De Volta para o Futuro Parte III / Back to the Future Part III

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A trilogia De Volta para o Futuro termina com um western, o mais antigo e mais tradicional gênero do cinema americano. Depois de sair de sua cidadezinha californiana, Hill Valley, em 1985, e viajar para 1955, depois para 2015, depois de novo para 1985, e de novo para 1955, a dupla Marty McFly e Doc Brown vão para a Hill Valley de 1885.

De Volta para o Futuro Parte III tem índios selvagens, a Cavalaria dos Estados Unidos da América atacando índios selvagens, o saloon cheio de veteranos bebendo o dia inteiro e as putas à espera de freguês no andar de cima, um bandidão e sua quadrilha sempre dispostos a chamar alguém para uma briga e um duelo na rua, o homem da funerária doido para que haja duelos, o casal de pioneiros chegados da Irlanda, o baile ao ar livre no melhor estilo de Paixão dos Fortes/My Darling Clementine, o clássico do mestre John Ford de 1946.

Um perfeito western.

Como sempre faz falta uma história de amor, há também um romance, um delicioso romance entre o cientista doidão Doc Brown (Christopher Lloyd) e uma gentil, simpática, inteligente, avançada professorinha que chega a Hill Valley, Claire – o papel da doce Mary Steenburgen.

Consta que Mary Steenbergen ficou um tanto em dúvida se aceitava o convite para fazer o principal papel feminino da Parte III daquela trilogia um tanto voltada para jovens. Os filhos dela é que insistiram, entusiasmados, para que ela topasse.

Doc Brown e Claire sentem imediata atração um pelo outro desde a primeira vez em que se vêem, numa sequência deliciosa: os cavalos que puxam carroça em que Claire está carregando todos os seus pertences na chegada à região de Hill Valley saem em galope furioso após passarem por uma cobra. Por acaso, Doc Brown e Marty estavam cavalgando por ali. Ao ver a carroça em desabalada carreira, rumando para um grande precipício, Doc Brown põe seu cavalo para correr, e, na última hora, no momento em que a carroça vai cair o despenhadeiro, agarra a professora e a puxa para o colo.

Olham-se de perto pela primeira vez na vida – e é paixão fulminante.

O amor cresce, se solidifica, quando descobrem que os dois são igualmente fãs de ciência, e dos livros futurísticos de Jules Verne. Doc Brown suspira e diz que se apaixonou por Jules Verne quando ainda era uma criança – ao que a doce Claire se espanta: mas como, se o primeiro livro dele foi lançado há apenas dez anos?

O bebê bisavó faz xixi no bisneto

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, escreveu Luiz Vaz de Camões, uns 300 e tantos anos antes de Doc Brown e Claire se conhecerem no Velho Oeste, mas, se há alguma coisa no mundo que não muda é o caráter de algumas famílias da cidadezinha de Hill Valley. Os Bannen sempre foram gente ruim, violenta, chegada a brigas, arruaças, problemas. Na Parte I, Biff Bannen (interpretado pelo grandalhão Thomas F. Wilson), em 1955, inferniza a vida do adolescente George McFly, que viria a ser o pai de Marty McFly, o herói da saga – o papel de Michael J. Fox.

Em 1885, um antepassado de Biff, um tal de Buford Tannen, que detestava o apelido de Mad Dog, cachorro louco, implicava com o colono irlandês Seamus McFly, e infernizava sua vida.

Claro que Mad Dog Tannen é interpretado pelo mesmo Thomas J. Wilson dos dois primeiros filmes. E Seamus McFly é feito por um Michael J. Fox de bigodão e fortíssimo sotaque irlandês. Claro também que a jovem esposa de Seamus, Maggie, é interpretada por Lea Thompson, a mesma atriz que faz Lorraine, a mãe de Marty McFly, tanto a Lorraine adolescente em 1955 quanto a madura mal de vida e a madura bem de vida de 1985 e a madura turbinada por silicone da realidade alternativa de 1985.

O jovem casal Seamus e Maggie McFly tinha um filhinho bebê aí de pouco menos de um ano de idade, William (se não me engano). Numa cena deliciosa, Marty segura William no colo e conversa com ele – William viria a ser seu bisavô. O bisavô dá uma bela mijada no garotão que viria a ser seu bisneto.

Clint Eastwood? Que raio de nome é esse?

Uma das ótimas piadas da Parte III é que, quando se prepara para entrar no DeLorean máquina do tempo e viajar para 1885 para se encontrar com Doc Brown, Marty veste umas roupas que, em 1955, imaginava-se que seriam parecidas com as roupas usadas no Velho Oeste. Mas são roupas parecidas com as usadas pelos caubóis nos westerns muito ruins, de produção B, criadas por figurinistas pouco talentosos, após pouca pesquisa, e com pouco dinheiro.

