Todo o marketing para o lançamento de Lolita, o longa-metragem número 5 dos 12 que Stanley Kubrick realizou, foi em cima do romance em que o filme se baseava. “Como eles conseguiram fazer um filme de Lolita?” era uma das taglines – as frases de venda, os bordões, bolados pela equipe de marketing da MGM, que distribuiu o filme.
“How did they ever make a movie of Lolita?”
A frase está no cartaz oficial da época do lançamento, 1962.
O estúdio criou três taglines. Além dessa aí, a principal, a do cartaz, havia também estas:
“Para maiores de 18 anos.”
“O romance ousado que se transformou no roteiro mais provocante.”
O livro de Vladimir Nabokov havia sido lançado em inglês em 1955, por uma editora francesa, Olympia Press, chegada à pornografia, depois de ter sido recusado por grandes editoras – Viking, Simon & Schuster, New Directions, Farrar, Straus, Doubleday. E, na época do lançamento, havia sido considerado muito ousado, muito provocante. Houve quem comparasse o impacto do livro com o provocado por O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence, lançado em 1928, numa impressão um tanto clandestina em Florença. O romance só seria liberado para publicação no Reino Unido bem mais tarde.
No London Sunday Express, o editor John Gordon chamou o então rrecém-lançado Lolita de “o mais imundo livro que eu já tenha lido”, “pura pornografia desenfreada”.
“Como eles conseguiram fazer um filme de Lolita?”
Quiseram vender o filme como uma coisa “ousada”, “provocante”. Chocante, avançada. Sacana. Muita sacanagem, muito sexo.
Propaganda enganosa.
Lolita tem tantas cenas ousadas, provocantes, chocantes, avançadas, sacanas, quanto A Noviça Rebelde ou Frozen.
Como 11 dos 12 longa-metragens de Stanley Kubrick, Lolita é um grande filme. Cinema da melhor qualidade.
Agora, para promovê-lo, para vendê-lo, ofereceram gato por lebre.
Lolita tem alguns atentados contra a verdade dos fatos.
Sabe aquela foto icônica, que está nos cartazes todos do filme, os óculos em forma de coraçãozinho, com a garotinha, a ninfeta, a lolita, botando na boca um picolé, como se estivesse chupando um pau? É falso. É mentiroso. Fake.
Não há, em qualquer um dos longos, longos, muito longos, intermináveis 153 minutos de Lolita uma cena sequer em que apareça aquela imagem dos óculos em forma de coração e o picolé na boca da moça como se ela estivesse sugerindo uma felação, um blow job.
Nos créditos iniciais, é dito que o roteiro é de autoria do próprio Vladimir Nabokov.
É mentira.
O próprio Stanley Kubrick e seu produtor, James B. Harris, mexeram muito no roteiro escrito por Nabokov. Fizeram profundas alterações – mas, nos créditos, eles não aparecem. Só consta o nome do romancista.
Consta que, poucos dias antes da première mundial do filme, Kubrick providenciou uma sessão especial para Nabokov – e foi então que ele viu que seu roteiro havia sido bem mudado. Não se mostrou ofendido; ao contrário, fez elogios ao trabalho do diretor e ao elenco. Mais tarde, no entanto, lançou em livro o roteiro tal como ele o concebeu, com o título de Lolita: A Screenplay.
Uma história infeliz, amarga, doentia até a medula
Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4 ao filme e fez, na minha opinião, uma sinopse inadequada na sua primeira frase: “A sexualmente precoce Lyon se envolve com o impassível professor Mason, e o bizarro Sellers provê um romance peculiar levando a assassinato e luxúria. O roteiro desse filme genuinamente estranho é creditado a Vladimir Nabokov, que escreveu a novela de mesmo nome, mas tem pouca relação ao roteiro que ele escreveu e foi mais tarde publicado. Winters está estupenda como a mãe de Lyon faminta por sexo.”
Esse estilo de Maltin de usar o sobrenome do ator no lugar do nome do personagem torna os textos mais enxutos, mas às vezes deixa as coisas um tanto confusas.
