3.0 out of 5.0 stars
(Disponível no Oldflix em 3/2024.)
Em 1971, o diretor inglês nascido na China Terence Young tirou férias de Bond, James Bond e transformou paisagens da Espanha no Velho Oeste norte-americano.
Juntou em um bangue-bangue um ícone do cinema japonês, Toshiro Mifune, um do francês, Alain Delon, a beleza ofuscante da suíça Ursula Andress e da francesa Capucine, esta em uma rápida aparição, e a feiura de Charles Bronson – pouco antes de o sujeito ter Desejo de Matar em um quinteto de filmes com esse título e pouco depois de tocar gaita como o bandidão Harmonica no sinfônico spaghetti western do mestre Sergio Leone Era Uma Vez no Oeste (1968).
O resultado da empreitada, Sol Vermelho, uma co-produção França-Itália-Espanha, é hoje bem pouco conhecido, acho eu. Não é um grande filme – mas é uma mixórdia fascinante de se ver. Não pegou – mas poderia ter sido o início de um novo subgênero, o sushi western.
Leonard Maltin resume a trama assim: “Oriente encontra Ocidente nesta estranha história de um guerreiro samurai perseguindo uma valiosa espada japonesa roubada de um trem que cruzava o Oeste americano.”
Maravilha de síntese da base da trama, embora haja muito mais que isso. Aí então o autor dos guias de filmes mais vendidos do mundo na época em que se vendiam guias de filme faz o seu julgamento: “Elementos intrigantes, refrescantemente irônico, mas negou fogo.” Tascou apenas 2 estrelas em 4 para o filme.
É: há indicações de que Red Sun, na verdade Soleil Rouge, é um filme que não fez sucesso, não deixou marcas. Peguei essa avaliação de Leonard Maltin no CD-ROM Cinemania, uma coisa preciosíssima, a mais abrangente enciclopédia sobre filmes antes da chegada do IMDb, que reúne as avaliações feitas por Maltin, Pauline Kael e Roger Ebert. Dame Kael e Ebert não perderam tempo com o filme. E sequer ficha técnica o Cinemania traz, algo bem raro.
O filme foi lançado em DVD no Brasil por uma empresa pequena, Microservice; comprei milênios atrás, e só agora resolvi ver. Chequei no JustWatch: ele está disponível no Oldfilx.
Leonard Maltin está certíssimo quando diz que o filme tem elementos intrigantes, e é uma brincadeira contada jeito refrescante.
Charles Bronson, creio eu, nunca fez um personagem tão bem-humorado.
É uma fantasia louca, mas parte de dados históricos
A idéia estranha, esquisita, nada usual de enfiar um samurai interpretado por Toshiro Mifune no Velho Oeste, sempre vestido num cuidadosíssimo quimono, nasceu na cabeça de Laird Koenig, (1927-2023), roteirista norte-americano que deixou seu nome em 16 títulos, entre eles A Menina do Outro Lado da Rua (1976), um filme de terror com uma Jodie Foster de 14 anos de idade, e A Herdeira/Bloodline (1979), também de Terence Young, um policial com Audrey Hepburn. O roteirista Laird Koenig, no entanto, só bolou a história. O roteiro foi feito a seis mãos por Denne Bart Petitclerc & William Roberts & Lawrence Roman, três nomes que não me dizem nada.
Diz muito o nome do autor da trilha sonora: ela é de autoria do mestre Maurice Jarre (1924-2009), o cara que compôs as trilhas de, para citar só uns poucos grandes filmes, Lawrence da Arábia (1962), Doutor Jivago (1965), O Colecionador (1965), Os Deuses Malditos (1969), A Filha de Ryan (1970), Passagem Para a Índia (1984), A Testemunha (1985), nove indicações ao Oscar, três estatuetas levadas para casa.
Diacho: um filme que tem trilha de Maurice Jarre, a direção de Terence Young e esse elenco estreladíssimo é uma produção classe A, caprichada, cara.