Então ele chega à Hill Valley de 1885 vestido meio como um palhaço – e todo mundo morre de rir dele. Quando perguntam seu nome, ele responde com o primeiro nome ligado ao Velho Oeste que ocorre a um adolescente de 1985: Clint Eastwood.

Marty, que na Parte I a jovem Lorraine em 1955 chama de Calvin Klein por causa da cueca Calvin Klein que usa, passa quase todo o tempo na Parte III sendo chamado de Clint Eastwood. E quando, depois de algum tempo na cidade, troca a roupa que não presta por roupa parecida com a que todo mundo usava, fica com um figurino bem parecido com o de Clint Eastwood nos westerns spaghetti de Sergio Leone.

A primeira vez que ele diz como se chama, respondendo a uma pergunta de um dos frequentadores do saloon, todo mundo ali cai na risada. – “What kind of stupid name is this?”, pergunta alguém. Que diabo de nome idiota é esse?

Um parêntese; Clint Eastwood não é um nome artístico daquele senhor que é hoje um monstro sagrado do cinema mundial, um dos maiores realizadores da História. Não sei foi batizado, mas registrado sabe-se que ele foi com o nome de Clinton Eastwood Jr.

Ainda sobre Clint Eastwood:

Quando Doc e Marty estão num drive-in, em 1955, preparando o DeLorean para a viagem até 1885, Marty – que tinha vindo de 1985 – menciona o nome de Clint Eastwood para aquele Doc que ainda não havia viajado para o futuro. Doc pergunta: – “Clint o quê?”

Ali naquele drive-in de 1955, podem ser vistos – se o espectador for muito, mas muito observador e não perder nada que aparece na tela, por mais rápido que seja – pôsteres dos filmes Revanche do Monstro e Tarântula, duas produções daquele ano de 1955, em que trabalha, em papéis mínimos, um jovem ator californiano chamado Clint Eastwood.

Marty percebe que se referiu a alguém que o Doc de 1955 não poderia conhecer, e então diz: – “Tá certo, você ainda não ouviu falar dele”.

Em tempo: eu reparei na piada, na pergunta de Doc, na resposta de Marty, é claro. Mas não reparei nos cartazes de Revanche do Monstro e Tarântula, e não sabia que o principiante Clint teve papéis, ainda que mínimos, nesses filmes. A informação está no IMDb – é um dos 144 itens da página de Trivia do grande site enciclopédico sobre a Parte III. (Eram 144 agora, quando escrevo esta anotação; o número, claro, pode crescer.)

Outro daqueles 144 itens informa que a produção, naturalmente, pediu permissão a Clint Eastwood para usar o nome dele. Em 1989, ano da produção do filme, o cara já era um astro imenso – e, como diretor, já havia feito 13 filmes, se minhas contas estiverem certas. Dois anos depois do lançamento da Parte III, em 1992, lançaria sua obra-prima Os Imperdoáveis, o filme que o colocaria definitivamente entre os grandes diretores de cinema do mundo.

Consentiu que seu nome fosse usado, é claro. Consta que gostou muito da homenagem.

“Muita graça, efeitos especiais e imaginação”

A Parte III foi a de que Leonard Maltin mais gostou – e a que menos agradou a Roger Ebert. Engraçado, isso.

Maltin deu 3.5 estrelas em 4 (foram 3 estrelas para a Parte I e 2 estrelas para a Parte II):

“A deliciosa conclusão dessa trilogia sobre viagem no tempo manda Fox de volta para o Velho Oeste, por volta de 1885, à procura de Lloyd – esperando poder mudar a história e impedindo que ele fosse morto pelas costas por um bandido. O gênero western, que andava meio adormecido, ganha uma boa dose de adrenalina com essa aventura cômica high-tech, poderosa, que oferece muita graça, sensacionais efeitos especiais e imaginação saindo pelo ladrão. Há de fato mágica aqui.”

Que maravilha que cada cabeça tenha uma sentença.

Roger Ebert havia dado 3,5 estrelas para a Parte I e 3 estrelas para a Parte II. Para o último filme, deu apenas 2.5 estrelas. Transcrevo o começo e o fim do texto dele:

“Uma das delícias dos dois primeiros filmes Back to the Future era a forma com quem a história se movia vertiginosamente através do tempo. Os paradoxos vinham em cima de paradoxos, até que tínhamos que deixar de lado qualquer tentativa de acompanhar a trama num nível racional, e nos entregarmos ao fluxo do tempo. Essa qualidade de espelhos não está presente em Back to Future Part III, que faz uns poucos acenos às complexidades das viagens no tempo, e então se aquieta num western cômico rotineiro.”