Mas o verbete de Pauline Kael sobre o filme esclarece quem é quem na história:
“Comédia bárbara, maravilhosamente saborosa, adaptada do romance de Nabokov. James Mason faz o amante de menininhas, o sorridente, obsequioso e falso Humbert Humbert; Shelley Winters (na foto abaixo) faz Charlotte Haze, um feroz abutre cultural; Sue Lyon, sua filha sexy, Lolita; e Peter Sellers (num dos seus momentos mais inspirados), Quilty, a paranóia ambulante de Humbert Humbert. Stanley Kubrick dirigiu.”
Todo mundo tem direito à sua opinião, é claro, mas eu não consigo, por mais esforço que faça, imaginar o que Dame Kael viu de cômico e saboroso nesta história infeliz, amarga, doentia até a medula, desagradável, nauseante.
“A cena mais erótica do filme é um pedicure”
Bem. Não é só Dame Kael que viu graça nesse drama amargo. O CineBooks’ Motion Picture Guide, que dá ao filme 3.5 estrelas em 5, diz o seguinte:
“Quando o romance Lolita foi lançado, o gigantesco sucesso deixou muita gente enraivecida porque ele ousava falar do amor entre um homem de meia-idade e uma garota de 12 anos de idade. O filme baseado nesse livro aumentou a idade da ninfeta para cerca de 15, e com isso removeu muito da controvérsia. Ainda assim, Lolita é engraçado, com bastante humor negro para agradar aqueles que gostam desse tipo de coisa e espaço suficiente para que os astros do filme – James Mason, Peter Sellers, Shelley Winters, and Sue Lyon – demonstrem seus talentos.”
O Cinebooks costuma fazer bons resumos das tramas, e então vou aproveitar o início do de Lolita:
“O filme abre com Humbert Humbert (James Mason) entrando numa mansão caótica. Após confrontar Clare Quilty (Peter Selles), Humbert atira nele antes que o filme inicie um flashback. O flashback começa com Humbert Humbert, um professor inglês de meia-idade, se preparando para assumir um emprego em uma faculdade de Ohio. Ele pára por um tempo em New Hampshire antes de se dirigir para o Oeste para dar algumas palestras na região. (…) Humbert acaba alugando um quarto na casa de Charlotte Haze (Shelley Winter), uma viúva rechonchuda, rica, pseudo-intelectual – exatamente o tipo de mulher que Humbert detesta. Humbert estava para desistir. Quando, no entanto, vê a filha púbere de Charlotte, Lolita (Sue Lyon), ele decide ficar, e permite ser perturbado pela mulher efervescente e vibrante.”
Depois de relatar toda a trama, o Cinebooks’ faz sua avaliação:
“Embora Peter Sellers esteja menos à vontade que o normal, e Sue Lyon preencha o papel, Shelley Winters e James Mason apresentam maravilhosas atuações. Com 2 horas e meia, no entanto, o filme fez os espectadores se contorcerem um pouco em suas poltronas – uma reação esperada, dado o tema da história. Para satisfazer o código moral dos anos 60, um epílogo foi acrescentado para informar que o personagem de Mason morreu na prisão de um ataque cardíaco. Como a sinopse da trama indica, no entanto, o filme não é chocante de forma alguma; a cena mais erótica do filme é um pedicure.
“O diretor Stanley Kubrick exibiu uma grande sutileza (ele tinha que fazer isso, ou então teria sérios problemas). Talvez sutileza demais. O filme é muito longo, o que talvez se explique pelo fato de que o autor do livro, Vladimir Nabokov, fez a adaptação para as telas. (Ele tentou juntar todo o conteúdo do livro no roteiro. Outro adaptador, menos preocupado em ser fiel ao texto, poderia ter produzido um filme mais enxuto.)”
Peter Sellers está excelente. E Sue Lyon é uma revelação
Bem… Dá para ver que o crítico que escreveu sobre o filme para o Cinebooks’ não tinha a informação de que o roteiro de Nabokov foi profundamente alterado por Kubrick e James B. Harris.
