O Jantar/The Dinner, produção americana de 2017, com um belo elenco (Richard Gere, Laura Linney, Rebecca Hall, Steve Coogan, mais Chloë Sevigny numa participação especial), é um filme pesado, duro, forte, violento. Daqueles que mostram um grande número de eventos terríveis, e – pior ainda – um grande número de pessoas desprezíveis, nojentas, asquerosas.
Não percebemos de cara como são tão desprezíveis, nojentos, asquerosos aqueles personagens. Tudo é bastante desagradável, ao longo de todos os 120 minutos do filme – mas o horror mesmo demora bastante a aparecer. O horror só é mostrado quando o filme já está se aproximando do fim – e é terrível demais, porque, depois do horror, ainda vem um horror pior. E depois ainda, nos últimos minutos do filme, o horror fica cada vez mais apavorante – é o horror do horror do horror do horror.
No último minutinho, há um toque que dá uma pequenina esperança de que, afinal de contas, pode ser que não fique, não continue assim tudo tão apavorantemente horroroso, horrorível. Mas é um toque rapidíssimo, e aí o filme termina.
Se o espectador sair do filme achando que a humanidade é, definitivamente, sem sombra de dúvida, uma invenção que não deu certo, um horror monstruoso, não é de se estranhar. Parece que essa era mesmo a intenção do autor do romance que deu origem ao filme.
Se, no entanto, o espectador se fiar naquela possibilidade de pequenina esperança, se achar que talvez haja pelo menos alguma coisa de aproveitável na humanidade, é porque o filme não foi fiel ao livro.
O romance, Het Diner, foi publicado em 2009, obra do autor holandês Herman Koch; traduzido em mais de 20 línguas, tornou-se best-seller e deu origem a três filmes. O primeiro, Het Diner, foi lançado em 2013; é uma produção da própria Holanda, dirigida por Menno Meyjes; nunca ouvi falar de qualquer um dos atores.
Em 2014 foi lançado I Nostri Ragazzi, produção italiana dirigida por Ivano De Matteo. O título é bastante bandeiroso, revela bastante do que se trata. No elenco estão Alessandro Gassman, filho do gigante Vittorio Gassman, e a maravilhosa Giovanna Mezzogiorno, no papel que na versão americana é o de Laura Linney.
Este filme aqui, o terceiro filme baseado no livro do holandês Herman Koch, foi dirigido por Oren Moverman, um produtor, roteirista e realizador nascido em Tel Aviv, Israel, em 1966, radicado desde a adolescência nos Estados Unidos. Moverman tem 14 títulos como roteirista e 17 como produtor, mas este aqui foi apenas seu quarto filme como diretor, depois de O Mensageiro (2009), um belo drama, Um Tira Acima da Lei (2011) e O Encontro (2014).
O roteiro adia a revelação do motivo do jantar
O filme foi admitido para participar da competição do Festival de Berlim de 2017. E aí aconteceu que o autor Herman Koch retirou-se da première do filme, durante o festival, no dia 10 de fevereiro de 2017. Recusou-se a ficar para a festa após a exibição do filme, não quis falar com o diretor nem com os atores. E, em entrevistas, desancou com o filme; disse que, dos três baseados em seu livro, este era “facilmente o pior”, e que o roteiro havia transformado uma história cínica em uma fábula moral.
Cacete! Se o cara considera que esse filme é uma fábula moral, então o livro deve ser um absoluto pavor!
Sim, porque o filme todo, como falei lá no início, conta uma história desagradável – e muitas vezes dá a impressão de que quer contá-la de uma forma desagradável, dura e nauseante como os fatos que narra.
E aí é que está. O filme – repito – só revela a que veio, só começa a mostrar qual é afinal seu tema, o que afinal está em jogo, quando a narrativa já se aproxima do meio.
Propositadamente, cuidadosamente, o roteiro elaborado pelo próprio diretor Oren Moverman vai adiando o quanto pode a revelação do motivo daquele jantar em restaurante chiquetérrimo, carésimo, que reúne dois irmãos e suas mulheres.
As primeiras imagens são mostradas de tal forma que o espectador não compreenda direito o que está acontecendo. É tudo propositadamente obscuro. Vemos um grupo de jovens, adolescentes, em uma festa, enchendo a cara de álcool e talvez também de maconha e alguma outra droga. Em paralelo, há tomadas em close-up de pratos delicados, bem frescos, sendo preparados.
Os primeiros personagens que vemos são o casal interpretado por Steve Coogan e Laura Linney. Claire Lohman está se maquiando diante de um espelho e uma penteadeira em seu quarto; Paul Lohman anda pelo quarto, dizendo que não quer ir ao jantar. Claire diz que eles vão comer e beber bem, que o restaurante é disputadíssimo, em geral é dificílimo de se conseguir uma reserva ali, e felizmente será Stan que pagará tudo.
