Em O Leopardo, seu único livro, o príncipe Giuseppe Tomasi Lampedusa colocou na boca de Tancredi Falconeri, o sobrinho predileto do protagonista, o príncipe de Salina, don Fabrizio Corbera, a frase que se tornou histórica: “Se quisermos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude”.
O livro do príncipe de Lampedusa é amplamente reconhecido como um dos mais importantes da literatura italiana e um dos melhores romances históricos já escritos. No extraordinário filme baseado nele, dirigido por Luchino Visconti, ele mesmo um aristocrata, filho do duque de Modrone, a frase é dita por Alain Delon: “Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi”.
O Leopardo mostra como o príncipe de Salina, na Sicília, vê desmoronar o estilo de vida dos nobres com a ascensão de uma nova classe dominante, a burguesia, durante o Risorgimento, o período conturbado de lutas que levou à unificação da Itália, entre 1815 e 1870.
Tudo precisa mudar para que tudo permaneça o mesmo.
Me parece que a saga da família de Robert Crawley, o conde de Grantham, nos anos 1920, contada na magnífica série Downton Abbey, mostra uma tese um pouco semelhante à de Lampedusa em O Leopardo – um pouco semelhante, mas significativamente diferente. Algo assim: como tudo está mudando mesmo, temos que mudar muito para que algumas coisas permaneçam parecidas com o que eram no passado.
É. Acho que é isso que a série mostra – e a sexta e última temporada reafirma e resume com brilhantismo.
Uma série que faz a defesa do avanço dos costumes
Vale perfeitamente para a sexta temporada o que escrevi sobre a quinta:
Esta é uma série que faz a defesa do avanço dos costumes, dos hábitos. Que condena, com veemência, o atraso, os preconceitos, as intolerâncias de todos os tipos.
Na sexta e última temporada, Downton Abbey volta a atacar com virulência os preconceitos sociais todos, o classismo tão entranhado na sociedade inglesa, o machismo.
É uma série dedicada ao anti-caretismo.
Reacionários babantes, anti-progressistas xiitas e fundamentalistas religiosos de todos os tipos e quadrantes poderão se sentir gravemente ofendidos por esta série extraordinária. Seria melhor que eles a evitassem.
E, sim, a última temporada confirma que, na minha opinião, esta é a melhor série de TV que já foi feita.
A partir daqui haverá spoilers – em especial para quem não viu as outras temporadas
Como a partir de agora vou comentar fatos mostrados na sexta temporada, é fundamental lembrar que haverá spoilers para quem ainda não viu os nove episódios exibidos originalmente na TV britânica em 2015 – e também para quem ainda não assistiu às temporadas anteriores.
Quem ainda não viu Downton Abbey até o final deveria parar de ler aqui.
A sexta temporada se passa em 1925, 13 anos após o começo da saga
Os nove episódios da sexta e última temporada se passam em 1925. Treze anos, portanto, depois do início da saga – no primeiro episódio da primeira temporada, chega a Downton Abbey, a mansão do conde de Grantham, no condado de York, a notícia de que o Titanic tinha afundado em sua viagem inaugural, em 15 de abril de 1912.
Um dos temas centrais do primeiro episódio agora – e também de todos os demais desta sexta temporada – é a necessidade de cortar gastos, reduzir o número de empregados. Robert, o conde (Hugh Bonneville), tem certeza de que os tempos mudaram, e é preciso reduzir custos – e até o mordomo, Mr. Carson (Jim Carter), que é muitíssimo mais realista que qualquer rei, admite que tem que enxugar o pessoal, mesmo a equipe de serviçais estando bem menor do que já havia sido no passado.
A certa altura, o próprio Mr. Carson diz: – “Dentro de 20 anos, duvido que haja um lacaio trabalhando em Downton. Lady Edith já vive sem criada. E, se acontecesse de Anna sair, duvido que Lady Mary procuraria uma substituta”.
Lady Mary Crawley (Michelle Dockery) é a filha primogênita do conde, que ficou viúva no finalzinho da terceira temporada. Lady Edith (Laura Carmichael) é a segunda filha. Anna (Joanne Froggatt) é a criada de caráter perfeito, que se casou com John Bates (Brendan Coyle), o valet do conde.