O filme abre com um letreiro com informações para situar o leitor no contexto histórico – um recurso em geral usado em dramas sérios sobre fatos reais ou que usam elementos da História como base da narrativa. Tudo o que essa fantasia maluca não é, de jeito algum, é um drama sério, mas creio que faz sentido o letreiro que os realizadores botaram lá no início. É uma forma de dizer: olha aqui, ô espectador, tinha japonês, sim, andando de trem no Velho Oeste, tá? A história é doidona, mas, diacho, partimos de um dado da realidade…
Eis o texto:
“Em 1860, o Japão já havia aberto suas portas para o resto do mundo, e o primeiro embaixador em Washington tinha acabado de chegar após uma longa e perigosa viagem pelo mar. Dez anos depois, apesar da nova ferrovia de San Francisco, o embaixador Sakaguchi, Senhor de Bizen, iria descobrir que além dos perigos da viagem pelo mar, ainda havia mais perigos a serem enfrentados em terra, em seu caminho através do Oeste.”
Dados da realidade. Sim: os japoneses nomeados embaixadores nos Estados Unidos de fato tinham que atravessar o Oceano Pacífico e, depois, do porto de San Francisco até Washington, do outro lado do país de tamanho continental, tinham que atravessar o nada pacífico Oeste norte-americano, o Far West, aquele lugar que tinha mais bandidos do que o Rio de Janeiro tem hoje em dia – e mais os índios, que, nos faroestes, não faziam outra coisa na vida a não ser atacar os brancos.
Em Sol Vermelho, os peles-idem vão atacar, é claro.
Delon trai Bronson e passa a ser perseguido por ele e Mifune
O trem em que viaja da Costa Oeste até quase a Costa Leste o novo embaixador do Japão em Washington vai com um bom número de soldados para fazer a segurança. Mas nem todos os soldados da Cavalaria da União são páreo para a quadrilha de Link Stuart (o papel de um Charles Bronson com vasta cabeleira à la Buffalo Bill) e Gauche, o almofadinha jogador de cartas de Nova Orleans que usa a mão esquerda para tudo, daí o apelido (o papel de um Alain Delon de 36 anos, entre Os Sicilianos, 1969, e O Assassinato de Trótsky (1972).
Os bandidos conseguem se livrar dos soldados. E roubam tudo de valor que os passageiros carregavam, mais a fortuna imensa do cofre-forte – dinheiro pertencente a bancos –, mais a espada cravejada de pedras preciosas que o embaixador (o papel de Tetsu Nakamura) levava como presente do imperador para o presidente dos Estados Unidos. Para botar a mão na espada bilionária, Gauche mata um dos dois samurais (o papel de Hiroshi Tanaka) que acompanhavam o embaixador.
Tudo roubado, Gauche dá um jeito de explodir o vagão do trem em que estava o seu até então parceiro Link – e casca fora levando todo o butim.
O embaixador, seus auxiliares e o samurai sobrevivente, Kuroda Jubei cuidam do desmaiado bandido Link. E, quando ele acorda, o informam de que Kuroda Jubei vai acompanhá-lo até que encontrem Gauche e recuperem a espada roubada.
Link, é claro, protesta, tenta escapar como pode daquela missão. O samurai jura que vai matar o ladrão no momento em que o vir, e Link quer que o ex-parceiro conte onde escondeu todo o produto do assalto ao trem. São missões diferentes, uma exclui a outra – e Link não quer de forma alguma andar por aí junto com aquele japa que usa vestido.
Mas não tem outro jeito.
O samurai Kuroda Jubei, claro, é o papel de Toshiro Mifune, o sujeito que seguramente foi o ator japonês mais conhecido no Ocidente, a cara do cinema japonês durante décadas– da mesma maneira com que Ricardo Darín é a cara do cinema argentino ou Jorge Perugorría é a cara do cinema cubano das últimas décadas do século XX e das primeiras do XXI.
Quando foi para a Espanha filmar esse bangue-bangue exótico, Toshiro Mifune já havia brilhado em filmaços como O Anjo Embriagado (1948), Cão Danado (1949), Rashomon (1950), Os Sete Samurais (1956), Trono Manchado de Sangue (1957), Yojimbo, o Guarda-Costas (1961). E sempre me pareceu interessante que Toshiro Mifune esteve para o grande mestre Akira Kurosawa o que John Wayne foi para aquele outro grande mestre, John Ford.
Um bandidaço imoral e um guerreiro leal, honesto
Bem… O que temos, então, a partir aí de uns 15 minutos de filme, é que saem pela imensidão sem fim do Velho Oeste, à cata do sujeito que roubou uma imensa fortuna e mais uma espada preciosíssima, um bandido safado e safo, sem qualquer princípio moral, e um samurai orgulhoso de sua missão na vida de servir a seus senhores com lealdade, honestidade, retidão de caráter.
