O Zoológico de Varsóvia conta uma história real – uma dura, dramática história real. Mais uma dura, dramática história de pessoas que, durante a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, o Shoah, conseguiram salvar vidas de judeus.
Mais uma – depois de Adeus, Meninos (1987), de Louis Malle, A Lista de Schindler, de Steven Spielberg (1993), Enquanto Houver Esperança, de Richard Dembo (2005), O Banqueiro da Resistência, de Joram Lürsen (2018), para citar apenas alguns entre tantos, tantos outros.
É uma co-produção República Checa-Inglaterra-EUA; a diretora é a neo-zelandesa Niki Caro, que fez Encantadora de Baleias (2002) e Terra Fria (2005). A autora do roteiro, Angela Workman, se baseou no livro de Diane Ackerman, The Zookeeper’s Wife, lançado em 2007. (O livro foi lançado no Brasil em 2017, pela editora Harper Collins, com tradução de Vera Ribeiro, com o mesmo título brasileiro do filme, O Zoológico de Varsóvia.)
Diretora mulher, roteirista mulher, autora do livro que é a fonte do roteiro também mulher. E o livro, assim como o título original do filme, é The Zookeeper’s Wife, a mulher do diretor do zoológico.
Uma dramática história real do Holocausto contada, portanto, sob a ótica feminina. Um filme feito por mulheres, o que é sempre interessante – e ainda raro, infelizmente.
Nascida em 1948, três anos após o final da Segunda Guerra, a autora Diane Ackerman já escreveu 15 livros de não-ficção, além de 7 volumes de poesia e ainda 3 livros infantis. The Zookeeper’s Wife se baseia na fonte primária: o diário da própria mulher do diretor do zoológico, Antonina Zabinska – interpretada, no filme, por Jessica Chastain, essa atriz bela em todos os sentidos, ela também uma das produtoras-executivas do filme.
Para lembrar: Jessica Chastain, 83 prêmios e outras 177 indicações, inclusive a dois Oscars, emprestou sua beleza e seu talento, entre tantos outros filmes (mais de 50, até agora), a A Grande Mentira (2010), Histórias Cruzadas (2011), A Hora Mais Escura (2012), Interestelar (2013).
Foi rodado na República Checa, e é inteiramente falado em inglês. Os poloneses falam em inglês, os alemães falam em inglês.
A crítica se dividiu, na bilheteria o filme foi bem
Recorro a uma sinopse que está no IMDb, sem crédito – dá para supor que tenha sido distribuída pela própria produção. Transcrevo acrescentando uma ou outra coisa:
O dr. Jan Zabinski (o papel do belga Johan Heldenbergh) é o diretor do maior e mais prolífico dos zoológicos da Europa nos anos 1930. Ele é ajudado por sua mulher, Antonina (Jessica Chastain). No dia 1º de setembro de 1939, o bombardeio aéreo de Varsóvia começa enquanto as forças alemãs ocupam a Polônia. Bombas arrasam as jaulas do zoológico, matando muitos animais, enquanto outros escapam para as ruas. Antonina e seu filho Ryszard (interpretado por Timothy Radford quando o garoto é bem novo, e, mais tarde, por Val Maloku) mal conseguem sobreviver. Enquanto a resistência polonesa se esfacela, o dr. Lutz Heck (Daniel Brühl), o chefe do zoo de Berlim e principal zoólogo de Adolf Hitler, e rival de profissão de Jan, chega. Ele se oferece para ficar com os animais mais raros, preciosos, e devolvê-los após o fim da guerra. Mais tarde Heck retorna com soldados nazistas para matar os animais restantes. Fica evidente que ele desenvolveu um interesse romântico por Antonina.
O IMDb informa que todos os animais que aparecem no filme são reais – não houve uso de CGI, as imagens geradas por computador. E há muitas sequências com animais, de todos os tipos, desde os pequenos – o coelhinho, o filhote de leão, o filhote de tamanduá – até os fortes, imensos – os elefantes, os leões, os tigres.
A diretora Niki Caro contou que seu primeiro cut – a primeira versão saída da sala de montagem – tinha cerca de 3 horas e meia. Ela e seu montador David Coulson tiveram que cortar quase uma hora inteira, até chegar aos 127 minutos, 2h07, de duração, do final cut que chegou aos cinemas e depois foi distribuído pela Netflix.
O filme teve estréia mundial em Varsóvia, em março de 2017, e em seguida, no mesmo mês, participou do Cinequest Film Festival em San Jose, California. Recebeu críticas positivas e negativas, segundo resume a Wikipedia, mas foi relativamente bem nas bilheterias, com renda de US$ 26 milhões.
O site Rotten Tomatoes menciona 175 críticas sobre o filme publicadas na imprensa e na rede, que deram a ele uma aprovação de 63%. Segundo o Rotten Tomatoes, “The Zookeeper’s Wife tem nobres intenções, mas não consegue dar vida à sua história baseada em fatos reais com tanto impacto quanto ela mereceria”.
A avaliação do site agregador de opiniões é bastante polida, educada.
Na minha opinião, este é um filme ruim. Muito ruim.