Não acho que Peter Sellers esteja pouco à vontade. De forma alguma. Muito ao contrário. Seu Clare Quilty tem diversas caras diferentes – o que permite que o ator demonstre sua fantástica versatilidade. Está cheio de maneirismos na sequência inicial, em que Humbert Humbert irrompe na sua mansão desarrumada, como se uma festa fantástica, uma gigantesca orgia, tivesse acontecido umas poucas horas antes. Naqueles minutos iniciais do filme, fazendo um Quilty bêbado, irônico, sarcástico, Peter Sellers está solto feito um passarinho.
Bem mais tarde, na varanda do hotel em que Humbert Humbert e Lolita vão passar a primeira noite juntos, Quilty se finge de um policial um tanto sonso – mas ao mesmo tempo intimidador. E ainda há a sequência em que ele se fantasia de um psicólogo alemão, de novo uma figura cheia de maneirismos, cacoetes, caretas, gestos largos – tudo para fazer a felicidade de um grande ator cômico.
Várias fontes afirmam que Stanley Kubrick ficou impressionado com o talento de Peter Sellers. E o fato de o grande diretor ter escalado o ator para fazer três papéis diferentes em seu filme seguinte, Dr. Fantástico/Dr. Strangelove, de 1964, é uma prova cabal disso.
E também não acho que Sue Lyon só preencha o papel. A moça está muito bem no papel da ninfeta que às vezes parece absolutamente inocente, às vezes parece uma vamp, uma femme fatale – para, ao final, parecer apenas uma jovem que a vida maltratou, igual a tantas e tantas e tantas outras, uma jovem sem nada de especial, nada marcante.
Claro: Kubrick é um competentíssimo, maravilhoso diretor de atores. Esse talento dele seguramente tem a ver a atuação muito boa dessa garotinha que estava com 14 anos durante as filmagens – mas a verdade é que, além da beleza, Sue Lyon tinha talento.
Aliás, ela recebeu o título “Mais Promissora Nova Atriz” na cerimônia do Globo de Ouro de 1963.
Volto a falar de Sue Lyon mais adiante.
Personagens doentios, abjetos, asquerosos
Se discordo com vigor da avaliação do Cinebooks’ sobre as atuações de Peter Sellers e Sue Lyon, concordo inteiramente com o que ele diz sobre Shelley Winters e James Mason.
Estão brilhantes, extraordinários, os dois.
Não poderia haver escolha melhor para interpretar essa Charlotte Haze do que a maravilhosa Shelley Winters. Ela estava com apenas 42 anos quando o filme foi rodado, mas parecia mais velha, em parte porque todas as pessoas pareciam mais velhas, décadas atrás, e em parte também por ser gordinha, rechonchuda. O physique du rôle é absolutamente perfeito – e, com seu imenso talento, a atriz compõe uma mulher absolutamente chata, pentelha, enjoada, desagradável – que, quanto mais tenta seduzir, parecer interessante, mais fica chata, pentelha, enjoada, desagradável.
E James Mason está igualmente brilhante como o inglês de meia-idade que absolutamente baba na gravata ao ver aquela ninfeta de biquíni, tomando sol no quintal da casa em que havia um quarto para alugar.
A sequência em que Charlotte e Humbert Humbert estão na cama, e Charlotte fala que vai mandar Lolita para um internato, enquanto ele, enojado com a mulher que despreza, chocado com a perspectiva de perder de vista a ninfeta, olha para o retrato da garota no criado-mudo é extraordinariamente, fantasticamente, incrivelmente bem feita.
De babar pelo belo cinema.
De dar nojo diante daqueles personagens.
Os personagens da história criada por Vladimir Nabokov e reescrita e filmada por Stanley Kubrick com seu enorme talento são doentios, abjetos, asquerosos, nojentos.
É um belo filme – mas não dá para gostar dele
Assim como Sue Lyon não pôde ver o filme na première mundial, em Nova York, em 13 de junho de 1962, por não ter 16 anos, a censura etária me proibiu de assisti-lo quando foi lançado em Belo Horizonte, ali por 1962, 1963. Só fui ver o filme pela primeira em 1981; era uma época conturbada da minha vida, e só anotei os dados básicos da ficha técnica e a data. Voltei a ver com Mary em meados de 2002, e anotei apenas esta frase:
“Extraordinariamente bem feito, como tudo do Kubrick. Mas me dá um pouco de náusea ver tanta doença.”
