Uma Noite Fora de Série / Date Night

2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: É impossível não fazer a comparação: Uma Noite Fora de Série é assim uma espécie de nova versão de Depois de Horas/After Hours, a comédia que Martin Scorsese fez em 1985. É escrachada, não se leva a sério, não é para ser levada a sério, é descartável – mas tem momentos muito engraçados. Me diverti, dei muitas gargalhadas.

Em After Hours, um rapaz solitário, tímido, todo certinho, digitador em um grande escritório, interpretado por Griffin Dunne, aceita o convite de uma moça que conhece em uma lanchonete (Rosanna Arquette) para visitá-lo no Soho – e se envolve nas mais bizarras, estranhas, esquisitas situações, ao longo daquela que sem dúvida é a pior noite de sua vida.

A idéia básica deste Uma Noite Fora de Série é exatamente a mesma.

Os protagonistas são um casal de Nova Jersey, um casal normal, comum, que não tem nada de especial, e leva uma vida normal e comum como a da imensa maioria das pessoas. Phil (Steve Carell) é advogado tributário (ou seria um contador? Sei lá – dá quase na mesma), cuida do imposto de renda dos clientes. Claire (Tina Fey) é corretora imobiliária. Trabalham demais, como todo mundo de classe média; têm dois filhos com menos de dez anos de idades, duas pestinhas. Uma vez por semana, tiram uma noite para jantar fora, uma garota da vizinhança cuidando dos moleques – mas às vezes estão tão cansados que nem sabem se é o caso de sair ou não. E acontece também de, na noite de sexo, que parece ser também uma vez por semana, desistirem, de tão cansados.

Vidinha simples de um casal simples de Nova Jersey, essa coisa tão perto de Manhattan, o centro do mundo, e ao mesmo tempo tão longe, tão tida como interiorana, inferior, caipira.

         Um programa diferente – mas não era para ser tão diferente

Até que um belo dia de sair à noite, Phil ousa propor um programa diferente: atravessar o rio, ir a Manhattan, comer num restaurante badalado. Claire capricha no visual, põe um vestido bonito, com suave decote. E lá vão eles.

No restaurante, um tal de Claw (pata, como as de caranguejo – é um restaurante especializado em frutos do mar), obviamente não encontram mesa. A fila de espera é imensa, as reservas são feitas com grande antecedência, e eles, claro, não fizeram reserva. Mas Phil estava danado, ousado, criativo: queria garantir uma noite diferente, e, quando a funcionária passa pelo bar onde se aglomera uma multidão chamando pelos Tripplehorns, mesa para dois, e chama umas três vezes e ninguém se apresenta, Phil diz que são eles.

Pronto: têm uma mesa.

Estão ali, no vinhozinho, se divertindo, casalzinho da periferia em boa mesa em restaurante badalado de Manhattan na sexta à noite, quando dois sujeitos chegam para os interrogar. O casal, claro, pensa que são funcionários do restaurante que descobriram que eles cometeram o grande crime de se apropriar da mesa alheia. Não; os dois caras, que os convidam para conversar lá fora, surgem com armas, querem que os Tripplehorns entreguem de uma vez o pen drive que roubaram de Joe Miletto – quem eles pensam que são, que podem roubar algo que pertence a Joe Miletto e escapar numa boa?

E tem início uma longa noite de loucuras, que vai envolver um chefão mafioso, polícia, policiais corruptos a serviço do mafioso, um casal de pequenos fora-da-leis muito doidão, um promotor famoso, perseguições, correrias, mergulho no East River, uma ida a um inferninho de sacanagem solta – o escambau. After Hours, versão 2010. Algumas situações meio bestas, algumas situações de fato hilariantes.

         Steve Carell e Tina Fey se divertem – e divertem o espectador

 Steve Carell é um dos grandes nomes da comédia americana hoje, com aquela cara de pessoa normal, um tanto sonso. Ator tanto de cinema quanto de TV, está à vontade, nadando de braçada em ambiente e clima que domina bem. Exatamente como Tina Fey.

 Tina Fey não é nome conhecido por quem só vê filmes. Sua área de excelência é a TV. Além de atriz de grande sucesso, é roteirista absolutamente bem sucedida; foi uma das criadoras da série 30 Rock, iniciada em 2006, vencedora – antes da premiação do Emmy 2010, que aconteceria no dia seguinte ao sábado em que vimos este Noite Fora de Série – de 6 Globos de Ouro, outros 43 prêmios e mais 102 indicações.

 A própria Tina Fey escreveu o roteiro de 81 episódios da série; coleciona dois Globos de Ouro, 23 outros prêmios e mais 30 indicações.

 Os dois se divertem fazendo esta comédia escrachada – e divertem bem o espectador.

Uma das características do filme é que volta e meia surge na tela um ator cujo nome não apareceu nos créditos iniciais. Logo no início do filme há uma participação especial de Mark Ruffalo, no papel de um amigo do casal Phil e Tina, que está para se separar da mulher. Depois topamos com um Ray Liotta no papel do chefão mafioso – uma piada interna, uma auto-gozação, já que o ator interpretou diversos papéis semelhantes. James Franco é o cara do casal que se fazia passar por Tripplehorn, os aprendizes de delinqüentes impagáveis.

         Um monte de referências a gente do show business

Outra característica é a constante referência a nomes, pessoas, situações envolvendo atores e nomes do cinema, da televisão, do show business em geral. O rapper Will.I.Am aparece no papel dele mesmo, sentado a uma das disputadas mesas do restaurante Claw. O aprendiz de delinqüente interpretado por James Franco confessa que escolheu o nome falso Tripplehorn por ser fã da atriz Jeanne Tripplehorn. O especialista em segurança e espionagem interpretado por Mark Wahlberg maneja uma imensa quantidade de computadores e gadgets que são uma citação de Minority Report, de Spielberg – e o próprio personagem do especialista, sempre sem camisa, mostrando os músculos, e com uma gatinha safada esperando que ele volte para a cama, é uma gozação do papel que ele interpreta em Boogie Nights. E por aí vai.

Depois que fiz esta anotação, li a matéria de Luiz Carlos Merten sobre o filme no Estadão. Em entrevista a Merten, o diretor Shawn Levy contou: “Tenho tido sorte na carreira. Fiz dois grandes sucessos de bilheteria, Uma Noite no Museu, 1 e 2, que já se passavam no espaço de uma noite. Gosto de trabalhar com períodos determinados de tempo, durante os quais os personagens passam por mudanças radiciais. No caso de Uma Noite Fora de Série, o modelo foi um filme de Scorsese dos anos 80. Era jovem quando assisti a Depois de Horas e fiquei marcado pela dramaturgia do filme. A sucessão ininterrupta de eventos que começa a soterrar o personagem de Griffin Dunne. Foi o meu modelo para a espiral que envolve Steve e Tina.”

Bem, então é isso. Uma comedinha absolutamente descartável – mas com momentos hilariantes. Uma boa diversão.

Uma Noite Fora de Série/Date Night

De Shawn Levy, EUA, 2010

Com Steve Carell (Phil Foster), Tina Fey (Claire Foster), Mark Wahlberg (Holbrooke), Taraji P. Henson (detetive Arroyo), Jimmi Simpson (Armstrong), James Franco (Taste), Mark Ruffalo (Brad Sullivan), Ray Liotta (Joe Miletto)

Argumento e roteiro Josh Klausner

Fotografia Dean Semler

Música Christophe Beck

Montagem Dean Zimmerman

Produção 21 Laps, Dune Entertainment. DVD Fox. Estreou em São Paulo 9/4/2010

Cor, 88 min

**1/2

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