Eis aí uma comédia divertidíssima, escrachada, hilariante. Uma absoluta delícia para qualquer um que entenda que o cinema também é feito para divertir, alegrar a vida.
Há momentos em que Paul – O Alien Fugitivo, no original simplesmente Paul – até parece chegar perto daquele tipo de comedinha descerebrada, feita para adolescentes de Q.I. não muito alto, tipo American Pie ou Quem Vai Ficar com Mary? ou Debi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros.
Vi um trechinho do filme zapeando numa madrugada, achei divertidíssima a gozação que ele fazia sobre os fundamentalistas cristãos, e então programamos para gravar. Quando propus a Mary ver finalmente o filme, disse que achava que ele era muito bobo, mas extremamente divertido; ela topou ver, mas adiantando que, se fosse bobo demais, iria fazer coisa melhor. Tinha todo o direito: Mary tem menos tempo do que eu, e muitíssimo menos paciência para aturar bobagens.
Divertiu-se muito. Nem por um momento pensou em parar.
Porque Paul, repito, às vezes até parece chegar perto daquele tipo de comedinha idiota em que o cinemão americano tem se especializado nas últimas décadas. Mas na realidade não tem absolutamente nada de descerebrado. Muito ao contrário: é inteligente, esperto, safo. Faz um número imenso de gostosas citações a outros filmes. Goza tudo e todos. Arrasa com as figuras dos G-Men, os homens de preto das todo-poderosas agências do governo federal, tipo FBI e NSA. Ri dos próprios malucos apaixonados por ficção científica. Ridiculariza inapelavelmente o puritanismo de boa parte da sociedade americana – e vai fundo na gozação do fundamentalismo religioso.
Daria para resumir dizendo o seguinte: embora muito menos conhecido e reconhecido que a trilogia M.I.B – Homens de Preto, este Paul é tão gostoso quanto ela.
Dois ingleses em visita aos Estados Unidos
Paul tem um prólogo. Um letreiro avisa que estamos no interior do Wyoming, em 1947. Numa casa de fazenda, um grande cachorro, chamado Paul, está inquieto. A dona do cachorrão, uma linda garotinha loura, Tara (Mia Stallard), abre a porta da frente para que Paul saia.
Um grande clarão. Uma nave espacial cai exatamente onde estava o pobre Paul. Vemos o rosto espantadíssimo da garotinha Tara – e corta, e um novo letreiro avisa que estamos nos dias atuais, na Comic-Con de San Diego, na Califórnia.
Talvez seja preciso lembrar que Comic-Con são as convenções anuais – na verdade gigantescas feiras – que reúnem autores e fãs de comic books, histórias em quadrinhos. A Comic-Com de San Diego, especificamente, era especializada em sci-fi, ficção científica.
No meio daquela quantidade absurda de malucos fanáticos por quadrinhos de sci-fi estão nossos heróis, Graeme (Simon Pegg) e Clive (Nick Frost). São, eles próprios, autores de comic books de sci-fi; vieram da Inglaterra em sua primeira viagem aos States para participar de uma Comic-Con.
Os dois atores que interpretam nossos heróis parecem-se com os protagonistas de filmes como Debi & Lóide. Simon Pegg, que faz Graeme, o escritor, é mais baixinho, barrigudão, dentução e tem cabelos longos; Nick Frost, que interpreta Clive, o desenhista, é altão, lourão, com cara um tanto de bocó. (Mais adiante falo sobre Pegg e Frost.)
Sentem-se felizes no meio daquela feira maluca como se fossem pintos no lixo.
De repente, os dois adoradores de OVNIs se vêem diante de um E.T.
Depois da farra na convenção, alugam um grande trailer, a rigor um V.R., recreation home, ou motor home, com o qual vão visitar todos os locais importantes para os fiéis da religião dos adoradores de OVNIs, os sítios onde teriam sido avistados discos-voadores.
Em uma daquelas estradas que cruzam longas paisagens desertas, os dois ingleses presenciam um acidente: um carrão preto fica desgovernado – sozinho, sem que tenha surgido nada para atrapalhar sua viagem –, capota, se arrebenta.
Os dois param o trailer, vão lá ver o estrago. E então se deparam com um E.T., um alien, aliás bastante parecido com o E.T. de Steven Spielberg.
Graeme desmaia.
Em um perfeito inglês americano cheio de gírias, o alienígena se apresenta para Clive como sendo Paul; explica que precisa de ajuda, quer uma carona, e convence o atordoado Clive a carregar o desmaiado Graeme para dentro do trailer.