Ao ver agora, pela terceira vez, para fazer esta anotação, para poder ter o filme no 50 Anos, minha sensação foi parecida com aquela com a de 2002 – só que bastante mais acentuada.
Hoje, me dá muita, mas muita náusea ver tanta doença.
Sim, é um grande filme, já que é um Stanley Kubrick. O diretor genial soube fazer um excelente filme em cima de uma obra literária famosa, polêmica. O que é uma marca clara, nítida, da sua filmografia: dos seus 12 filmes, 10 foram baseados em obras literárias.
(As duas únicas exceções são 2001: Uma Odisséia no Espaço, de 1968, e A Morte Passou Por Perto/Killer’s Kiss, de 1995. A história deste, o primeiro longa dos 12 que Kubrick realizou, e seu único filme fraco, foi escrita pelo próprio diretor. Já 2001 foi criado pelo grande escritor de ficção-científica Arthur C. Clarke diretamente para o filme, e foi lançado como livro ao mesmo tempo em que o filme estreava, se é que não estou enganado.)
A questão é que a história de Lolita é nojenta – muito mais que ousada, provocante, sensual. Doentia, abjeta, asquerosa, nojenta. Como seus personagens.
Cada vez mais tenho absoluta certeza de que não é possível gostar de um filme, um livro, uma peça em que não há sequer um personagem que mereça a simpatia do leitor e/ou espectador.
Não há como gostar de Lolita. É forçoso admitir que é um filme muitíssimo bem realizado, mas não dá para gostar dele, de forma alguma.
Humbert Humbert é sujeito em tudo desprezível, vil, mau. Casa-se com a pobre coitada da Charlotte apenas e tão somente para ficar perto da ninfetinha por quem fica obcecado desde a primeira vez em que bate os olhos nela. Sente imenso desprezo por Charlotte – e ao mesmo tempo vive como marido dela, e continuaria vivendo indefinidamente, se, por motivos totalmente independentes da vontade dele, não sobreviessem fatos novos.
E Charlotte é isso, uma pobre coitada, uma mulher infeliz, amargurada em sua solidão, em sua sede por sexo que não encontra em longos anos de viuvez. Poderia ser só uma pobre coitada, e seria então possível sentir simpatia por ela. A questão é que é chata demais, tadinha. Sim, a gente sente pena dela – mas só pena. Nenhuma simpatia é possível.
Clare Quilty é, como dizia Gilberto Gil na letra que fez para “Woman no Cry”, de Bob Marley, o Mal em Si. É um dos personagens mais nojentos, execráveis que já foram exibidos em uma tela.
E Lolita…
Para falar de Lolita, é preciso alertar que vem aí um spoiler. O eventual leitor que tenha tido paciência para chegar até aqui e não conhecer a história ou não tiver visto o filme deve parar de ler – ou, no mínimo, pular para o próximo intertítulo.
Atenção: neste trecho há um spoiler!
Ao ver o filme agora mais uma vez, fiquei com a sensação de que a Lolita da longa sequência final, a Lolita que é visitada em sua casa por Humbert Humbert, passou a ser, de alguma forma, uma ser humano “normal”, comum. Com o passar do tempo, parece ter deixado de lado a capacidade imensa que tinha de manipular as pessoas. Virou uma pessoa comum, como qualquer outra, sem nada especial – mas também sem os traços de vulgaridade, egocentrismo e caráter mais do que duvidoso que antes tinha.
Chega até a ser uma pessoa de boa índole, que pensa nos outros, que se importa com os outros – ao proteger Richard, ao querer impedir que ele sofra ao saber de seu passado.
E é fascinante, porque, nessa longa sequência final, Sue Lyon tem uma bela interpretação. A atriz demonstra muitíssimo bem que não é mais a mesma Lolita de uns poucos anos antes; todos os seus gestos, seu jeito, tudo nela demonstra que houve algum tipo de amadurecimento.