A mocinha acorda como num musical bobo da Metro
O Zoológico de Varsóvia conta uma história real como se fosse uma fantasia, uma ficção. É como se mostrasse uma história de gente miserável, pobre, sofredora, com um estilo com que Jane Austen falava sobre a vida de senhorinhas do campo inglês educadas e muito bem nutridas.
Tudo é mostrado de uma maneira falsa, fingida, como se fosse um grupo de teatro amador de ginasianos interpretando uma peça.
Tudo é previsível, esquemático.
Tudo é estudadamente concebido para parecer um melodrama bem melodrama, para emocionar corações sensíveis e para o gentil público gastar caixas e caixas de lenço de papel.
Assim, por exemplo, a narrativa começa com a mulher do diretor do zoo do título acordando em uma casa dos sonhos, cumprimentando o dia como se estivesse no céu, dançando entre nuvens, e depois passeando entre os animais e dando bom dia a eles como se a vida fosse um musical dos mais bobos dos musicais de Hollywood nos anos 30.
Ele tem um marido que a ama e um filhinho lindo que a adora.
Depois de nos mostrar Antonina Zabinska saltitando feliz entre seus amados bichinhos e bichos como se você uma noviça rebelde abrindo The Sound of Music nas colinas cheias de vida com o som da música, vemos que os portões do zoológico de Varsóvia são abertos – e as pessoas que já estavam à espera, com suas melhores roupas domingueiras, vão entrando felizes, felizes.
Detalhinho: ninguém paga para entrar no zoo. Nadinda. É tudo de graça. The zoo is alive with the sound of music.
O espectador um pouquinho esperto já sabe: tanta beleza assim é para nos preparar para o que vem logo em seguida.
Quando mais idealizada, perfeita, onírica é a vida, mais pavorosa, horrenda, ela será quando chegarem os nazistas.
É tudo maniqueísta.
Todos os judeus, evidentemente, são boas pessoas. Alguns são ótimos, alguns são excepcionais.
Todos os nazistas, evidentemente, são cruéis. Menos o nazista mór da história, o dr. Lutz Heck, que vem na pele do ótimo Daniel Brühl. (Morri de pena dele, coitado. Do Daniel Brühl, me explico – não de seu personagem.)
O dr. Heck parece uma boa pessoa, nas primeiras sequências em que o vemos. Alemão, sim, mas boa pessoa. Afinal, ele tem um zoo, ele gosta de animais.
Logo se revelará um cruel nazista.
Quase tão cruel quanto os dois soldados que estupram uma garotinha de uns 13, 14 anos, praticamente à vista de Jan Zabinski e do espectador. O roteiro dá grande espaço para a garotinha Urszula (Shira Haas). É para que o espectador se compadeça muito – e tenha que ir buscar a segunda caixa de lenço de papel.
Não é só. Há coisas que o roteiro simplesmente deixa de explicar. Por exemplo: de quem é o Zoológico de Varsóvia? É estatal? Pertence ao município? Vive de que, já que não cobra ingresso? De que vivem os Zabinski, depois da ocupação da Polônia pelos nazistas? Quem custeia suas vidas?
Não se sabe.
E chega. Creio que já expus minha opinião. Não tem sentido me alongar mais.
Faço o necessário registro: é importante, é fundamental que sejam feitos mais e mais filmes para demonstrar o horror do nazismo, do Holocausto. É necessário lembrar sempre daquele horror, para que a humanidade não se esqueça, para que nunca mais se permita que aquilo se repita.
Mas é de se esperar que sejam filmes de qualidade.
Como bem disse o Rotten Tomatoes, The Zookeeper’s Wife tem as mais nobres intenções.
Pena que seja tão ruim.
Anotação em fevereiro de 2020
O Zoológico de Varsóvia/The Zookeeper’s Wife
De Niki Caro, República Checa-Inglaterra-EUA, 2017
Com Jessica Chastain (Antonina Zabinska), Johan Heldenbergh (Jan Zabinski), Daniel Brühl (Lutz Heck)
e Timothy Radford (Ryszard Zabinski, o filho, criança), Val Maloku (Ryszard Zabinski, o filho, adolescente), Efrat Dor (Magda Gross, a amiga do casal), Iddo Goldberg (Maurycy Fraenkel), Shira Haas (Urszula, a garota estuprada pelos soldados nazistas), Michael McElhatton (Jerzyk, o ajudante dos Zabinski), Martha Issová (Regina Kenigswein), Daniel Ratimorský (Samuel Kenigswein), Frederick Preston (Miecio Kenigswein), Theo Preston (Stefcio Kenigswein), Viktoria Zakharyanova (Stefania Keningswein), Goran Kostic (Mr. Kinszerbaum)
Roteiro Angela Workman
Baseado no livro The Zookeeper’s Wife, de Diane Ackerman
Fotografia Andrij Parekh
Música Harry Gregson-Williams
Montagem David Coulson
Casting Elaine Grainger, Maya Kvetny
Produção Scion Films, Czech Anglo Productions, LD Entertainment, Rowe/Miller Productions. Distribuição Netflix.
Cor, 127 min (2h07)
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