Estamos aí com uns dez, no máximo 15 minutos de filme. Vai começar um road movie maluco, arrasadoramente divertido, de ritmo ágil, com uma piada a cada minuto.
Um bem treinado, duro, sisudo homem de preto, o agente Zoil (interpretado por Jason Bateman, ótimo no papel, sempre com a mesma cara dura, séria, ao longo de todo o filme), está na cola de Paul. Para ajudá-lo na missão, mas viajando em outro carro, há dois outros homens de preto, não treinados, não sabedores da identidade do ser que perseguem – Haggard (Bill Hader) e O’Reilly (Joe Lo Truglio).
Esse O’Reilly, apesar de ser agente federal, e usar terno preto, é tão fã de histórias em quadrinho de sci-fi quanto os dois malucões vindos da Inglaterra.
O agente Zoil conversa pelo rádio com sua superior, uma mulher durona, de quem o espectador só verá a mão, pequenos detalhes que não permitem identificar a atriz. Essa chefona, chamada de The Big Guy, o cara grandão, só mostrará a cara na sequência final – e portanto só vou dizer o nome da atriz ao final, avisando que pode ser spoiler.
Os dois atores principais são comediantes famosos na Inglaterra
Os atores Simon Pegg e Nick Frost são os autores do argumento e do roteiro de Paul. Eu não os conhecia. A ignorância desconhece fim.
Simon Pegg nasceu em Gloucester, em 1970; estudou literatura e arte dramática, teve carreira nas stand-up comedies em Londres, passou para a TV e depois para o cinema. Seu maior amigo e companheiro em vários filmes é Nick Frost, nascido em Essex, em 1972.
Os dois estouraram na bilheteria na Inglaterra com Todo Mundo Quase Morto/Shaun of the Dead, de 2004, com roteiro de Pegg e Edgar Wright. As indicações são de que Pegg e Frost são comediantes respeitados, de grande sucesso no Reino Unido.
Neste Paul, pelo menos, abusam daquele humor inglês anárquico, arrasador, iconoclasta, tipo Monty Python.
Uma das coisas boas do filme é outra atriz de que eu não me lembrava, Kristen Wiig (na foto abaixo). Ela está absolutamente deliciosa no papel de Ruth Buggs, uma cristã fanática, cega de um olho, com que o trio maluco Graeme-Clive-Paul topa num estacionamento para trailers à beira de uma estrada.
Vejo agora que Kristen Wiig, nascida no interior do Estado de Nova York em 1973, dois anos antes de minha filha, portanto, teve grande fama na TV americana, no Saturday Night Live. Na mesma época em que vi Paul, estava estreando em São Paulo Minha Vida Dava um Filme/Girl Most Likely, de 2012, em que ela faz o papel principal, num elenco que tem Annette Benning e Matt Dillon.
Outra boa presença é da veterana atriz Blythe Danner, que interpreta Tara, a que, em 1947, havia perdido o cachorro Paul com a chegada da nave espacial.
Mas a aparição mais sensacional é a da atriz que interpreta The Big Guy, a chefona do agente Zoil, no finalzinho do filme.
Um monte de informações inúteis e gostosas – e, a rigor, com spoiler
Como já foi dito, Paul é repleto de referências a outros filmes, a pessoas, fatos, nomes. O IMDb traz nada menos de 28 itens do que eles chamam de Trivia, e os franceses, de anedotas – informações inúteis e deliciosas sobre as filmagens e as referências a outras obras e pessoas.
Aí vão algumas delas, a maior parte saída do IMDb, algumas da minha lembrança. Pode haver aqui spoilers – o eventual leitor, se é que haverá algum, que não viu o filme e gosta de ser surpreendido pela trama, deveria parar por aqui.
* Há várias referências a Charles Darwin. A camiseta da carola Ruth tem um desenho em que Jesus Cristo (ou seria o próprio Deus?; teria que rever a seqüência) dá uma porrada em Darwin. Ruth (um nome bíblico, aliás), claro, é uma adepta cega do criacionismo, em negação absoluta da teoria da evolução. Bem mais tarde, já completamente mudada, ao ser interrogada pelo agente Zoil, Ruth se identifica como sendo a sra. Darwin.
* O modelo de trailer ou R.V. usado pelos dois ingleses é Beagle. O navio em que Charles Darwin percorreu várias partes do mundo em seu estudo da evolução das espécies se chamava HMS Beagle.