Paul continua falando mal de tudo, reclamando de ter que ir ao jantar. Depois vai até o quarto do filho único do casal, Michael (Charlie Plummer), adolescente de 16 anos, pega o celular do garoto, fuça nele. Michael aparece, pergunta o que o pai está fazendo ali – parece haver um pacto de que a presença dos pais é proibida no quarto do garoto. Há uma conversa rápida entre os dois – e aí surge Anna (Laura Hajek), uma amiga de Michael, moça mais velha, de uns 20 anos. Paul pergunta se ela fuma, ela diz que não.
E Paul e Laura saem em direção ao restaurante chiquetérrimo em que vão se encontrar com Stan e sua jovem mulher Katelyn.
As sinopses revelam o que o filme só mostra no final
Veremos que Stan Lohman (o papel de Richard Gere) é deputado, e um deputado bastante conhecido, famoso. No dia seguinte seria votada uma lei importante na Câmara, a House of Representatives, de autoria dele. E ele estava se preparando para anunciar sua candidatura ao governo do Estado.
Stan e Katelyn (o papel de Rebecca Hall) chegam numa limousine, onde estão dois assessores dele, além do motorista. Nina (Adepero Oduye), veremos, é a principal assessora do deputado, cuida da agenda, de todos os compromissos dele, atende ao telefone, leva para o chefe quando quem quer falar é um político muito importante.
Katelyn está visivelmente irritada com o marido, quando chegam para o jantar.
Os casais se cumprimentam de forma afetuosa – mas é absolutamente claro que os dois irmãos não se dão nada, nada, nada bem. E que Katelyn está incomodada, chateada, irritada.
Com o tempo, veremos que Katelyn cuida dos três filhos do primeiro casamento de Stan, com Barbara (o papel de Chloë Sevigny), que aparece em alguns flashbacks. O mais velho é Rick (Seamus Davey-Fitzpatrick), que regula com o primo Michael, tem aí uns 16 anos. Beau (Miles J. Harvey) tem pouco menos, uns 15, e é adotado, assim como Val (Emma Mudd). Veremos também que Stan e Barbara tiveram dificuldades na criação dos dois meninos adotados; são um tanto problemáticos.
Val, a menina, não terá importância alguma na história. Beau, o garoto negro adotado, seu irmão Rick e o primo deles Michael é que terão importância grande, fundamental na trama.
É por causa deles que os dois casais se reuniram para aquele jantar – como revela o título do filme italiano baseado no livro, I Nostri Ragazzi, os nossos meninos.
Mas aí é que está, repito. O filme só revela para o espectador que os dois casais estão ali reunidos para falar dos filhos quando estamos com uns 40 minutos de narrativa. E exatamente o que os filhos fizeram, a ação que motivou a necessidade de seus pais se reunirem para decidir o que fazer – aquilo que lá atrás chamei de o horror – só é mostrado bem depois da metade dos 120 minutos de duração do filme.
No entanto, lamentavelmente, muito lamentavelmente, várias sinopses do filme já revelam de cara o motivo do jantar e o que foi que os três rapazes fizeram. A única frase da sinopse do IMDb conta tudo.
É um absurdo. É um baita spoiler. Uma coisa absolutamente sem sentido.
“Aperitivos”, “Entrada”, “Prato Principal”…
Vou transcrever mais abaixo a sinopse do IMDb – mas, antes de partir para esse spoiler, gostaria ainda de fazer alguns registros.
O filme vai apresentando, como se fossem títulos de capítulos, os nomes dos trechos de um jantar finíssimo num restaurante carésimo. Temos, então, “Aperitivos”, “Entrada”, “Prato Principal”, “Queijos”, “Sobremesa” e “Digestivo”. Nisso, o filme repete o que vi que existe no romance de Herman Koch.
A cada uma dessas etapas, o maître do restaurante, Dylan Heinz (Michael Chernus), descreve em detalhes, em muitos detalhes, do que é feita cada coisa, como é preparada cada coisa. Aquilo que os gourmets apreciam – e que, para o resto da humanidade, e especialmente para os ogros como eu, é uma chatice atroz, um pé no saco.
A cada momento, acontece alguma coisa que faz o deputado Stan se levantar da mesa – a assessora Nina o chama para um telefonema importante que tem que ser atendido, uma coisa, outra, e mais outra.
Às vezes é Paul que se levanta, sai da mesa, anda pelo restaurante, sai.
