O Banqueiro da Resistência / Bankier van het Verzet

Nota: ★★★☆

O Banqueiro da Resistência, produção holandesa de 2018, conta, com extrema competência, uma história real, absolutamente fascinante, importante – e que pouca gente conhecia, conforme o próprio filme frisa, acentua, destaca.

Entre 1942 e 1945, até poucos meses antes da rendição final da Alemanha nazista, um banqueiro, Walraven van Hall, operou um banco clandestino que financiava as operações da resistência aos invasores na Holanda, custeava os combatentes e ajudava as famílias de judeus e outros perseguidos pelo regime.

Van Hall, que os amigos chamavam de Wally, foi um grande herói, e prestou um trabalho absolutamente inestimável na luta contra os invasores nazistas dentro da Holanda. Mas, como contou com a ajuda de diversos colegas banqueiros, ao final da guerra foi costurado um acordo de silêncio entre os chefes das instituições financeiras. Revelar os métodos usados por Wally – era o que foi estabelecido entre eles – seria prejudicial ao sistema financeiro holandês e de seus vizinhos na Europa.

Só mais recentemente os detalhes da história vieram a público.

Um grupo de banqueiros interroga o colega

O roteiro usa o que chamo de narrativa-laço: a ação começa num ponto chave mais perto do presente – e depois volta-se no tempo, para um flashback que dura praticamente todo o filme, até bem perto do fim, quando então se retoma aquele momento mostrado no início.

Os roteiristas Marieke van der Pol e Thomas van der Ree e o diretor Joram Lürsen criaram, na primeira sequência, um clima de tensão, de expectativa de que algo muito grave, difícil, está para acontecer: um grupo grande de homens de terno e gravata caminha por vastos, longos corredores. A intenção clara é fazer o espectador acreditar que alguém ali será preso, acusado de graves crimes.

A música é grave, pesada, para ajudar na criação do clima soturno, denso.

Um letreiro informa: “Baseado em uma história real”.

O grupo entra num amplo gabinete, em que há uma longa, imaculada mesa de reuniões. Um homem de meia idade, vestindo terno impecável, que carregava uma maleta de executivo, é colocado sentado na cabeceira da mesa. A câmara o focaliza agora de frente – mas não mostra os vários homens que estão sentados ao redor da mesa.

Dá para perceber que aquele homem será interrogado.

Ele mesmo pergunta: – “Estou sendo acusado de algo?”

Um dos homens responde, a câmara fixa naquele que fez a pergunta:

– “Ainda não. Mas você nos deve explicações.”

E outra vez diz: – “O dinheiro, sr. Van Hall. Queremos saber o valor exato. E como o obteve.”

Ainda uma outra voz complementa: – “E onde ele está agora”.

São várias vozes de pessoas que a câmara – fixa em Van Hall – não mostra. São muitos os interrogadores. E aquilo é, sem dúvida, um interrogatório.

Van Hall – veremos que ele é Gijs van Hall (interpretado por Jacob Derwig, na foto abaixo), banqueiro, como seu irmão mais novo, Walraven van Hall, o Wally – olha para seus interrogadores. Ele diz: – “Vocês não têm idéia…”

Alguém propõe: – “Conte tudo, desde o princípio.”

A câmara vinha se aproximando lentamente do rosto de Van Hall. Agora o rosto dele está quase em close-up, ocupando boa parte da tela.

– “Começou com meu irmão. Tudo começou com Wally.”

Van Hall vai contar toda a história para aquele grupo de senhores engravatados reunidos em torno da grande mesa de reuniões. Começa o flashback.

Logo no início, a resistência pede ajuda a Wally

Um letreiro informa que estamos em 1942, em Zaandam, um subúrbio de Amsterdã.

A primeira sequência do passado mostra quem é Wally (interpretado por Barry Atsma, bom ator, boa pinta, na foto abaixo): há uma festa na ampla casa dele, diante de um belo canal. O banqueiro tem um casal de filhos aí entre 7 e 9 anos – e dá rapidamente para ver que tem adoração por eles. Sua mulher, Tilly (Fockeline Ouwerkerk), é bonita, simpática, e os dois são amorosos, carinhosos.

Em rápidas pinceladas, o filme mostra Wally como um bom sujeito, que tem uma família feliz.

A Holanda está ocupada pelos nazistas, assim como praticamente toda a Europa.

Um nazista é colocado na chefia do Banco da Holanda, o banco central do país. Chama-se Meinoud Rost van Tonningen, e o ator Pierre Bokma o interpreta de forma a deixar o espectador com imenso nojo da figura. Quando ele faz seu primeiro discurso após assumir o cargo, para banqueiros, gente da elite financeira de Amsterdã, Wally demonstra profundo desgosto.