Há, ao longo de toda a temporada, diversas, diversas, diversas ocasiões em que aparece o tema cortar gastos, reduzir a criadagem.
Não é com prazer que a família admite isso – até porque são pessoas boas, que têm apreço pelos serviçais e não gostariam que qualquer um deles perdesse o emprego. Mas todos entendem que é necessário mudar – ou então acaba.
O empregado mais dispensável, entre os que sobraram nos andares inferiores de Downton Abbey, é o criado mais antigo, que tem uma posição assim de submordomo, Thomas Barrow (Rob James-Collier, na foto acima). Barrow era um mau caráter insuportável, nas primeiras temporadas. Mas apanhou muito na vida, inclusive por ser homossexual, numa época em que a homossexualidade era crime que dava cadeia na Grã-Bretanha. Foi ficando isolado, sem amigos, sem aliados – e acabou se tornando uma pessoa melhor.
Numa fala que define o momento, o mordomo Carson diz a ele: – “Você é o submordomo, um cargo que remonta a lembranças de um mundo perdido – e ninguém sente mais dizer isso do que eu.”
Assim, mesmo antes de ser avisado de que vai de fato ser demitido, Barrow passa a procurar emprego. E vai vendo que, em 1925, as famílias que ainda podem pagar serviçais não procuram um criado, ou um valet, ou um motorista – mas alguém que faça tudo ao mesmo tempo, que seja tudo isso.
A temporada mostra famílias aristocratas que perderam tudo
Há duas seqüências que chegam a emocionar mesmo quem sempre foi virulentamente contra a existência de pessoas, famílias, grupos de gente que desfrutam de imensa riqueza – essa coisa ofensiva diante da existência de tanta pobreza, tanta miséria neste mundo que às vezes parece ser mais do diabo do que de Deus.
Numa delas, Barrow vai a uma grande propriedade de um nobre, uma mansão quase tão imponente quanto a própria Downton Abbey – e quase tudo, quase todos os trocentos aposentos estão inteiramente vazios, uma óbvia demonstração de que o aristocrata foi vendendo tudo o que seus antepassados foram juntando ao longo dos séculos para poder pagar suas contas. E, se fosse admitido ali, Barrow seria o único serviçal além de uma moça que era ao mesmo tempo cozinheira e arrumadeira.
A outra sequência tristérrima mostra um aristocrata vizinho e amigo de Robert, o conde, fazendo um leilão dos objetos da família. Está quebrado, sem dinheiro para manter a propriedade e, depois de vender a propriedade em si, põe à venda tudo o que está nela. Até o quadro gigantesco de uma antepassada. Até mesmo um presente que foi dado a ele pelos próprios empregados.
O fim de uma era, o fim de um tipo de civilização é algo muito, muito triste. A sexta temporada de Downton Abbey mostra isso mais uma vez. Mesmo quando é um estilo de civilização iníquo, baseado numa tremenda injustiça, um Grand Canyon, um Amazonas entre os que têm demais e os que têm de menos.
Mas aí há algo que talvez não seja a mais verdadeira tradução da vida real: no mundo mostrado em Downton Abbey, há pobreza, mas não há miséria. Nunca há miséria. E a pobreza não chega a ser humilhante: os pobres têm uma vida digna.
Não sei dizer até que ponto isso é uma visão cor-de-rosa da realidade ou se, no interior, no campo, era assim mesmo, e a miséria se concentrava nas grandes cidades – a miséria absoluta, apavorante, que Charles Dickens dissecou tão profundamente em seus livros.
Com ênfase, a temporada repisa que sem educação não há saída
Repisa-se, nos nove episódios desta temporada final, aquela coisa óbvia, clara como água da fonte: a educação é fundamental, e é só com a educação, através da educação, que as pessoas podem crescer – crescer como seres humanos, e também ter oportunidade para melhorar de vida.
Daisy (Sophie McShera, à direita na foto acima), a ajudante de cozinha, vai estudar, e vai se dar muito bem nos exames da escola do vilarejo. Molesley (Kevin Doyle), um dos criados, um autodidata, leitor fervoroso de bons livros, terá até mesmo a oportunidade de dar aulas na escola.