E, a cada momento, há um flashback para mostrar algo importante do passado dos dois irmãos, os motivos das eternas rusgas entre eles, algo relacionado aos filhos quando eram pequenos.
Nada disso é gratuito, é claro. É tudo cuidadosamente preparado pelo roteirista e diretor Oren Moverman para: a) adiar o início da conversa séria entre os quatro, a conversa que motivou o jantar e todos eles sabiam que era absolutamente necessária; b) mostrar, escancaradamente, como é chique e caro o jantar, como é nojentamente absurdo se gastar numa refeição o dinheiro que alimentaria uma família durante meses; e c) causar impaciência, desconforto, descontentamento no espectador, deixá-lo irritado.
É absolutamente necessário dizer que o realizador consegue obter todos os três efeitos que pretende com tudo aquilo.
É um filme para demonstrar como é disfuncional, errada, injusta, a forma com que a sociedade se organiza.
Chegou a hora do spoiler.
Não vou relatar detalhe algum – mas, de qualquer forma, é preciso avisar com todas as letras: o que vem a seguir é spoiler, revela o que só é mostrado bem depois da metade do filme. Se o eventual leitor ainda não viu este O Jantar, deveria parar por aqui.
Atenção: o que vem agora é spoiler.
Eis a sinopse spoilerenta do IMDb:
“Dois casais de pais ricos se encontrar para jantar e decidir o que fazer sobre o crime que seus filhos cometeram.”
Não teria sentido algum relatar qual foi e como foi o crime. Basta dizer que foi um crime hediondo, absolutamente hediondo.
O que é mais hediondo ainda, ou no mínimo tão hediondo quanto, é que três dos quatro que estão ali acham que nada deve ser feito – como a polícia não identificou os autores do crime, e não tem elementos para identificar, três das quatro pessoas reunidas ali acham que tudo deve permanecer como está. Que nada deve ser revelado à polícia, à Justiça. Que tudo deve ser esquecido, e pronto.
É chocante. É apavorante.
É realmente daquelas coisas que fazem a gente pensar que de fato a humanidade é uma invenção que não deu certo.
Chocante, apavorante é a história, as ações dos personagens.
Não o filme. É um belo filme – porque ele expõe o horror daquele crime absurdo cometido pelos filhinhos de papai e o crime absurdo que é deixar os criminosos impunes.
Expor o horror não é algo ruim, muito ao contrário. É absolutamente necessário, até para fazer com que as pessoas evitem repetir o horror.
O Jantar expõe os dois crimes horrorosos como tantos bons filmes expuseram, por exemplo, os crimes do nazismo. Expor o horror é necessário.
Chocante, apavorante, insano é o autor do livro achar que uma fábula moral é o que existe de ruim.
Anotação em janeiro de 2020
O Jantar/The Dinner
De Oren Moverman, EUA, 2017
Com Richard Gere (Stan Lohman, o irmão mais velho), Steve Coogan (Paul Lohman, o irmão mais novo), Laura Linney (Claire Lohman, a mulher de Paul), Rebecca Hall (Katelyn Lohman, a mulher de Stan)
e Chloë Sevigny (Barbara Lohman, a primeira mulher de Stan), Adepero Oduye (Nina, a assessora de Stan), Michael Chernus (Dylan Heinz, o maître do restaurante), Charlie Plummer (Michael Lohman, o filho de Paul e Claire), Seamus Davey-Fitzpatrick (Rick Lohman, filho de Stan e Barbara), Miles J. Harvey (Beau Lohman, filho de Stan e Barbara), Joel Bissonnette (Antonio, o gerente do restaurante), Laura Hajek (Anna, a amiga de Michael), Onika Day (Moriah, a homeless), Judah Sandridge (Beau aos 7 anos), Jesse Dean Peterson (Michael aos 8 anos), Ben Snyder (Rick aos 8 anos), Emma Mudd (Val Lohman, a filha de Stan e Barbara), Stephen Lang (o narrador sobre Gettysburg), Taylor Rae Almonte (Kamryn Velez), George Shephard (Stephen Whitney), Dominic Colón (Rafael)
Roteiro Oren Moverman
Baseado no romance de Herman Koch
Fotografia Bobby Bukowski
Montagem Alex Hall
Casting Jodi Angstreich, Maribeth Fox, Laura Rosenthal
Produção ChubbCo Film, Blackbird, Code Red.
Cor, 120 min (2h).
***
O filme não merece tamanha crítica! Inconsistente, lento, aborrecido!
Chato mesmo. Muito enfeite para pouco bolo.
Uma péssima história, sem pé nem cabeça que acaba no meio não sei de quê. PERDA DE TEMPO QUE CAUSA RAIVA EM QUEM ASSISTE!!!