O adolescente ficou fascinado pela jovem atriz
Sue Lyon… Ah , Sue Lyon.
Li agora, depois de ver o filme, a informação de que Stanley Kubrick reparou em Sue Lyon na série de TV Letter to Loretta, estrelada pela atriz Loretta Young, que começou em 1959 e teve 257 episódios, até 1961. O realizador viu a garota em algum episódio provavelmente apresentado em 1961; Sue Lyon tinha 13 anos, então. “Uma coisa que o convenceu a contratá-la foi o tamanho de seus seios, que eram supreendentemente maduros para sua idade à época”, afirma o IMDb. “Ele imaginou que sua maturidade física faria Lolita parecer mais velha. Ela tinha 14 anos quando o filme foi rodado.”
Não sabia desse detalhe. Sempre soube que ela participou de um teste para a escolha da garota que faria o papel título do filme.
Sue Lyon morreu em Los Angeles, no dia 26 de dezembro de 2019, aos 73 anos de idade.
“A morte de Sue Lyon me deixa absolutamente chocado por um fato que, afinal, eu deveria conhecer bem demais: estou muito velho”, escrevi no meu site 50 Anos de Textos. “Quando o Lolita de Stanley Kubrick estava para ser lançado, eu acompanhava com atenção as notícias. Via as fotos da garotinha, a achava linda de morrer, babava por ela.
“Me impressionou tremendamente na época a informação de que – por não ter idade suficiente – Sue Lyon não pôde assistir, junto com Kubrick e os colegas de elenco, James Mason, Shelley Winters e Peter Sellers, à avant-première de gala do filme.
“Nascida em 10 de julho 1946, no Estado de Iowa, Sue Lyon tinha 14 anos quando se apresentou para fazer o teste para o papel da garotinha que enlouquece a cabeça do professor de meia-idade Humbert Humbert – que seria interpretado pelo grande James Mason.
“Participaram dos testes 800 garotinhas. 800 lolitinhas. Foi a escolhida.
“Não era alta, para os padrões americanos – tinha 1 metro e 60. Mas tinha o rosto lindo, iluminado por olhos de um azul belíssimo, e um corpo absolutamente perfeito, de endoidar frade de pedra, quanto mais qualquer sujeito de meia-idade como aquele criado pela imaginação do russo imigrado para os Estados Unidos Vladimir Nabokov (1899-1977). (…)
“Aos 14 anos – idade em que eu só estudava, e flanava, flanava, flanava, ia ao cinema sem parar, lia sobre filmes, conversava com os amigos, começava a beber cerveja –, Sue Lyon, com toda certeza diferentemente da maioria das 799 outras garotinhas que derrotou nos testes, já trabalhava. Tornou-se modelo ainda criança, na conhecida agência JC Penney. Em 1961, quando o filme estava em pré-produção, já havia posado para fotos, feito um comercial e até tido uma ponta no filme O Pimentinha/Dennis the Manace, de 1959.
“Trabalhava por absoluta necessidade. A mãe, Sue Karr Lyon, tinha 44 anos e cinco filhos quando o marido morreu. Sue, a caçula, tinha apenas 10 meses. O dinheiro era curto, e, quando a família se mudou para Los Angeles, Sua mãe procurou aproveitar a beleza da filha mais nova para ajudar a pagar as contas. (…)
“Lolita ajudou a consolidar a fama de Stanley Kubrick como um dos melhores realizadores em atividade naquele início dos anos 60. (…) Depois de Lolita, faria obra-prima atrás de obra-prima.
“Já Sue Lyon, bem diferentemente, jamais voltaria a ter um papel tão importante, tão marcante quanto aquele do filme que não pôde ver na avant-première porque era jovem demais.
“Pouco depois de Lolita, chegou a ter papéis em filmes com dois grandes diretores. Trabalhou sob a direção de John Huston em A Noite do Iguana (1964), ao lado de Richard Burton, Ava Gardner e Deborah Kerr, e de John Ford em Sete Mulheres (1966), ao lado de Anne Bancroft. Em 1967, teve um papel em Tony Rome, um veículo para Frank Sinatra brilhar como um detetive particular.