Julian Fellowes, o criador da série e autor do argumento e roteiro de todos os episódios da temporada final, criou um personagem analfabeto, para realçar dois pontos fundamentais: a necessidade de educação, e a necessidade de combatermos sempre, a cada dia, a cada momento, a homofobia.
Andy (Michael Fox), o mais jovem criado da mansão, evita contatos com Thomas Barrow como o diabo foge da cruz. Muito seguramente porque ouviu as histórias de que Barrow é homossexual.
Pois muito bem. Lá pelas tantas, o espectador mais atento percebe (Mary percebeu bem antes de mim) que Andy é analfabeto.
Barrow percebe aquilo antes dos demais. E se propõe a ensinar o rapaz a ler e escrever. Passam então a ficar algum tempo juntos, à noite, depois de terem feito todos os deveres de empregados.
Pois não é que o fato de estarem juntos em um mesmo quarto – um ensinando o outro a ler e escrever – provocará suspeitas de que estivessem…?
Após apontar que é um erro absurdo as pessoas ficarem achando que dois homens em um quarto indica necessariamente sacanagem, Downton Abbey demonstra que fora do conhecimento, do estudo, não há saída, não há salvação.
Ao contrário da sociedade britânica tradicional, Downton Abbey não é classista
Interessante: até aqui, realcei as informações sobre os serviçais, sem falar dos habitantes dos andares superiores, os nobres, os ricos.
Talvez porque Downton Abbey, ao contrário da sociedade britânica tradicional, não seja classista. A série dá a mesma importância aos habitantes dos andares de baixo, os serviçais, que dá aos dos andares mais altos, os nobres, os ricos, os poderosos.
E, com especial maestria, a trama criada por Julian Fellowes interliga as vidas dos ricos às dos seus serviçais. É tudo, sempre, o tempo todo, absolutamente entrelaçado.
No episódio 4, há uma sequência extraordinária, uma belíssima sacada do autor Julian Fellowes sobre ascensão social, essa coisa que – como bem lembra Tom Branson (Allen Leech), o irlandês ex-chofer da família que havia se casado com Lady Sybil, a mais jovem das três filhas do conde – sempre foi absolutamente normal nos Estados Unidos, mas na Grã-Bretanha daquelas primeiras décadas de século ainda não era muito bem aceita pela nobreza, da mesma maneira que na Sicília de 1860 do príncipe de Salina.
A irmã do conde, Lady Rosamund Painswick (Samantha Bond), que mora em Londres, estava passando uma temporada em Downton, e demonstrou interesse em conhecer a experiência que estava sendo levada a cabo numa universidade na região de York chamada Hillcroft. Hillcroft estava fazendo um grande esforço para ajudar mulheres a entrar no mundo até então masculino das faculdades britânicas. E então, a pedido dela, o conde e a condessa (ela, interpretada pela sempre maravilhosa Elizabeth McGovern) convidam para um almoço o tesoureiro daquela universidade, um sujeito importante, John Harding (Philip Battley, na foto acima).
Harding chega a Downton com sua jovem mulher, que na verdade é quem o incentivou a fazer esse trabalho magnânimo, altruísta, importante, pela educação das mulheres. Gwen (Rose Leslie, na foto acima) havia trabalhado como criada em Downton Abbey antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Deixara o trabalho como criada – em boa parte graças ao incentivo e à ajuda de Lady Sybil, –, havia se tornado secretária em uma companhia telefônica, depois havia trabalhado como funcionária pública, e então conheceu o homem muito rico com quem se casaria.
Gwen não sabia que estava indo almoçar exatamente na mansão em que havia trabalhado como criada: o marido havia dito a ela que tinham sido convidados por uma Lady Painswick, e o nome não significava nada para ela.
Uma sequência esplêndida, cheia de significado, sobre ascensão social
É uma situação de saia justa. Justíssima.
Gwen não abre o jogo, não conta logo de cara que já havia trabalhado ali.
Anna, a camareira de Lady Mary, a reconhece, assim com Tom Branson, mas o conde, a condessa e as duas filhas, Mary e Edith, não – o que é absolutamente natural.
