
(Disponível no Dwan & Walsh Filmes do YouTube em 4/2025.)
Em 1955, dez anos após os Estados Unidos lançarem as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, e três anos após o fim da ocupação militar do país pelos Aliados vencedores da guerra, sobretudo pelas Forças Armadas norte-americanas, o incensadíssimo Samuel Fuller lançou Casa de Bambu, filmado de fato lá mesmo, no Japão.
Este fato, filmar nas locações reais, sem reproduzir tudo em estúdio, era algo bastante raro, inesperado, no cinemão de Hollywood até então. Ainda mais, sobretudo, por ser exatamente o Japão, aquele país do outro lado do mundo, aquele inimigo que havia atacado de surpresa os até então neutros Estados Unidos, na base de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, forçando o país a finalmente entrar na Segunda Guerra Mundial.
O próprio filme realça, enfatiza o feito, com evidente orgulho, e o exibe para o espectador como um selo de qualidade: “Este filme foi rodado em Tóquio, Yokohama e no interior do Japão”, diz uma voz em off na primeira tomada, logo após o logotipo da 20thCentury Fox e o letreiro informando que este é um “CinemaScope Picture”. A voz não é de um dos personagens que vão aparecer na trama, mas de um narrador externo, como se fosse assim um locutor de cinejornal – a empostação é exatamente a dos antigos locutores.
Os críticos devem ter adorado apaixonadamente este House of Bamboo, porque os críticos adoravam apaixonadamente tudo o que Samuel Fuller assinava – e mais adiante vou transcrever algumas das babações.
Na minha opinião – eu, que não sou crítico de cinema, e sim apenas um assistidor de filmes –, uma das maiores qualidades de Casa de Bambu é sem dúvida o fato de ele ter sido rodado no Japão, com muitas, muitas, muitas tomadas gerais tanto do interior do país – em especial nas primeiras sequências – quanto nas ruas de Tóquio, já à época uma megalópole de vários milhões de habitantes. E são tomadas gerais em Color by DeLuxe e no maravilhoso CinemaScope, que, naquele ano de 1955, era uma grande novidade. São magníficas qualidades a fotografia – assinada por Joseph MacDonald, três indicações a Oscar – e o fato de o roteiro de Harry Kleiner ter aberto espaço para tantas tomadas gerais.
Outra fantástica qualidade é o filme mostrar à exaustão que, em 1954, quando se passa a ação – dois anos depois da ratificação do tratado de paz que pôs fim à ocupação do Japão pelas tropas dos Aliados –, a presença de soldados norte-americanos ainda era forte, massiva, impressionante. E não apenas de soldados, mas também de bandidos norte-americanos.
É um filme policial. A trama gira em torno de uma grande gangue formada por norte-americanos, homens que haviam servido nas Forças Armadas e, depois de darem baixa, passaram para o outro lado da lei, chefiados por um bandido esperto, experiente, firme, interpretado por Robert Ryan. Ele demora um tanto a aparecer na tela, mas é um dos dois personagens centrais da história.
Não acho que este Bamboo House seja um grande filme, de maneira alguma. Mas tem qualidades, como já foi dito, e é um belo documento histórico.

Na abertura, um bando assalta um trem
Enquanto a voz em off empostada dá aquelas primeiras informações para o espectador, vemos uma tomada geral de um terreno coberto de neve, o Monte Fuji bem lá atrás, junto do horizonte, e, na metade da grande tela retangular, um trem passando.
– “Este filme foi rodado em Tóquio, Yokohama e no interior do Japão. O ano é 1954.”
Corta, uma nova tomada geral mostra o trem agora mais próximo. O narrador prossegue: – “Este é um trem de provisões militares que se dirige de Kyoto para Tóquio. É protegido pelo pessoal militar americano e pelas forças de segurança japonesas.”
Corta, e vemos dois homens armados, sentados lado a lado sobre a carga de um vagão do trem, um americano e um japonês. Corta, e vemos o trem passando sobre uma ponte; perto dela, vários trabalhadores rurais usam pás na terra coberta de neve. Há vacas sobre os trilhos; o trem apita, diminui a velocidade, pára.
É uma armadilha, obviamente.
O maquinista desce para falar com um homem que está junto dos animais. O homem o asfixia com uma corrente. Surgem outros homens de vários lugares ao mesmo tempo. O japonês que fazia a segurança do trem é dominado por um dos bandidos, com uma corrente no pescoço, como o maquinista. O americano é baleado diversas vezes. Um pequeno caminhão chega; os bandidos descarregam vários caixotes do trem e os colocam no caminhão.