– “Estamos no centro de uma das maiores revoluções na História da Europa”, diz Rost van Tonningen, vestido em uniforme militar. “A democracia capitalista sangrou até a morte. Esta não é a visão do Partido Nacional-Socialista, mas sim um fato.”

Pouco depois, um amigo que deveria se encontrar com Wally no banco que ele dirige não aparece. Wally fica preocupado, vai até a casa do amigo. Encontra todos mortos: a mulher dele e a filha tomaram veneno, o amigo se enforcou. Eram judeus.

À saída da casa do amigo, emocionado, chocado, ardendo de ódio pelos invasores de seu país, Wally é abordado por um estranho, que rapidamente se identifica como Van den Berg (Raymond Thiry). É um dos líderes da resistência holandesa. Tinha informações sobre Wally, sabia que ele era contra os nazistas, o nazismo, a invasão.

Van den Berg pede que o banqueiro se junte à resistência.

O filme, que tem pouco mais de 2 horas, ainda está com uns 15 minutos apenas.

Mostrará, então, como Wally organizou o banco secreto que financiou as atividades antinazistas na Holanda.

Uma história fascinante, que tinha que ser contada

Segundo informa o IMDb, os roteiristas Marieke van der Pol e Thomas van der Ree tiveram o auxílio de várias pessoas que conheceram os fatos relatados no filme – descendentes de gente que conheceu Wally van Hall, seu irmão Gijs e os demais envolvidos diretamente nas atividades do banco clandestino.

O próprio diretor Joram Lürsen admitiu em entrevistas que o filme foge um pouco da exatidão dos fatos, mas se manteve extremamente fiel ao contexto. Houve, parece, uma certa simplificação na explicação de como Wally operava com o dinheiro – o que é a coisa mais natural do mundo, alterar um pouco as coisas para efeito de dramatização, de obter uma narrativa mais fluente, mais interessante.

A coisa de como exatamente se dava a transação com dinheiro deve de fato ter sido extremamente complexa, porque confesso que não entendi quase nada da forma simplificada com que a questão é tratada no filme.

Joram Lürsen afirmou que o roteiro final foi submetido aos colaboradores voluntários, os descendentes das pessoas envolvidas na história, e todos o aprovaram.

O ator Barry Atsma ficou em contato com o filho de van Hall, Aad, que estava então com 82 anos.

É uma história de fato fascinante, que tinha mesmo que ser contada, divulgada, conhecida.

Spoiler. Quem não viu o filme deve pular para o próximo intertítulo

Ao final – e aqui há spoiler –, terminada a guerra, a Holanda libertada, a Europa pronta para ser reconstruída, um dos banqueiros diz para Gijs van Hall: – “Acho melhor não revelarmos essa história. Apesar das boas intenções, continua sendo um caso de fraude bancária. Incentivada por nossos bancos. Pelo bem da reconstrução, acredito ser melhor guardarmos isso para nós mesmos. Já temos problemas demais.”

Nos letreiros que vêm antes dos créditos finais – aqueles que, como em geral se faz nos filmes baseados em fatos reais, contam o que aconteceu com os principais personagens após a época focalizada na narrativa –, informa-se que Gijs van Hall entraria para a política. Foi senador e depois prefeito de Amsterdã.

Os letreiros informam também que o Fundo Nacional de Ajuda administrado por Wally van Hall movimentou o que equivaleria hoje a meio bilhão de euros. “Todos os empréstimos feitos pelo Fundo Nacional de Ajuda foram pagos pelo Estado.”

E conclui: “Apenas em 2010 um monumento foi erguido em honra de Walraven van Hall perto do Banco da Holanda.”

É um belo filme.

Foi o escolhido para representar a Holanda na corrida rumo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O diretor Joram Lürsen, nascido na cidade de Amstelveen em 1963, tem 25 títulos em sua filmografia, que incluem séries de TV, entre diversos longa-metragens.

O ator Barry Atsma é um dos mais requisitados do cinema holandês. A partir de 1993, apareceu em cerca de 20 séries de TV e 30 filmes. Ele está, por exemplo, em Loft (2010), Hector e a Procura da Felicidade (2014) e A Acusada (2014).

Viver sob ditadura é o horror do horror do horror

Fiquei pensando que este não é um filme de guerra, ou sobre guerra – embora a ação se passe em plena Segunda Guerra Mundial.

Mas a guerra não aparece. A guerra não estava presente ali em Amsterdã, como também não estava presente em Paris.

Eram cidades ocupadas pelos nazistas.

Então, este é um filme sobre a vida numa ditadura.