Lá embaixo, na cozinha, todos comentam o fato de que uma mulher que trabalhou ali com eles agora está almoçando com os patrões lá em cima.
O submordomo Barrow, que já vinha se tornando uma pessoa melhor, como já foi dito, mas não tinha perdido a veia de mau caráter, no meio do almoço diz uma frase que “denuncia” a origem humilde da convidada.
A sequência toda é de fato esplêndida, rica, cheia de significado.
À mesa, estão falando sobre a necessidade de as mulheres terem acesso à educação formal. Isobel Crawley (Penelope Wilton) apóia Lady Rosamund Painswick sobre isso, e Gwen fala uma frase de apoio a essa tese. Então Lady Mary comenta: – “Sorte que Mr. Carson não está aqui.” Harding pergunta quem é, e o conde explica que é o mordomo, “um tradicionalista”.
É quando Barrow se aproveita para “denunciar” o fato de que a sra. Harding já havia sido uma reles criada: – “Certamente a sra. se recorda de Mr. Carson, madame.”
Dá-se o choque em toda a mesa.
O conde (na foto acima) – que, exatamente ao contrário de Barrow, é um excelente caráter – percebe imediatamente a sacanagem cometida pelo empregado.
Gwen reage bem. Explica que, sim, antes da guerra havia sido uma criada ali naquela casa. Mary, pessoa dura, fala uma frase desagradável, mas o clima se desanuvia. Isobel Crawley, que é mãe do falecido marido de Mary, elogia Gwen por ter ascendido: – “Uma história do século XX!” A condessa sorri um lindo sorriso de Elizabeth McGovern (meu Deus, que mulher!), e diz: – “Bem-vinda de volta. Sinto-me uma tola por não ter reconhecido você.”
E as coisas ficam ainda melhores quando Gwen conta que foi Sybil que a ajudou a deixar o emprego de criada e tentar o de secretária. O conde e a condessa se deliciam por saber que a filha já falecida tinha sido boa para aquela moça.
Na cozinha, todos comentam que Barrow sacaneou Gwen.
Bates, o bom caráter, diz que Barrow sofria do pecado da inveja.
A resposta de Barrow é a luta de classes escarrada:
– “Inveja? Por quê? Porque dediquei minha vida a servir, e estou para ser dispensado em breve? E porque ela fugiu na primeira chance que teve, e agora está almoçando no salão lá em cima? Por que eu teria inveja disso, Mr. Bates?”
Edith, a filha que nunca teve sorte na vida, ganha uma oportunidade
Nos andares mais altos de Downton Abbey, entre os familiares do conde de Grantham, o tema principal é sempre a necessidade de adaptação aos novos tempos.
Tempos em que ex-criadas ascendem na vida e vêm almoçar no salão.
Edith, a filha do meio, a que nunca teve sorte na vida, havia conseguido, como mostrado na temporada 5, levar para dentro de Downton, adotada pelos seus pais, a filha bastarda, Marigold. Marigold era fruto de sua relação com Michael Gregson, um homem bom, que a amava, mas era casado, e tinha morrido, assassinado por um grupo de bandidos em Munique, os primeiros de um bando que mais tarde viria a ser bastante conhecido, os nazistas.
Todos na família sabem que Marigold é filha dela – todos, menos Mary, que mantém com a irmã um estado de guerra permanente.
Além de Marigold, Edith havia herdado de Gregson uma revista feminina. Volta e meia ela vai a Londres cuidar da revista; tem uma relação duríssima com o editor, sujeito machista, que não admite receber ordens de uma mulher, mesmo a mulher sendo a patroa.
Eventualmente, Edith vai demitir o editor idiota. E vai ter que se virar para preparar o número seguinte da revista para publicação. Fará isso com a ajuda da secretária e de um sujeito simpático que havia conhecido no final da quinta temporada, um tal Bertie Pelham (Harry Hadden-Paton). Esse Bertie é o administrador da propriedade de um marquês, de quem é primo um tanto distante.
Bertie e Edith rapidamente se apaixonam.
Mary, sempre disposta a falar mal da irmã, diz que Bertie é um chato, um tédio.
O marquês patrão de Bertie – a série nos conta da maneira mais suave e delicada possível – é, para dizer de forma seca, um veadaço que estava sempre viajando para Tanger à procura de garotinhos fortes, musculosos.