Toda a ação é rapidíssima. Ainda não chegamos a 3 minutos dos 102 que dura o filme e o caminhão, levando os bandidos, já se distancia da linha ferroviária.
Uma camponesa se aproxima do local em que está o corpo do militar americano. Close-up do rosto da mulher enquanto ela dá um grito de pavor – e começam a rolar os créditos iniciais com quatro nomes de atores ao memo tempo. “Robert Ryan, Robert Stack, Shirley Yamaguchi, Cameron Mitchell in…
HOUSE OF BAMBOO”.

Um homem é baleado em assalto pelos próprios colegas
A voz em off do narrador volta depois dos créditos iniciais. “A investigação estava a cargo da polícia japonesa. Mas, como um soldado americano morreu durante o assalto, a Divisão de Investigação Criminal do Exército dos Estados Unidos foi chamada para cooperar.”
Uma sequência mostra diversos policiais examinando o local em que o trem foi parado e assaltado. Técnicos examinam, fotografam tudo. Chega um oficial americano, o capitão Hanson (Brad Dexter). Vemos que ele conhece bem o policial japonês encarregado do caso, o inspetor Kito (o papel de Sessue Hayakawa); fica claro que os dois têm bom relacionamento, já haviam trabalhado juntos em outros casos.
O inspetor Kito relata ao capitão que várias das pessoas atacadas têm marcas de correntes no pescoço, e que o único morto foi o soldado americano.
Cinco semanas depois do assalto ao trem, o capitão Hanson é informado por um subordinado que havia surgido uma pista. Um americano chamado Webber (o papel de Biff Elliot) havia sido ferido durante o roubo em uma fábrica. – “Em vez de ajudá-lo, um homem de sua gangue atirou três vezes nele e o deixou como morto”, informa o subordinado.
– “Qual é a conexão com o assalto ao trem?”, pergunta o capitão Hanson.
Simples e direto: os exames de balística mostraram que as balas retiradas no hospital do corpo de Webber haviam sido disparadas pela mesma arma que havia matado o americano no trem, uma P38, seja lá o que isso signifique.
Temos então uma sequência na sala de hospital em que Webber está sendo operado. Os médicos trabalham, os militares americanos também, fazendo perguntas ao sujeito.
Perguntam quem é Eddie Spanier, e o ferido responde que esse aí não tem nada a ver com nada: – “Estivemos juntos na guerra”, ele explica. Um dos interrogadores diz que, segundo esse Eddie Spanier afirma numa carta endereçada a Webber, ele. Spanier, quer se juntar ao amigo assim que sair da prisão nos Estados Unidos.
Webber é duro na queda. Não diz nada.
Apresentam a ele sua carteira, em que há a foto de uma bela japonesa.
Há ali um detalhinho que demonstra talento. Vemos a foto em close-up, mas desfocada – como um homem baleado três vezes seguramente a enxergaria. Diante da foto, porém, a visão de Webber fica clara, e então vemos a mesma foto em close-up, mas agora bem focada.
Webber então confessa: aquela é Mariko, sua esposa. Haviam se casado fazia dois meses – e ninguém, absolutamente ninguém sabia disso. O casal havia mantido a união em segredo. Webber garante de pé junto que ela não sabe de nada – e o espectador vê que ele está protegendo a mulher, sim, mas ao mesmo tempo está dizendo a verdade.

Chega dos EUA um sujeito que age como um bandidão
Ao final da sequência do interrogatório de Webber numa sala de cirurgia, estamos com 9 minutos de filme. A sequência seguinte mostra a chegada de um grande navio a um porto, e voltamos a ouvir a voz empostada do narrador: – “Cerca de três semanas depois, um cargueiro de San Francisco atracou no porto de Yokohama. Entre outros, levava um passageiro identificado como Eddie Spanier.”
O sujeito identificado como Eddie Spanier vem na pele de um muito mal-encarado, mas muito mal-encarado Robert Stack (na foto acima). Com o detalhinho – adoro detalhes, acho que eles demonstram claramente se um filme é bom ou ruim – de que ele desembarca carregando apenas sua cara brava, de poucos amigos. Não carrega sequer uma maletinha com uma cueca e uma camisa limpas.
Dinheiro, no entanto, ele carrega, porque pega um táxi e manda tocar para um determinado teatro em Tóquio. “Sua primeira parada foi no Teatro Koksai”, narra o narrador de voz sempre empostada.
É a oportunidade para a produção da 20th Century Fox, em Color by DeLuxe e CinemaScope, exibir às audiências um ensaio de um grande grupo de dança japonesa, com aquelas roupas tradicionais, lindos quimonos coloridos, grandes perucas e coisa e tal.
O mal-encarado Eddie Spanier chega falando alto: – “Alguém aí fala um pouco de inglês?”
