Juliette Binoche tinha 21 aninhos em 1985, o ano em que fez Rendez-vous com o realizador André Téchiné. Era tão jovem, mas tão jovem, com uma face tão baby, que viria a ficar muito mais bela depois, mais madura.
A Binochinha é uma daquelas estrelas que chegam com tudo, numa gigantesca explosão. Como uma supernova, mas com a diferença de que – ao contrário dos corpos celestes que explodem e produzem objetos extremamente brilhantes mas rapidamente declinam, perdem força – veio para ficar, e hoje é uma das mais requisitadas e reverenciadas atrizes não apenas do cinema francês, mas mundial.
Em 1983, havia tido participações em dois filmes. Em 1985, o ano em que completou os 21, foram lançados sete filmes com ela. Sete! Um deles era Je Vous Salue, Marie, de Jean-Luc Godard, que se tornou escândalo em alguns lugares, inclusive neste paisinho periférico, Tiers Monde, em que o governo de José Sarney, o primeiro civil a governar depois da ditadura militar, proibiu sua exibição, logo após ter anunciado o fim da censura instaurada pelos milicos. Em Je Vous Salue, Marie, a atriz fazia um pequeno papel.
Dos sete filmes lançados naquele ano, o que mais teve repercussão, e transformou Juliette Binoche numa estrela ascendente, foi este Rendez-vous.
“Interpretações notáveis”, “estiloso”, “belo filme” “drama erótico, provocativo”
O filme foi bastante endeusado na época.
O Guide des Films de Jean Tulard, por exemplo (uma obra pela qual tenho profundo respeito e admiração) diz dele: “Um belo filme que utiliza a violência dos sentimentos como elemento motor, em cenas fulgurantes de uma grande intensidade dramática. Interpretações notáveis de Juliette Binoche e Lambert Wilson, que se impõem aqui como grandes atores”.
No seu guia de filmes, o mais vendido do mundo, Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4 a Rendez-vous: “Melodrama estiloso investiga com perspicácia a fronteira entre o atuar e a vida real enquanto a atriz de teatro (Binoche) se envolve com um astro obsessivo de shows eróticos Wilson e seu mentor, um renomado diretor (Trintignant). O clima mórbido e as cenas de sexo extremas podem repelir algumas audiências.”
Outro guia, o Video Movie Guide de Mick Martin e Marsha Porter, dá 3 estrelas em 5: “Provocativa produção francesa pinta um quadro bastante perturbador da juventude alienada. Juliette Binoche é cativante como uma jovem promíscua perambulando sem rumo pela noite de Paris.”
Ainda outro guia, o de Steven H. Scheuer, dá ao filme 2.5 estrelas em 4: “Drama sensual pouco comum. Uma atraente moça da província (Binoche) chega a Paris para se tornar atriz de teatro e se envolve, romanticamente e de outras formas, com três indivíduos: o delicado Stanczak, o ameaçador Wilson (que morre e então a aterroriza), e o diretor teatral Trintignant, que a transforma numa relutante Julieta.”
Diz o IMDb: “Drama erótico, provocativo, estiloso, realizado por André Téchiné, que ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes por essa envolvente investigação sobre a intersecção entre a paixão sexual e a artística”.
Melhor direção em Cannes!
Interessante: filme teve sete indicações ao César, o Oscar francês – mas Téchiné não foi indicado. Concorreu a ator para Lambert Wilson, atriz para Juliette Binoche, roteiro, fotografia, figurinos, som e ator estreante (jovem esperança, como é chamado) para Wadeck Stanczak; só este último levou troféu.
Uma trama boba, artificial, forçada, um filme apelativo
Na minha opinião, Rendez-vous é um filme de merda.
Se a frase parecer meio grosseira, que seja lida em francês, quando tudo é mais belo e suave: C’est un film de merde.
Toda a trama é boba, artificial, forçada. Os personagens não se parecem com nada que exista na vida real.
A própria sinopse do Guide des Films mostra isso. Vou transcrevê-la, tentando não meter muito minha colher; vai sem aspas para não me obrigar a ser literal:
Nina, uma provinciana, chega a Paris com a intenção de fazer teatro. Encontra Paulot (Wadeck Stanczak), que se apaixona por ela, mas ela se sente atraída por Quentin (Lambert Wilson), um ser excessivo e suicida, que divide o mesmo apartamento com Paulot. Quentin queria fazer teatro; exibe-se agora num show pornográfico. Nina torna-se sua amante. (Ahnn… Não exatamente.) Depois que ele se suicida, ela fica, desamparada, com Paulot. Scrutzler (Jean-Louis Trintignant), um diretor de teatro, propõe a Nina de fazer o papel previsto para sua própria filha, morta por culpa de Quentin. Nina aceita, apesar da oposição do fantasma de Quentin.