(Não sei por que, mas as referências que a série faz ao marquês – ele não aparece em cena alguma – me fizeram lembrar de Sebastian, o primo da personagem de Elizabeth Taylor em De Repente, no Último Verão, que viaja para a Europa à procura de garotinhos fortes, musculosos. Tristes histórias dos tempos em que os homossexuais, infelizmente, tinham que guardar no armário sua opção sexual.)
Dá-se que o marquês morre. Mary comenta que além de sem graça Bertie deverá ficar sem o emprego.
Nada disso. Como o falecido não tem herdeiros diretos, seu título de marquês irá para Bertie!
Marquês é mais que conde. É mais ou menos como coronel para major.
De repente, Edith, a que jamais tinha dado sorte na vida, tem a chance de virar marquesa.
Mary vai estragar a chance.
Vem da pessoa mais tradicionalista de todas um conselho surpreendente
A própria Mary está se sentindo bastante atraída por Henry Talbot (Matthew Goode), sujeito elegante, interessante, charmoso – mas desprovido de título de nobreza e também de dinheiro.
E ela simplesmente recusa a perspectiva de se casar com um sujeito sem título e sem dinheiro.
Em meio a uma família de gente de bom caráter, que aceita, admite as mudanças, que na verdade appóia as mudanças, Mary é quem destoa. Mary é como o mordomo, Mr. Carson: uma tradicionalista. Mary é tão tradicionalista que sequer assinaria embaixo da frase de Tancredi Falconeri, o nobre siciliano: “Se quisermos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude”.
Mas aí, para absoluta surpresa de todos os espectadores, e dela, Mary ouve o mais inesperado dos conselhos. E quem dá o conselho é exatamente Granny, a avó, a condessa viúva, a dowager, Lady Violet (o papel da maravilhosa Maggie Smith). Lady Violet é a personagem que representa o tradicionalismo em si mesmo, o tradicionalismo concentrado. Pois vem dela o conselho absolutamente inesperado para Mary: o amor é fundamental.
Em uma série britânica, cheia, portanto, de bons atores e de bons diálogos, os melhores diálogos e os melhores momentos são reservados a Lady Violet, para que Maggie Smith, esse monumento, possa brilhar.
Gostaria de transcrever trocentas frases maravilhosas criadas para serem ditas por Maggie Smith. Fico com esta aqui, dita no episódio 3, quando alguém está falando que um outro nobre está se declarando a favor de reformas:
– “Um par meu a favor de reformas é como um peru a favor do Natal!”
E no entanto, essa mesma Granny que é o suco concentrado de tradicionalismo dirá para a neta Mary que love is all you need. Coisas do Império Britânico.
Uma corrida automobilística! Em 1925, o começo da mania do vruuuum, vruuuum
Esse Henry Talbot por quem Mary se apaixona – mesmo ele sendo sem título e sem dinheiro – está participando de uma atividade absolutamente nova, em 1925, algo que até pouco antes pareceria absolutamente impensável.
Henry é um piloto de carros que apostam corrida.
Poucos anos antes, não havia carros. Em 1925 – para se ver como são as coisas! –, os ingleses estavam testando uma nova modalidade de esporte, se é que isso pode ser considerado esporte: as corridas de carro.
Henry é um antecessor dos Jackie Stewart, dos Lewis Hamilton!
Vruuuum, vruuuum…
No episódio 6, toda a família Crawley vai assistir a uma corrida.
Aí os realizadores da série aproveitam para fazer uma reconstituição de época de fazer babar qualquer pessoa que gosta de cinema – e, mais especialmente ainda, com toda certeza, quem gosta de automobilismo. Para estes, deve ser o mais puro néctar dos deuses.
Mas há uma tragédia.
Henry acabará deixando de lado as pistas de corrida. Mas seu interesse por carros se mantém. Tom Branson, também um apaixonado por carros, ex-chofer, e Henry acabarão ficando sócios em um negócio que, alguns anos antes, deixaria toda a família Crawley chocada. Mas os tempos mudam, os tempos estavam mudando rapidamente, e os Crawley sabiam mudar com os tempos.