Uma japonesa se apresenta para falar com o gringo mal-encarado. O gringo quer saber onde está Mariko. A japa diz que Mariko não trabalha mais ali.
Não fica claro como é que aquele gringo recém-chegado poderia localizar uma mulher naquela gigantesca metrópole, mas o fato é que o mal-encarado Eddie Spanier consegue chegar a uma casa de banhos onde está Mariko (o papel da bela Shirley Yamaguchi). Ela percebe que o gringo está atrás dela, e foge. O gringo vai atrás – e acaba finalmente a alcançando na casa de seu tio, onde ela está vivendo.
Ao se identificar como Eddie Spanier, ele passa a merecer toda a atenção de Mariko. A moça sabia que esse era um grande amigo de seu marido Webber, que estava mesmo para chegar a Tóquio.
Depois de ficar conhecendo Mariko, Eddie Spanier sai por Tóquio atacando comerciantes, dizendo que eles precisam pagar para ele para ter proteção.
Depois de atacar uns dois ou três, ele leva umas porradas de Sandy Dawson, o chefe de uma organizada gangue criminosa – o papel de um Richard Ryan sempre vestido de terno bem cortado, elegante.
Depois de obter de um informante a folha corrida de Eddie Spanier – assalto, ataque assim, ataque assado, baixa do Exército por má conduta, condenação a tantos anos, liberação depois de cumprir parte da pena –. Sandy Dawson oferece a ele um lugar em sua máfia. Dá para ele uma boa grana, ordena que ele compre um bom terno, gravata, camisa, vá ao barbeiro, e reapareça como uma pessoa distinta, apresentável.

Muitas sinopses revelam uma grande reviravolta do filme
Isso aí acontece quando o filme está aí com uns 23 minutos. Muita, muita coisa ainda vai rolar, é claro, na trama criada pelo roteirista Harry Kleiner.
Quando o filme está com 35 minutos, há uma grande surpresa, uma baita reviravolta.
Há aí algo que considero muito estranho, incompreensível mesmo. Algumas sinopses de House of Bamboo revelam de cara isso que os realizadores guardam para quando o filme já passou de meia hora, e surge como uma coisa absolutamente inesperada. Ora, diacho, isso é spoiler, spoiler absoluto, ridículo, inaceitável.
A sinopse no IMDb tem uma única frase, de duas linhas – e revela o que é feito para surpreender o espectador quando ele chega ao final da primeira terça parte da narrativa!
É óbvio que não vou apresentar aqui o spoiler.
O que posso dizer, sem estragar nada, é que, nos 10, talvez 15 minutos finais, o roteirista Harry Kleiner e o diretor Samuel Fuller tentam fazer um grande tour-de-force, uma longa sequência de grande clímax – uma perseguição de dezenas de policiais a um bandido bem no meio de um parque de diversões lotado de gente, muitas crianças, mães.
Não que a idéia seja nova – muito ao contrário. Mas é muito boa, e por isso já foi usada diversas vezes. Basta lembrar da sequência no parque de diversões de Pacto Sinistro/Strangers on a Train, que Alfred Hitchcock lançou em 1951, quatro anos apenas antes deste filme aqui.
Eu, particularmente, não achei a sequência climática criada por Samuel Fuller sensacional, excelente, antológica – mas seguramente muita gente adorou. Os críticos, repito, adoram Samuel Fuller.

Shirley Yamaguchi atuou na China, no Japão e nos EUA
Algumas informações objetivas.
* O ator que faz o inspetor Kito, da polícia de Tóquio, Sessue Hayakawa (1886-1973) seria indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante poucos anos depois deste House of Bamboo, por seu desempenho como o coronel Saito, o comandante do campo de prisioneiros encarregado de construir A Ponte do Rio Kwai, no clássico do mestre David Lean.
Ele estreou em curtas metragens ainda em 1914, e foi um ator famoso e respeitado durante a época do cinema mudo do Japão. Sua filmografia tem 109 títulos, entre eles vários filmes feitos em Hollywood, como A Flor Que Não Morreu/Green Mansions (1959) e Do Inferno para a Eternidade/Hell to Eternity (1960). O ator estava de volta ao Japão natal quando fez seu último filme, em 1967.
* O nome original de Shirley Yamaguchi, a bela atriz que faz o papel de Mariko, é Yoshiko Yamaguchi. Filha de pais japoneses, ela nasceu numa região de mineração da China, em 1920, e trabalhou como cantora e atriz na China continental, em Hong Kong, no Japão e nos Estados Unidos. Nos States, ganhou o apelido de Judy Garland do Japão, vá lá saber por quê.