A caçada a Gauche por essas duas figuras antagônicas, antípodas, ocupa a maior parte dos 112 minutos do filme. E a relação do bandido com o samurai tem um monte de coisas absolutamente interessantes, fascinantes.
Link não quer, de jeito algum, ficar na companhia daquele japa vestido de saia e armado de uma grande espada, sem revólver ou espingarda. Tenta fugir dele – mas não consegue. Tenta brigar com ele – e leva uma surra. De alguma maneira, com o tempo os dois, é claro, acabam respeitando um ao outro.
Um norte-americano e um japonês, quase o tempo todo em guerra. Impossível não lembrar que, apenas 26 anos antes do lançamento do filme, seus dois países estavam em guerra, em batalhas cruéis no Oceano Pacífico e em diversos países banhados por ele. Uma guerra que começou com um ataque de absoluta surpresa das forças japonesas a uma base militar norte-americana, Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, e terminou com o lançamento de duas bombas atômicas americanas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945,
Impossível não lembrar também de Inferno no Pacífico, produção dos EUA de 1968 dirigida por outro inglês, John Boorman, em que, durante a Segunda Guerra Mundial, um piloto norte-americano e um capitão da Marinha japonesa são as únicas pessoas que acontecem de ir parar numa ilha desabitada no meio do Pacífico – e, embora figadalmente se odiando, são forçados a se unir para enfrentar os perigos da natureza selvagem. O piloto era interpretado por Lee Marvin. O capitão – é claro, é óbvio – por Toshiro Mifune.
Diálogos gostosos com as damas feitas por Ursula e Capucine
Certo, mas… e Ursula Andress? E Capucine?
De um modo geral, e de forma bem simplificada, as mulheres, nos westerns, ou são santas ou são pecadoras. De um lado, as mães de família, trabalhadoras, firmes, competentes, leais – ou, se solteiras, professorinhas do Primário, jovens religiosas, prendadas. Do outro, dançarinas de saloons, putas.
Ursula Andress interpreta Cristina, uma puta da cidade de San Lucas, apaixonada por Gauche, o bandido francês interpretado por Alain Delon. Ali pela metade do filme, o bandidão Link diz para o samurai Kuroda que eles devem ir para San Lucas, porque ou Gauche está lá, ou vai chegar, para ver Cristina.
O filme é todo cheio de diálogos espertos, irônicos, gozativos. Uma hora lá, Link diz para a linda Cristina, com aquela voz inconfundível de Charles Bronson: – “Cristina, você é uma puta. Sempre foi. Sempre será.” E a bela: – “Você sempre soube como falar com uma mulher”.
Em outra ocasião, Link pergunta a Cristina sobre Gauche:
Link: – “Muito mais jovem que eu. Mais bonito. Muitíssimo mais rico. Não consigo imaginar o que você vê nele. Quando você espera que ele venha aqui?”
Cristina: – “Quando ele vier”.
Link: – “E quando é isso?”
Cristina: – “Quando ele estiver a fim”.
Link: – “Ah, isso não deve demorar muito, não é?”
Cristina: – “Se você quiser saber, já faz dez dias. Bastante tempo para um homem”.
Assim como Cristina, a Pepita interpretada por Capucine é uma profissional. Ela e Link passam uma noite juntos. De manhã, o bandido ouve um barulho e instintivamente pega o revólver que estava ao lado da cama.
Pepita: – “Você sempre atira na sua companheira de cama de manhã?”
Link: – “Bem, depende do quanto ela foi boa.”
Pepita: – “E eu?”
Link: – “Vou deixar você viver”.
Pepita: – “Obrigada!”
O diretor realizou três dos primeiros filmes de 007
Terence Young (1915-1994) foi o diretor dos dois primeiros filmes da franquia 007 – os primeiros e, na opinião de muita gente, dos melhores de toda a série que parece infinita. E, depois de O Satânico Dr. No/Dr. No (1962), aquele em Ursula Andress sai do mar com um biquíni que ficou histórico, e Moscou Contra 007/From Russia With Love (1963), ele fez também 007 Contra a Chantagem Atômica/Thunderball (1965), o quarto da série. (O terceiro foi 007 contra Goldfinger, de 1964, dirigido por Guy Hamilton.)
Três filmes de 007 com Sean Connery – e três filmes com Charles Bronson. Antes deste Sol Vermelho, Terence Young havia dirigido o ator feioso em Visitantes na Noite (1970), e depois viria O Segredo da Cosa Nostra (1972).