Não me parece lógico que o colaborador de Tulard que redigiu essa sinopse transcrita no parágrafo acima possa concluir que este seja um belo filme.
É tudo muito artificial e forçado. Como pode uma garotinha que acabou de chegar do interior e que teve apenas uma experiência no teatro, fazendo uma empregadinha na casa de um casal rico numa comédia estúpida, de repente ser escolhida por um diretor famoso, respeitado, para interpretar a Julieta de Shakespeare?
Mais ainda, pior ainda: na minha opinião, Rendez-vous tem uma pegada do que chamo de quasepornô. Quasepornô é aquele tipo de filme que força a barra nas cenas de sexo, desnecessariamente, para épater, para chamar a atenção, para causar escândalo, polêmica. Finge que é arte, mas beira o pornô, simplesmente.
Dou dois exemplos. Ainda mais para o início da narrativa, quando Paulot se aproxima de Nina, ela – uma garota que desde que chegou à capital tinha dado para metade da torcida do Paris Saint Germain –, desgostosa, deita no chão, levanta a saia, e manda Paulot vir depressa e acabar com aquilo de uma vez. Como Paulot a olha espantado, ela se debruça sobre uma mesa e levanta a saia, oferecendo a bunda.
Bem, os adoradores do filme poderiam argumentar que isso não é desnecessário, que faz parte da trama, do tipo da personagem – ela considerava Paulot um amigo, um irmãozinho, e, diante da tentativa dele de beijá-la, se revolta.
Tá. Pode-se até admitir isso. Mas o segundo exemplo é ainda mais gritante.
Quentin tinha passado a noite com Nina. (A rigor, se não me engano, foi a única vez em que os dois treparam; por isso foi que anotei, na transcrição da sinopse do Guide, que eles não propriamente viraram amantes.) Aí, pela manhã, chega Paulot. Nina está dormindo. Paulot se enfurece ao ver que a moça por quem está apaixonado tinha trepado com Quentin. Aí então Quentin puxa a lençol. A Binochinha está deitada quase de bruços, a bundinha (linda, diga-se de passagem) para cima. Quentin enfia a mão entre as coxas dela, como se estivesse pegando na xoxota. E obriga Paulot a fazer o mesmo.
É desnecessário. Não tem sentido dramático – ou cômico, ou seja lá o que for. Não tem sentido algum, a não ser expor as coxas e a bundinha da Binochinha.
É apenas apelativo.
“A história improvável, os personagens improváveis, cheirando a fabricados”
Pelamordedeus: que eu não seja mal interpretado. Não tenho absolutamente nada contra filme pornô. O que me desagrada é o quasepornô, o que finge que não é.
Depois de Rendez-vous, André Téchine viria a fazer grandes filmes, como Minha Estação Preferida (1993), Os Ladrões (1996), Anjo da Guerra (2003), Tempos que Mudam (2004), para citar só alguns. É sem dúvida um dos melhores e mais respeitados realizadores franceses.
Em sua formidável carreira, Juliette Binoche voltaria a fazer filmes com cenas de sexo bastante ousadas. As cenas que ela protagonizaria em Perdas e Danos/Fatale/Damage, de Louis Malle (1992) são extremamemente cruas – mas, ao contrário do que acontece neste Rendez-vous, me parecem perfeitamente necessárias para o desenvolvimento da trama.
Nenhum homem é uma ilha: vejo no AlloCine, o site especializado em cinema francês, que um leitor tem opinião bem semelhante à minha. Diz ele: “A história improvável, os personagens improváveis, cheirando a fabricados: dá para sentir o suor do roteirista em seu escritório. Restam as atuações dos atores maravilhosos bem abaixo de seus papéis.”
Anotação em janeiro de 2014
Rendez-vous
De André Téchiné, França, 1985.
Com Juliette Binoche (Nina / Anne Larrieux), Lambert Wilson (Quentin), Wadeck Stanczak (Paulot), Jean-Louis Trintignant (Scrutzler), Dominique Lavanant (Gertrude), Anne Wiazemsky (a administradora), Jean-Louis Vitrac (Fred),
Argumento e roteiro André Téchiné e Olivier Assayas
Fotografia Renato Berta
Música Philippe sarde
Montagem Martine Giordano
Produção Films A2, T. Films. DVD Lume Filmes.
Cor, 82 min
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