Tenho a maior admiração e o maior respeito pelo Ebert, mas aqui discordo dele em tudo. Acho que dava, sim, para acompanhar as idas e vindas no tempo num nível racional, nas Partes I e II. E não acho que a história se aquiete num western cômico rotineiro.

Meu, como assim? É rotineiro meter um trem de 1885 para sair ganhando mais e mais velocidade empurrando um DeLorean até que ele atingisse, sei lá, 150 km por hora e chispasse para outra dimensão? É rotineiro termos um sujeito que passa a noite inteira em um saloon falando sem parar, segurando um copinho de uísque na mão, sem levá-lo à boca? É rotineiro uma senhorinha de impecável vestido longo sair cavalgando, pular num trem que viaja em alta velocidade, e ir andando do lado de fora dele até a locomotiva?

Ah, Roger Ebert, vá…

Bem, mas o grande crítico lá pelas tantas escreve:

“Um elemento da história do Velho Oeste que é doce e gostoso: o romance entre o excêntrico Doc Brown e uma mulher local chamada

Clara (Mary Steenburgen). Eles se apaixonam à primeira vista, e então Doc começa a pensar sobre seus deveres para com o futuro e a humanidade, e ele fica deprimido com os problemas que criou para o mundo ao inventar a viagem no tempo, e então decide que é seu dever voltar à sua época e deixar a pobre Clara para trás. Mas isso é mais fácil de falar do que fazer, porque não existia gasolina no passado, e McFly tinha arrebentado o tanque de gasolina do DeLorean (…)’

E ele conclui:

“A única coisa que permanece constante em todos os filmes Back to the Future, e da qual eu fosto especialmente, é uma espécie de qualidade doçamarga, elegíaca, envolvendo romance e tempo. No primeiro filme, McFly voltou no tempo para se assegurar que seus pais teriam mesmo seu primeiro encontro. O segundo envolveu o seu próprio romance. O terceiro envolve Doc Brown e Clara. Em todas essas histórias, há a percepção de que o amor depende inteiramente do tempo; os amantes gostam de pensar que seu amor é eterno, mas eles em algum momento percebem que ele depende inteiramente de uma coincidência temporal, já que eles se eles não estivessem vivos ao mesmo tempo o romance não poderia acontecer.”

Pena que a vida real não é tão divertida

E acho que vou parando por aqui. Vimos os três De Volta para o Futuro num esquema de maratona, num sabadão. Faz quatro dias que estou escrevendo sobre a trilogia, Acho que já está de bom tamanho.

Só quero contar mais uma piadinha: Mary e eu resolvemos ver a trilogia toda de novo por causa de Jair Bolsonaro.

Numa sexta-feira deste mês de fevereiro de 2019, vi um post delicioso no Facebook: uma foto de Doc-Christopher Lloyd com Marty-Michael J. Fox, com a seguinte frase: – “Marty, você precisa impedir que os pais de Bolsonaro se conheçam!”

Morri de rir, compartilhei a foto no Facebook – e me peguei pensando em como seria a abertura do meu texto sobre o primeiro filme da série. Comentei isso com Mary, e ela, de bate-pronto, sugeriu: e por que a gente não revê os filmes?

Que pena que a vida – em especial no Brasil de hoje – não é tão divertida quanto a ficção.

Anotação em fevereiro de 2019

De Volta para o Futuro Parte III/Back to the Future Part III

De Robert Zemeckis, EUA, 1990

Com Michael J. Fox (Marty McFly / Seamus McFly), Christopher Lloyd (Dr. Emmett Browm), Mary Steenburgen (Clara Clayton)

e Thomas F. Wilson (Buford “Mad Dog” Tannen / Biff Tannen), Lea Thompson (Maggie McFly / Lorraine McFly), Elisabeth Shue (Jennifer),

Matt Clark (o homem do bar), Richard Dysart (o vendedor de arame farpado), Pat Buttram (veterano no saloon), Harry Carey Jr. (veterano no saloon), Dub Taylor (veterano no saloon), James Tolkan (xerife Strickland), Marc McClure (Dave McFly), Wendie Jo Sperber (Linda McFly), Jeffrey Weissman (George McFly), Hugh Gillin (o prefeito), Burton Gilliam (o vendedor dos revólveres Colt), Bill McKinney (engenheiro), Flea (Needles), Marvin J. McIntyre (o homem da funerária)     

Roteiro Bob Gale

Argumento Robert Zemeckis e Bob Gale

Fotografia Dean Cundey

Música Alan Silvestri

Montagem Arthur Schmidt e Harry Keramidas

Produção Neil Canton, Bob Gale, Universal Pictures, Amblin Entertainment. Produtores executivos Kathleen Kennedy, Frank Marshall e Steven Spielberg.

Cor, 118 min (1h58)

R, ***

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