Aqui vão algumas informações sobre Sol Vermelho tiradas da página de Trivia do IMDb. Aliás, há uns 30 itens na página – o que, de uma certa maneira, desmente aquelas minhas afirmações anteriores de que o filme não fez sucesso, não deixou marcas.
* Há uma coincidência interessante envolvendo os dois atores principais. Toshiro Mifune foi o principal ator de Os Sete Samurais (1954), o grande clássico de Akira Kurosawa que Hollywood iria adaptar como um western em 1960, Sete Homens e Um Destino, de John Sturges. Nesse filme, Charles Bronson foi um dos sete pistoleiros contratados por mexicanos de uma pequena cidade para enfrentar os bandidos que não se cansavam de saquear a aldeia.
* Tetsu Nakamura, o veterano ator que interpreta o embaixador que está no trem assaltado pelo bando de Link e Gauche, tinha um perfeito domínio da língua inglesa. Consta que ele ajudou Toshiro Mifune nas suas falas em inglês no filme.
O grande ator podia não dominar o Inglês, mas era um sujeito bem-humorado e um exímio cozinheiro. Ele divertiu os colegas de elenco e o pessoal das equipes técnicas com pratos de carnes, diversos vegetais, algas marinhas. E quis aprender receitas de comidas francesas e italianas.
* Famoso por seus papéis de bandidos, pistoleiros, homens violentos, Charles Bronson era tido como um homem muito ligado à família. Não se desgrudava da mulher, a bela atriz inglesa Jill Ireland, com quem foi casado de 1968 até a morte dela, em 1990, de câncer. Jill Ireland o acompanhou durante todas as filmagens na Espanha, com cinco filhos – um dos dois e os outros de casamentos anteriores.
* Um dos capangas mortos pelo samurai Kuroda foi interpretado por um jovem iniciante de 21 anos, cujo nome não chega a aparecer nos créditos. Era John Landis, que viria a ser um diretor, produtor e roteirista de grande sucesso, muito ligado à música, autor de vídeos de grandes astros do pop e realizador dos sucessos Clube dos Cafajestes (1978), Os Irmãos Cara de Pau (1980) e Um Lobisomem Americano em Londres (1981).
Pois é. Leonard Maltin decretou que o filme foi um misfire, negou fogo. Mas consta que o grande John Huston adorava Red Sun, e o colocava entre seus westerns preferidos, ao lado dos clássicos No Tempo das Diligências (1939) e Rio Vermelho (1948). A informação também está na página de Trívia sobre o filme no IMBd…
Estaria brincando, fazendo piada o mestre Huston, quando deu essa declaração? Pode ser. Sol Vermelho não é um grande filme, de jeito algum. Mas é bem divertido, gostoso de se ver. Uma peça rara.
Anotação em março de 2024
Sol Vermelho/Soleil Rouge
De Terence Young, França-Itália-Espanha, 1971
Com Charles Bronson (Link Stuart),
Toshirô Mifune (Kuroda Jubei),
Alain Delon (Gauche),
Ursula Andress (Cristina),
Capucine (Pepita),
Barta Barri (Paco), Guido Lollobrigida (Mace), Anthony Dawson (Hyatt), Gianni Medici (Miguel), Georges Lycan (xerife Stone), Luc Merenda (Chato), Tetsu Nakamura (o embaixador japonês), José Nieto (o fazendeiro espanhol assassinado), Julio Peña (Peppie), Mónica Randall (Maria), Hiroshi Tanaka (o segundo samurai)
Roteiro Denne Bart Petitclerc & William Roberts & Lawrence Roman
Baseado em história de Laird Koenig
Diálogos Gerald Devriès …
Fotografia Henri Alekan
Música Maurice Jarre
Montagem Johnny Dwyre
Figurinos Tony Pueo
Produção Ted Richmond, Les Films Corona, Oceania Produzioni Internazionali Cinematografiche, Producciones Balcázar S.A.
Cor, 112 min (1h52)
***
Bronson e mifune estiveram na segunda guerra el lados opostos é claro,,alain delongas esteve na guerra franco argelina, anthony dawson assim como andrews esteve no primeiro bond de trrenve Young, além de disque m para matar e mais 2 filmes de bond, mas para um filme de charles bronson esse é um dos seus melhores sim , ao contrário de mifune ator premiado por filmes de kurosawa.