O grande Roger Ebert escreveu que houve uma época em que valia a pena sair de casa só para ver um filme com Debra Winger. Debra Winger é uma atriz marcante, maravilhosa, especial, seja em drama, seja em comédia.
Nos anos 80 e início dos 90, brilhou em diversos bons filmes: A Força do Destino / An Officer and a Gentleman (1982), Laços de Ternura / Terms of Endearment (1983), Perigosamente Juntos / Legal Eagles (1986), O Mistério da Viúva Negra / Black Widow (1987), Atraiçoados / Betrayed (1988), O Crime que o Mundo Esqueceu / Everybody Wins (1990), Terra das Sombras / Shadowlands (1993), Esqueça Paris / Forget Paris (1995), para citar só alguns.
Sempre foi consderada “uma atriz difícil”. Com talento imenso, só comparável à sua pouca disposição para conviver com as exigências que Hollywood costuma fazer aos grandes astros, preferiu se afastar do cinema em meados dos anos 90 – e o retiro durou seis anos, o suficiente para boa parte do público esquecer seu nome. Voltou a atuar em 2001, em um filme dirigido por seu segundo marido, Arliss Howard, Big Bad Love, aparentemente não lançado no Brasil. A partir de 2010, dedicou-se a projetos na TV.
Neste The Lovers, de 2017, ela teve seu primeiro papel como protagonista em filme para o cinema em 16 anos, desde exatamente aquele de 2001. Foi exclusivamente por causa dela que resolvi ver o filme; não conhecia o autor e diretor Azabel Jacobs nem qualquer um dos outros atores.
Uma pena. Nem mesmo Debra Winger consegue salvar o filme, uma comédia-drama sobre infidelidade conjugal. A parte comédia não me fez dar um sorriso sequer. A parte dramática é boba, desinteressante – e quando parece que as coisas vão melhorar um pouquinho, aí pioram de vez.
O casamento vai mal faz tempo, mas eles não se separam
Mary e Michael (Debra Winger e Tracy Letts) estão casados há uns 20 anos e o casamento vai muito mal. Pelo que será mostrado, vai muito mal faz tempo. Os dois trabalham fora, em empresas sólidas (não se mostra muito bem o que cada um deles faz), e têm vida absolutamente confortável em termos materiais. Na bela casa em que vivem, no entanto, mal se falam. Não é que briguem constantemente, que discutam – mal se falam. Um não dá a menor importância para o outro.
Cada um tem seu amante – e as indicações são de que os casos já têm algum tempo. Os dois amantes têm algumas características em comum. Tanto Robert (Aidan Gillen) quanto Lucy (Melora Walters) pressionam Mary e Michael, respectivamente, a acabar com o casamento. Pedem, imploram, para que seu/sua respectivo/a conte que tem amante faz tempo, que o/a ama, que quer cascar fora, e pronto.
Os primeiros 20, 30 minutos de filme nos demonstram essa situação. Robert pressiona Mary, Lucy pressiona Michael – e Mary e Michael, nada.
Quer dizer, nada na prática. Eles prometem que vão falar, sim. Vão se separar, sim – mas no futuro.
Anuncia-se que Joel, o filho único do casamento, que faz faculdade fora, longe, virá passar um fim de semana prolongado com os pais – e trará pela primeira vez a namorada firme para conhecer a família. Percebe-se que faz tempo que Joel não visita os pais.
E então Mary e Michael acham uma nova desculpa para dar ao/à respectivo/a amante: ah, depois que meu filho for embora, voltar para a cidade em que estuda, aí então eu me separo.
Filme ruim demora muito tempo
É uma lei da natureza: filme bom passa depressa, parece curtinho, mesmo que tenha 3 horas de duração. Filme ruim custa a passar. Com meia hora de Os Amantes, eu parava o filme para ver quanto tempo ainda faltava.
Dura 97 minutos. Parece muito mais comprido que as quase 4 horas de … E o Vento Levou, de Cleópatra.
Por que raios aquelas criaturas já não tinham se separado há anos, meu Deus do céu e também da terra? Por que continuar juntos, tendo que mentir a toda hora? Tendo que deixar o/a amante infeliz, insatisfeito/a? Não podendo ficar com o/a amado/a a hora que quiser, o tempo que quiser, onde quiser?
Lá pelas tantas, mais ou menos lá pela metade dos longos 97 minutos, acontece alguma coisa! Por acaso, assim, por mero acaso, Mary e Michael se olham, pinta um clima – e trepam! E gostam! E ficam na boa!
E aí chegam o filho Joel (Tyler Ross) e Erin (Jessica Sula), para o fim de semana prolongado.
E o filme vai se prolongando – até que fica mais absolutamente clara a resposta àquelas perguntas que fiz três parágrafos acima. Aquelas criaturas gostam de ser infelizes. Gostam de viver daquele jeito infernal.
Alguém consegue achar isso engraçado? Não vejo graça alguma em duas pessoas que optam pela infelicidade.
Um maravilhoso antídoto contra os supremacismos
Não achei que Debra Winger teve aqui uma grande interpretação. Está correta, é claro – é uma excelente atriz, não conseguiria trabalhar mal nem se se esforçasse muito. Mas achei pouco o que ela oferece ao espectador.
Este foi o quarto longa metragem do diretor Azazel Jacobs, formado em 2001 no American Film Institute Conservatory. Não vi nenhum dos três anteriores, mas dá para ver que seus filmes são independentes, feitos com orçamentos baixos para os padrões americanos.
Há um detalhe que me agrada muito no filme: o diretor quis que Erin, a namorada do rapaz Joel, fosse bem morena, ou, mais exatamente, o que em bom Português se chama crioula, mulata. A jovem e bela atriz Jessica Sula é britânica do País de Gales e, apesar de tão nova (nasceu em 1994), tem já 15 títulos na filmografia, inclusive a série inglesa Skins e o filme de M. Night Shyamalan Fragmentado/Split (2016). A mãe dela é da Trinidad e descende de africanos, hispânicos e chineses, e o pai, de alemães e estonianos.
São sempre extremamente bem-vindos os namoros e casamentos de pessoas de cores de pele diferentes nos filmes. É saudável, fresco como flor de primavera. É o melhor antídoto contra supremacistas de qualquer cor ou credo.
Anotação em agosto de 2019
Os Amantes/The Lovers
De Azabel Jacobs, EUA, 2017
Com Debra Winger (Mary), Tracy Letts (Michael), Aidan Gillen (Robert, o amante de Mary), Melora Walters (Lucy, a amante de Michael), Tyler Ross (Joel, o filho de Mary e Michael), Jessica Sula (Erin, a namorada de Joel),
Lesley Fera (Susan), Barry Eisen (um colega de Michael)
Argumento e roteiro Azabel Jacobs
Fotografia Tobias Datum
Música Mandy Hoffman
Montagem Darrin Navarro
Casting Nicole Arbusto
Produção A24.
Cor, 97 min (1h37)
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