos, cortantes definem muito do espírito do filme. Aí vão dois exemplos. O primeiro acontece durante um jogo de beisebol que o casal está vendo com um outro colega do jornal, um repórter. Um lembrete: estamos em 1942; a França se rendeu aos invasores nazistas e é governada de Vichy pelos colaboracionistas liderados pelo Marechal Pétain.
Ela: – Quer dizer que o jornal manda duas pessoas cobrirem o jogo?
O repórter: – Não. Eu cubro o jogo, ele só o menciona de passagem na coluna dele.
Ela: – Mas nós só temos uma pessoa em Vichy.
Sam, o colunista esportivo: – Vichy. Eles estão na Liga?
No outro diálogo, os dois estão em um bar; já tomaram várias e estão bebinhos.
Ele: – Tem uma coisa que eu tenho que tirar do meu peito.
Ela: – Eu sou pesada demais.
Ele (sorrindo): Não. Eu te amo.
Ela: – É mesmo?
Ele: – Positivo.
Ela (suspirando): – Legal. Mesmo quando eu estou sóbria?
Ele: – Mesmo quando você é brilhante.
Um roteiro que tem diálogos como esses merece respeito. Nem sempre dá a lógica, mas naquele ano deu e o filme levou o Oscar de roteiro. Katharine foi indicada, mas não ganhou. (Ao longo da carreira, ela teve 12 indicações, juntando as para os prêmios de melhor atriz e melhor coadjuvante; ganhou quatro, um recorde que permanece até hoje.)
Quinze anos mais tarde, em 1957, Vincente Minnelli faria uma outra comédia que faz lembrar muito este filme aqui: em Teu Nome é Mulher/Designing Woman, Gregory Peck faz o papel de um jornalista esportivo que só entende disso na vida e se envolve (é verdade que sem saber de nada) com uma mulher rica, fina e chique (Lauren Bacall). O casal Peck-Bacall terá tantos problemas de desajuste quanto teve aqui o casal Tracy-Hepburn. A coincidência é que, na vida real, o casal Bogart-Bacall era muito amigo do casal jamais casado Tracy-Hepburn. Juntos, Spencer Tracy e Humphrey Bogart tomaram uma parte considerável da produção da bebida nacional da Escócia.
A Mulher do Dia/Woman of the Year
De George Stevens, EUA, 1942
Com Katharine Hepburn, Spencer Tracy, William Bendix, Reginald Owen
Argumento e roteiro Ring Lardner Jr. e Michael Kanin
Música Franz Waxman
Produção Joseph L. Mankiewicz, para a MGM
P&B, 114 min
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