3.5 out of 5.0 stars
Mais um filmão que eu nunca tinha visto, uma das muitas falhas que tinha na vida. E é aquilo mesmo que se poderia esperar, um filmão, mestre Akira Kurosawa e suas tomadas que são pinturas, cada tomada de uma beleza de obra de arte.
É uma brilhante adaptação de Macbeth, cheia de ruídos de aves e relincho dos cavalos como sinais da danação sobrenatural a que foi submetido o casal depois do encontro com criaturas não humanas na floresta (que fazem as vezes das bruxas do original shakespereano).
A cena em que Macbeth (aqui Taketoki Washizu, interpretado pelo ator preferido do mestre, Toshiro Mifune) assassina o rei é espantosamente genial: a câmara fica o tempo todo grudada na Lady Macbeth (Isuzu Yamada), o ser humano que se aproveitou da profecia dos espíritos para insuflar a ambição assassina no marido; ela entrega para ele a lança, ele arregala gigantescamente os olhos e sai do quadro, que não muda, fica sempre estático nela. Até que ele volta, as mãos sujas de sangue, a lança toda suja de sangue.
Mestre Kurosawa revendo Shakespeare. A ambição, a cobiça, a inveja, o mal, e depois a loucura no lugar do arrependimento, o castigo, a danação eterna. A abertura e o encerramento, com a neblina nos campos, em preto e branco magistral, são quase um quadro abstrato – e de que beleza. A abertura ainda tem, fazendo as vezes do coro da tragédia grega, um coro de vozes masculinas cantando em uníssono. Brilhante.
Um dos 16 filmes de Kurosawa com Mifune
Confesso que, ao ver o grande clássico pela primeira vez, fiquei muito dividido entre o êxtase diante da beleza toda e um profundo incômodo como o estilo de interpretação dos atores japoneses. Me pareceu tudo muito exagerado, over do over do over. Eles berram o tempo todinho. O tempo todinho estão arregalando demais os olhos. Estão dando saltos, pulos. Fazem gestos largos, imensos. O tempo todo, sem parar.
Outros espectadores ocidentais podem certamente sentir esse incômodo. Mas ele é coisa absolutamente menor diante da grandeza do filme.
Eis algumas informações importantes e/ou interessantes sobre o filme, a maioria tirada da página de Trivia do IMDb sobre Trono Manchado de Sangue:
* O título original do filme, que, na passagem para nosso alfabeto, o latino, é Kumonosu-jou, ou Kumonosu jô, significa “O Castelo da Teia de Aranha”. Os franceses seguiram o original, e deram ao filme o título de Le Château de l’Araignée. Nos países de língua inglesa, ele foi lançado como Throne of Blood, e Portugal seguiu essa linha – lá ele é Trono de Sangue.
* Este foi um dos 16 filmes que Akira Kurosawa fez com o ator Toshirô Mifune.
* Três grandes atores do teatro Shigenki pediram a Kurosawa um papel na adaptação japonesa da peça de Shakespeare. O diretor concordou, e deu a Isao Kimura, Seiji Miyaguchi, e Nobuo Nakamura papéis de fantasmas de samurais na segunda sequência em que aparece a bruxa.
* Originalmente, Kurosawa planeja apenas produzir o filme, e deixar a direção nas mãos de um outro diretor. Os chefões da Toho, o principal e gigantesco estúdio japonês da época, no entanto, percebendo que a produção seria dcara, insistiram em que o diretor fosse o próprio Kurosawa – já então um nome respeitadíssimo mundo afora, com filmes premiados nos grandes festivais do Ocidente.
* Mais de meio século depois do lançamento do filme, o festejado ator Michael Fassbender, que interpretou o personagem título em Macbeth: Ambição e Guerra (2015), afirmou que Trono Manchado de Sangue é , de todas as adaptações de Macbeth para o cinema, a sua preferida.
Euzinho aqui registro que gostaria demais de rever a adaptação feita por Roman Polanski, de 1971. Só vi uma vez, acho – e fiquei absolutamente abestalhado-queixo-caído.
* Trono Manchado de Sangue foi o maior sucesso nas bilheterias dos filmes produzidos pela Toho naquele ano.
“Um exercício de virtuose, estilizado e formal”
Leonard Maltin deu ao filme 4 estrelas em 4: “Vívida, poderá adaptação de Macabeth para um ambiente de samurais. Envolvente final, com Taketoki Washizu (o personagem Macbeth, maravilhosamente interpretado por Mifune) atacado com flechas.”
Pauline Kael diz que a versão de Macbeth de Kurosawa “é um exercício de virtuose, tão estilizado e formal, à sua maneira, quanto os filmes de Ivan, o Terrível, de Eisenstein, embora não tão pesada ou inexplicavelmente estranho.”
Eis o início do texto sobre o filme do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, de Steven Jay Schneider:
“Com bastante justiça, a adaptação habilidosamente arrepiante, formal e extremamente fiel de Akira Kurosawa de Macbeth é considerada uma das mais sensacionais versões para o cinema de uma peça de Shakespeare. A trama e a psicologia são transpostas belamente para o Japão feudal, onde o valoroso guerreiro samurai general Washizu (Toshiro Mifune) e sua esposa demoníaca, Lady Asaji (Isuzu Yamada), impulsionados por uma ambição implacável e inspirados pela profecia de uma bruxa, assassinam seu comandante militar, invadem um reino e se condenam a um fim ritual e inescapável de carnificina, paranóia, loucura e ruína.”
Anotação em 1997, revista e ampliada em agosto de 2021
Trono Manchado de Sangue/Kumonosu jô
De Akira Kurosawa, Japão, 1957
Com Toshirô Mifune (Taketoki Washizu),
Isuzu Yamada (senhora Asaji Washizu)
e Takashi Shimura (Noriyasu Odagura), Akira Kubo (Yoshiteru Miki),
Hiroshi Tachikawa (Kunimaru Tsuzuki), Minoru Chiaki (Yoshiaki Miki),
Takamaru Sasaki (Kuniharu Tsuzuki), Gen Shimizu (samurai Washizu samurai), Kokuten Kôdô (comandante militar), Kichijirô Ueda (trabalhador Washizu), Eiko Miyoshi (mulher idosa no castelo), Chieko Naniwa (mulher fantasma idosa), Nakajirô Tomita (segundo comdnante militar)
Roteiro Shinobu Hashimoto, Ryuzo Kikushima, Akira Kurosawa e Hideo Oguni
Baseado na peça Macbeth, de William Shakespeare
Fotografia Asakazu Nakai
Música Masaru Satô
Produção Akira Kurosawa, Sôjirô Motoki, Toho Company.
P&B, 105 min
***1/2
Acho que o Toshiro Mifune era bom pra fazer papel de doido. Em Rashomon e Os sete samurais ele tá excelente, mas doido, doidinho.
Acho de uma imbecilidade colossal tratar a Obra de Akira Kurosawa e o Trabalho de Toshiro Mifune assim, sim, devemos observar a Época, o contexto e também a Cultura na qual o filme se Alicerça, e tudo neste Maravilhoso Filme é excelente e obviamente Teatral, com ares de Teatro Kabuki, e não ver isto antes de fazer uma Crítica torna muitos “críticos” verdadeiros Analfabetos Funcionais.