Que figura! Fez seu último filme em 1958, e passou a se dedicar ao jornalismo, com o nome de Yoshiko Otaka. Deve ter tido uma carreira brilhante na nova profissão – e, em 1974, foi eleita membro do Parlamento do Japão, onde permaneceu por 18 anos. E, depois de deixar a política, foi vice-presidente do Fundo Asiático de Mulheres! Morreu em 2014, aos 94 anos de idade.
* Mais acima, foi dito que os nomes dos principais atores do filme aparecem juntos, de uma vez só, nos créditos iniciais. Além de Robert Ryan, Robert Stack e Shirley Yamaguchi, estava lá o de Cameron Mitchell – e ele não foi citado ao longo do texto. O papel dele não é tão importante quanto o dos outros três. Mitchell faz Griff, o bandido que era o braço direito de Sandy Dawson, o personagem interpretado por Robert Ryan – e que morre de ciúmes do recém-chegado Eddie Spanier-Robert Stack.
* Foi só quando cheguei neste ponto deste texto que vi que House of Bamboo é uma adaptação de uma história que já havia sido filmada sete anos antes, em 1948, com o título de The Street With No Name, no Brasil A Rua Sem Nome. A história era de autoria de Harry Kleiner (1916-2007). O diretor era William Keighley, e os atores principais, Mark Stevens, Richard Widmark e Lloyd Nolan, e toda a história se passava numa cidade norte-americana mesmo.
Autor da história, dono da idéia, o roteirista Harry Kleiner trabalhou junto com Samuel Fuller para adaptar a trama e transferir o local da ação para o Japão do pós-guerra.

Jean Tulard viu traços shakespeareanos no filme
O verbete sobre House of Bamboo no livro The Films of 20th Century Fox entrega na primeira frase aquela surpresa que só aparece quando o filme já está com 35 minutos. Descreve o líder da gangue, o personagem de Robert Ryan, como um sujeito astuto, brilhante, cujas habilidades desafiam os melhores esforços da polícia, e conclui: “House of Bamboo é um policial topo de linha em qualquer quesito, mas o excelente uso das locações japonesas dá a ele um fascínio adicional”.
Em seu Guide des Films, o próprio Jean Tulard escreveu o verbete sobre Maison de Bambou – e viu nele coisas que eu não enxerguei.
“Um tecido com um fundo insólito – o Japão – para um thriller com sotaque shakespeareano. Uma extraordinária ambiguidade: Sandy, comovente homossexual é afinal mais simpático do que (aquele) que trai sua confiança.”
Sandy, o bandido cruel, impiedoso… comovente? Simpático? E homossexual? Não vi sequer um traço de simpatia ou de homossexualidade no personagem de Robert Ryan – nem Mary viu. Traços shakespeareanos?
Bem, quando eu digo que os críticos babam por Samuel Fuller…
Já Leonard Maltin não babou tanto. Deu 2,5 estrelas em 4 e escreveu: “Pitoresca mas talvez não muito crível história de oficiais do Exército e policiais japoneses atrás de uma gangue de ex-soldados trabalhando para um sindicato do crime bem organizado. CinemaScope.”
Anotação em abril de 2025
Casa de Bambu/House of Bamboo
De Samuel Fuller, EUA, 1955.
Com Robert Ryan (Sandy Dawson).
Robert Stack (Eddie Spanier/Kenner),
Shirley Yamaguchi (Mariko),
Cameron Mitchell (Griff). Brad Dexter (capitão Hanson), Sessue Hayakawa (inspetor Kito), Biff Elliot (Webber), Sandro Giglio (Ceram), Harry Carey Jr. (John), Peter Gray (Willy), Robert Quarry (Phil), DeForest Kelley (Charlie), John Doucette (Skipper), Teru Shimada (Nagaya), Robert Hosai (médico), Jack Maeshiro (barman), May Takasugi (atendente na casa de banhos), Robert Okazaki (Mr. Hommaru), Samuel Fuller (policial)
Argumento e roteiro Harry Kleiner
Diálogos adicionais Samuel Fuller
Fotografia Joseph MacDonald
Trilha sonora Leigh Harline
Direção musical Lionel Newman
Montagem James B. Clark
Direção de arte Lyle Wheeler, Addison Hehr
Figurinos Charles LeMaire
Produção Buddy Adler, 20th Century Fox.
Cor, 102 min
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Não são apenas os críticos que adoram tudo do Samuel Fuller… Olha eu aqui!
Sérgio, olá! Poderia fazer a resenha de um filme da Shirley Temple. Adoro The Little Princess. Está no YouTube. Também adoro Heidi e tb está no yt. Apenas uma sugestão pq eu adoro a. Abraço