Não para manter tudo igual, porque isso já não seria mais possível. Mas para que algumas coisas permanecessem parecidas com o que eram no passado.
Tem uns defeitinhos. Ah, mas coisa menor, de pouca monta
A rigor, a rigor, a sexta temporada de Downton Abbey não é absolutamente perfeita. Tem defeitinhos.
O relacionamento entre Mr. Carson, o mordomo, e Mrs. Hughes, a governanta. É um pouco exagerado, aquilo ali. E a vingança dela também é exagerada, me parece.
O fato de a condessa viúva abençoar o casamento de Mary com um sujeito que não tem título nem grana… Hum… Não condiz muito com o que a personagem foi ao longo das demais cinco temporadas.
O fato de Barrow, e também Baxter, a criada da condessa (Raquel Cassidy), terem virado bons caracteres, depois de terem feito tantas vilanias nas temporadas anteriores…
O excesso de finais felizes para todos os envolvidos… Hum…
Mas são apenas defeitinhos, coisas menores. De somenos.
Diante de tudo o que de maravilhoso esta série extraordinária mostrou…
Gostaria de sentar na minha poltrona e ver tudo de novo. As seis temporadas inteirinhas.
God save the Queen. E God bless you, Julian Followes.
Aqui, o comentário sobre as três primeiras temporadas.
Aqui, o texto sobre a quarta temporada.
E, aqui, o sobre a quinta temporada.
Anotação em abril de 2017
Downton Abbey – A Sexta Temporada
De Julian Fellowes, criador, roteirista e produtor executivo, Inglaterra, 2015
Diretores: David Evans, Philip John, Minkie Spiro, Michael Engler
Com (nos andares de cima) Hugh Bonneville (Robert Crawley, conde de Grantham), Elizabeth McGovern (Cora Crawley, a condessa), Michelle Dockery (Lady Mary Crawley, a primogênita), Laura Carmichael (Lady Edith Crawley, a filha do meio), Maggie Smith (Violet Crawley, a condessa viúva), Penelope Wilton (Isobel Crawley, mãe de Michael Crawley, primeiro marido de Mary), Allen Leech (Tom Branson), Lily James (Lady Rose MacClare), Samantha Bond (Lady Rosamund Painswick),
(nos andares de baixo) Jim Carter (Mr. Carson, o mordomo), Phyllis Logan (Mrs. Hughes, a governanta), Brendan Coyle (John Bates, o valete do conde), Joanne Froggatt Bates (Anna Smith, a camareira), Rob James-Collier (Thomas Barrow, criado), Lesley Nicol (Mrs. Patmore, a cozinheira), Sophie McShera (Daisy, a ajudante de cozinha), Kevin Doyle (Joseph Molesley), Raquel Cassidy (Baxter, a criada da condessa), Michael Fox (Andy, criado),
e Matthew Goode (Henry Talbot), Harry Hadden-Paton (Bertie Pelham), David Robb (Dr. Clarkson), Jeremy Swift (Spratt, o mordomo da condessa viúva), Sue Johnston (Miss Denker, a criada da condessa viúva), Douglas Reith (Lord Merton), Paul Copley (Mr. Mason), Howard Ward (sargento Willis), Rose Leslie (Gwen Dawson, depois Gwen Harding), Philip Battley (John Harding), Sebastian Dunn (Charlie Rogers), Phoebe Sparrow (Amelia Cruikshank, a nora de Lord Merton)Matt Barber (Atticus Aldridge), Peter Egan (Hugh MacClare, Shrimpie, o pai de Rose), Andrew Scarborough (Tim Drewe), Emma Lowndes (Mrs. Drewe),
Argumento e roteiro Julian Fellowes
Fotografia Graham Frake, Adam Gillham, David Raedeker
Música John Lunn
Produção Carnival Film & Television. DVD Universal.
Cor, 539 min (8h59min)
****
Afinal já viu a última temporada de Downton Abbey! O seu comentário está muito bom como de costume. Eu por acaso ando a rever a série nesta altura, ainda vou no princípio. Deve ser mesmo a melhor série de tv que existe, provavelmente. É um gosto ver a Maggie Smith em acção, acha-a excepcional.