A resistência era contra a ditadura que os nazistas implantaram ali onde viviam aquelas pessoas.

O ambiente em que Wally e seus amigos transitavam era semelhante ao vivido pelos russos, ucranianos, georgianos, checos, poloneses, alemães orientais, durante a ditadura comunista, ou os brasileiros, argentinos, chilenos, uruguaios, em meados da segunda metade do século XX, quando boa parte da América do Sul viveu sob ditaduras militares de direita.

Ir contra a ditadura, lutar contra ela, é se expor à prisão e às mais terríveis torturas.

Viver sob ditadura é o horror do horror do horror, o inferno.
É apavorante ver este filme – ou qualquer outro sobre a vida num regime de força – e pensar que um terço da população brasileira, em pleno ano da graça de 2018, vota na personificação da ditadura.

Anotação em outubro de 2018

O Banqueiro da Resistência/Bankier van het Verzet

De Joram Lürsen, Países Baixos, 2018

Com Barry Atsma (Walraven van Hall, o Wally), Fockeline Ouwerkerk (Tilly van Hall, a mulher de Wally), Jacob Derwig (Gijs van Hall, o irmão mais velho de Wally), Raymond Thiry (Van den Berg), Matteo van der Grijn (Huub), Pierre Bokma (Meinoud Rost van Tonningen, o presidente do BC da Holanda), Ali Zijlstra (Jeanette Veentra), Jaap Spijkers (Ritter), Jochum ten Haaf (Jaap Buys), Filip Hellemans (SD Nazi), Daan Aufenacker (banqueiro do Nederlandse Bank), Aus Greidanus (Dirk Eemkkes), Julien Croiset (banqueiro van Roon), Mads Wittermans (Verkaik), Violette Vandervelden (Marleen van Hall),

Roteiro Marieke van der Pol e Thomas van der Ree & (não creditados) Matthijs Bockting, Michael Leendertse, Joost Reijmers, Pieter van den Berg

Fotografia Mark van Aller

Música Merlijn Snitker

Montagem Peter Alderliesten

Casting Shanti Besseling e Job Castelijn

Produção Dutch FilmWorks, NL Film, Evangelische Omroep,

Zilvermeer Productions, Mollywood, Nanook Entertainment

Cor, 123 min (2h03)

***

Título nos EUA: The Resistance Banker.

10 Comentários para “O Banqueiro da Resistência / Bankier van het Verzet”

  1. A resenha ia tão bem, pelo Sérgio Vaz…
    Até partir pra opinião com viés político (– e pensar que um terço da população brasileira, em pleno ano da graça de 2018, vota na personificação da ditadura.), e completamente sem sentido…
    Enfim, assisti ao filme,enco trei essa página buscando mais informações sobre esse herói que foi o Wally. Mas, Serjão, vc poderia/deveria se ater a comentar o filme, e ano suas opiniões políticas distorcidas…

  2. Vi ontem filme excelente história incrível. Ele foi um herói que lutou como pode para salvar pessoas.

  3. O horror do horror é o que pt fez roubou
    Deixou o país na lama e ainda vai disputar a eleição
    E com poderes corruptos apoiando ele
    E também a mídia gananciosa por dinheiro distorcendo fatos . Portanto quem quer um país prospero e justo sabe quem realmente quer o bem da nação

  4. É triste que pessoas não separam aquilo que é pertinente ao que se propõe, de opiniões particulares, e olhe só, essa resenha do
    filme que foi apresentada é de uma simplicidade banal. Prá dar um toque de intelectualismo entra no campo de viés político, a meu ver ainda do lado errado.

  5. Olá, Romelia!
    Não prestei atenção – não vi que aparece a canção “Perfídia” no filme. Mas, veja, “Perfídia”, embora tenha tido várias gravações no Brasil, é uma canção do mexicano Alberto Dominguez, composta em 1939…
    Muito obrigado por enviar o comentário! Um abraço!
    Sérgio

  6. Faço minhas as palavras de Eduardo Bolsonaro.

    A imprensa perdeu o seu lugar, esqueceu o seu compromisso ético de apenas relatar fatos, deixando a análise para o leitor. E com isso, o respeito de qualquer cabeça pensante.

    O papel do crítico é relatar os fatos associados ao enredo do filme. Totalmente dispensáveis os comentários a respeito do que ele pensa, ou deixa de pensar, a respeito da situação política do nosso país ou de qualquer outro.

    Perdeu todo o brilhantismo de sua resenha! Lamentável!

  7. Esse “Fabio”, que postou um comentário sem qualquer ligação com a resenha, demonstra a que ponto um lunático pela esquerda pode chegar!

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