“Faria mais umas duas dezenas de filmes, nenhum deles muito importante – até que, em 1980, extremamente jovem, com apenas 34 anos, desistiu da profissão. Começou cedíssimo, parou cedíssimo.
“Teve uma vida pessoal especialmente cheia, movimentada. Atravessou cinco casamentos, cinco divórcios. O primeiro casamento aconteceu quando tinha apenas 17 anos. Durou dois. O segundo foi com Roland Harrison, um fotógrafo e técnico negro – e o casal enfrentou a barra pesada do racismo, tendo até mesmo se mudado para a Espanha, para se livrar do preconceito forte dos americanos. A união não durou dois anos inteiros.
“O terceiro casamento foi com Gary Adamson, um sujeito que estava na Penitenciária Estadual do Colorado condenado por assassinato e assalto. A partir do casamento, em 1973, Sue Lyon fez campanhas por reformas no sistema presidiário e pelo direito de visitas íntimas dos cônjuges. A união não chegou a durar dois anos inteiros. Nos últimos anos, evitava entrevistas.”
Esmalte nas unhas dos pezinhos da garotinha
As coisas da vida… Sue Lyon me fascinou desde que eu tinha 12, 13 aninhos de idade, e não podia entrar no cinema para ver Lolita. Agora, ao ver o filme para poder ter uma anotação sobre ele no meu site, gostei, mais uma vez, da atuação dela – mas volta e meia parava o DVD para ver quanto tempo ainda faltava de filme. O sinal mais claro, mais bandeiroso, mais óbvio de quando você não está gostando do que vê.
E, sim, está certíssimo o Cinebooks’ quando diz que “a cena mais erótica do filme é um pedicure”.
Na verdade, são duas cenas. Certamente o Cinebooks’ se refere à cena em que Humbert Humbert passa esmalte nas unhas do pé de Lolita. Mas eu acho mais bela, e, sim, mais sensual, a cena da abertura do filme, a cena que dura o tempo dos créditos iniciais. Ao fundo, atrás dos nomes dos atores, dos técnicos, aparecem as mãos de um homem e os pés de uma garotinha, enquanto as unhas dela vão sendo pintadas cuidadosamente, zelosamente, voyeursisticamente, fetichemente.
Nenhum dos 90 itens de Trivia do IMDb sobre o filme detalhe se aqueles pezinhos são de Sue Lyon, ou de uma dublê, e isso não importa coisa alguma. Mas, para mim, uma das melhores coisas de Lolita é a cena de apresentação dos créditos iniciais.
Anotação em setembro de 2020
Lolita
De Stanley Kubrick, Inglaterra-EUA, 1962
Com James Mason (Humbert Humbert), Sue Lyon (Lolita Haze), Shelley Winters (Charlotte Haze), Peter Sellers (Clare Quilty)
e Marianne Stone (Vivian Darkbloom, a namorada de Quilty), Diana Decker (Jean Farlow, a amiga de Charlotte), Jerry Stovin (John Farlow), Gary Cockrell (Dick), Suzanne Gibbs (Mona Farlow, a amiga de Lolita), Roberta Shore (Lorna). Eric Lane (Roy), Shirley Douglas (Mrs. Starch, a professora de piano), Roland Brand (Bill), Colin Maitland (Charlie), Cec Linder (médico), Irvin Allen (atendente no hospital), Lois Maxwell (enfermeira Mary Lore), William E. Greene (Swine, o gerente do hotel)
Roteiro Vladimir Nabokov e, não creditados, Stanley Kubrick e James B. Harris
Baseado no romance de Vladimir Nabokov
Fotografia Oswald Morris
Música Nelson Riddle
Montagem Anthony Harvey
Figurinos Gene Coffin
Produção A.A. Productions Ltd., Anya, Harris-Kubrick Productions, Transworld Pictures. DVD Warner Bros.
P&B, 153 min (2h33)
Disponível em DVD
R, ***1/2
Um comentário para “Lolita”