Parece que vai um filme sobre este tema, pelo menos já li notícias na Net.
Vi a última temporada de “Downton Abbey” em dezembro de 2015, então não me lembro de detalhes; só de ter me emocionado bastante, principalmente com o primeiro episódio. O término da série me pegou por causa de uma viagem que eu tinha feito pouco tempo antes do fim (disse isso aqui no meu enorme comentário sobre a quinta temporada).
Mas o bom é que temos seu maravilhoso texto para refrescar nossa memória. E que abertura! Até li a frase em italiano tentando imitar a pronúncia daquele povo bonito (uma das minhas vontades ainda é aprender a língua).
Matthew Goode: o colírio da sexta temporada. Por isso acho que no parágrafo que diz: “A própria Mary está se sentindo bastante atraída por Henry Talbot (Matthew Goode), sujeito elegante, interessante, charmoso…”, faltou o adjetivo belo. hehe
Do pouco de que me recordo, uma das melhores cenas, se não a melhor dessa última temporada, foi o embate entre Edith e Mary. Finalmente, a irmã desvalorizada (até mesmo pelos pais), o patinho feio da família, colocou a esnobe, hipócrita, sem sal e chatíssima Mary no seu devido lugar. Que cena!
E dentre tantos finais felizes, alguns bastante forçados, como você bem disse, o de Edith foi mais que merecido. Se-nhor, como ela sofreu, e como Mary era malvada/cruel/moralista.
Torci por Edith, assim como por Daisy, e gostei do final das duas personagens.
God Save the Queen, indeed! Vida longa a Julian Fellowes!
Tem razão Jussara sobre o embate entre as dias irmãs. Agora que ando a rever a série é que me dou conta de como é feia a Mary. Enquanto as outras irmãs se interessam por várias actividades – Edith aprende a conduzir e trabalha com tractor, faz de enfermeira durante a guerra, trabalha como jornalista, Sybil manda a nobreza às urtigas, aprende e pratica enfermagem, Mary passa o tempo em jantares e visitas e a procurar marido. Detestável, embora aqui e ali escape um tanto, como a forma como trata a criada Anna.
Ahn… Perdõem-me, caríssimos Jussara e José Luís, duas pessoas que admiro e respeito, mas Mary não é assim essa coisa tão absolutamente horrorosa quanto vocês pintam.
Sim, ela é a mais tradicionalista de todos na família – mais que o pai, a mãe e as irmãs. Ela é tão tradicionalista quanto a avó, a condessa viúva.
Mas isso pode ser explicado pelo fato de que ela é que herdará tudo quando o pai morrer. O título e a propriedade, tudo será dela, e depois do filho, George.
Sim, ela é rígida para muita coisa. E ela é uma megera no trato com a irmã Edith.
Mas ela também trabalha. Na ausência do cunhado, Tom Branson, assume todo o trabalho de gerência da propriedade. Enfrenta até a oposição do pai e o espanto dos meeiros, ou sei lá como se chamam os agricultores que vivem na propriedade, como o criador de porcos mostrado nesta sexta temporada.
Teve a coragem imensa de passar alguns dias num hotel com Tony Gillingham, antes de se decidir se casava ou não com ele – uma atitude extremamente ousada para o lugar e a época.
Trata o mordomo Carson e a Anna muitíssimo bem. Gosta deles. Leva Anna para se tratar com o médico dela em Londres.
Aceitará de bom grado que o novo marido trabalhe no comércio, o que não é nada pouco, de novo considerando o tempo e o lugar.
Enfim…
Nossa! Vejo o tamanho dessa minha resposta a vocês e constato mais uma vez como é apaixonante essa série… Como ela transforma os personagens em pessoas importantes para o espectador!
Um abraço aos dois!
Sérgio
“Mas isso pode ser explicado pelo fato de que ela é que herdará tudo quando o pai morrer. O título e a propriedade, tudo será dela” escreve o Sérgio.
Creio que está errado e isso é bem vincado durante os primeiros episódios.
Quanto à propriedade não tenho a certeza mas quanto ao título não há dúvida – tem que ser um homem o herdeiro, não havendo acaba o título, neste caso o condado.
“Teve a coragem imensa de passar alguns dias num hotel com Tony Gillingham, antes de se decidir se casava ou não com ele – uma atitude extremamente ousada para o lugar e a época.”
É o que disse: à procura de marido, coisa que a ocupa durante metade dos episódios.
De novo:
Correto: o título não vai para ela – mas vai para o filho, George.
Um abraço!
Sérgio
José Luís, é bem por aí mesmo, concordo com você, embora o Sérgio tenha feito bons apontamentos.
Sérgio, você tem razão nos pontos que colocou, mas isso não me faz gostar mais dela. hehehe Ela dormiu com Tony, assim como dormiu com uma visita da família, lá no início da série, o que gerou conflito para que ela aceitasse o pedido de casamento de Matthew. Mas apesar da ousadia e desse tremendo avanço sexual para a época, ela era super moralista e hipócrita em relação à irmã, que fez a mesma coisa mas acabou engravidando. Isso sempre me deixou possessa. Só que Edith pretendia se casar com o coroa, enquanto Mary teve apenas uma aventura, a famosa “one-night stand”.
A personagem sofreu mudanças ao longo das temporadas, mas nunca perdeu o esnobismo. Ela é super esnobe, muito além de ser tradicional. Nariz empinado. E embora tratasse bem os empregados que você citou, era sempre de maneira deveras formal, como o resto da família, mas muito pedante.
Tem uma cena de uma outra temporada, em que Carson se emociona com Mary, não me lembro por qual motivo, e ela não demonstra nada, mesmo sabendo que ele a considerava tanto. Faltou um pouco de empatia. Ela sempre teve coração de pedra, e era cheia de defeitos, como qualquer ser humano, mas gostava de aparentar que era melhor, superior. Enfim, não sei se consegui me explicar.
O José Luís tem razão quando diz que ela passou metade da série procurando marido. Aliás, na sexta temporada tem uma cena em que ela fala que prefere ficar sozinha a se casar com o homem errado. Essa foi uma das mudanças da personagem, pelo menos na teoria.
Adorei sua resposta e apontamentos. A série é sensacional mesmo.
Abraços!
PS: Sempre fui #teamedith e admirei o fato de ela não ter optado pelo aborto. Isso sim é coragem.
Afinal sobre a possível herança da propriedade por parte de Mary verifiquei que não é verdade, tanto quanto a minha ignorância de questões legais me permite afirmar. Vi um pouco do primeiro episódio e Cora diz para o marido: “Mas claro que nunca percebi porque é que esta propriedade deve ficar com quem herdar o seu título.” Logo há frente começa a tentativa da avó Violet para alterar as regras.
Parece que as mulheres na altura não podiam ser proprietárias; reparem no espanto das mulheres da família do conde quando a mãe de Cora (americana) dá indícios da riqueza que tem – casas e dinheiro.
Estive a rever o último episódio da terceira temporada e achei repugnante a maneira como a Lady Mary trata a irmã e o seu enamorado Michael Gregson. Cada vez me custa mais suportar a presença desta personagem.
Continuo a rever a série e vou na quarta temporada, Mary já não está na fossa após a morte do marido e anda à caça de novo marido; pretendentes há vários, 2 ou 3. Como não suporto a criatura vou saltando as cenas em que ela está presente.
Parece ridículo detestar assim uma personagem fictícia mas é o que se passa comigo.
O curioso é que da primeira visão da série não senti esta repugnância pela personagem.
Thomas e Miss O’Brien eram e continuam a ser maléficos mas agora Mary faz-lhes companhia embora em menor grau.
Voltando à vaca fria: No episódio 8 da quinta temporada Mary conversa com Tom que quer partir para os Estados Unidos.
“Mary: E deixar-me sozinha com a Edith?
Quando leres que vou ser julgada por homicídio, a culpa será tua.”
O ódio da Mary pela irmã é visceral e não é possível gostar desta personagem.
Li ontem qye finalmente vai haver um filme que continua a série e com todos (ou quase todos) os actores e acrizes e com o Julian Fellowes a escrever o argumento e a realizar um sujeito que não conheço.
Estou contente.
Quero muito rever todos os episodios dessa saga maravilhosa, bem ambientada, com personagens fortes