* No momento em que há um flashback para 1980, e Paul aparece sendo entrevistado por alguém que queria informações sobre E.Ts., a voz que o entrevista é do próprio Steven Spielberg; o filme E.T. é de 1982.
* Em Contatos Imediatos do Terceiro Grau, o personagem interpretado por Richard Dreyfuss é convidado pelos aliens para viajar em sua nave espacial. A personagem de Tara será convidada por Paul para viajar na nave dele.
* A montanha que aparece em Contatos Imediatos, a Devil’s Tower, em Moorcroft, no Wyoming, reaparece em Paul.
* A frase de Tara para The Big Guy, a chefona, “Get away from her, you bitch!” (saia de perto dela, sua puta!), é a repetição literal da frase dita por Ripley, a personagem de Sigourney Weaver, em Aliens, o Resgate.
* E aí vai mais um spoiler: quando The Big Guy finalmente aparece na tela, vem no corpo imenso e belíssimo da mesma Sigourney Weaver da trilogia Alien. É ao mesmo tempo uma participação especial e uma homenagem à atriz e aos filmes em que ela interpreta Ripley.
* A frase do filme “Escova de dentes? No lugar para onde vamos não precisamos de dentes” é uma citação da fala do cientista maluco Doc Brown na trilogia De Volta para o Futuro: “Estradas? No lugar para onde vamos não precisamos de estradas”.
* Há marinheiros no bar de Wyoming por onde os dois ingleses, mais Paul e Ruth passam, lá pela metade do filme, e onde começa uma gigantesca briga. É uma citação das brigas envolvendo marinheiros no delicioso 1941 – Uma Guerra Muito Louca, o primeiro grande fracasso na carreira de Spielberg.
* Nessa mesma sequência do bar de Wyoming, um grupo de música country está tocando a mesma canção que é ouvida em Guerra nas Estrelas, na cantina muito doidona do planeta Tatooine, terra natal de Luke Skywalker (Mark Hamill).
* Na cidadezinha em que acontece o tiroteio na loja de revistas em quadrinhos e bonecos inspirados nelas, há um cinema que está exibindo Easy Rider, no Brasil Sem Destino, o filme marco da cultura hippie de Dennis Hopper. A cena foi filmada numa cidade do Novo México chamada Las Vegas (nada a ver, claro, com a cidade dos cassinos do Estado de Nevada), onde foram filmadas em 1969 sequências de Easy Rider.
* Em entrevistas, Simon Pegg e Nick Frost disseram que tinham pensando em um ator mais velho, talvez Jack Nicholson (que trabalha em Easy Rider), para fazer a voz de Paul. Mas os produtores preferiram Seth Rogen.
* Ainda com Easy Rider, Paul tem em comum a maconha e Bob Dylan. (No final do filme de 1969, em que os personagens fumam baseado o tempo todo, Roger McGuinn canta uma canção do homem, “It’s all right, ma”, se não me engano.) Tendo vivido desde 1947 até os dias de hoje entre os terráqueos, Paul se tornou fãzão da cannabis. Numa hora lá, fumando um, em torno de uma fogueira, como em Easy Rider, Paul diz que aquele é dos bons – é um do que matou Dylan. Clive intervém: – “Mas Dylan não morreu!” Ao que Paul – com a sabedoria de ser de outro planeta, assim como o espírito que encarnou no corpo de Robert Zimmerman – retruca: – “Quem disse que não?”
* Na vida real, Simon Egg é padrinho de uma neta da atriz Blythe Danner. A garota é filha de Gwyneth Paltrow, por sua vez filha de Blythe Danner.
Não sei o eventual leitor, mas eu adoro essas trívias, essas anedoctes de tournage. São absolutamente desnecessárias – mas deliciosas.
Assim como é delicioso este filme tão menos conhecido e badalado do que deveria.
Anotação em novembro de 2013
Paul – O Alien Fugitivo/Paul
De Greg Mottola, EUA-Inglaterra, 2011.
Com Simon Pegg (Graeme Willy), Nick Frost (Clive Gollings), Seth Rogen (Paul), Jason Bateman (agente Zoil), Kristen Wiig (Ruth Buggs),
Bill Hader (Haggard), Joe Lo Truglio (O’Reilly), Blythe Danner (Tara Walton), John Carroll Lynch (Moses Buggs), Sigourney Weaver (The Big Guy), Jeffrey Tambor (Adam Shadowchild), Jane Lynch (Pat Stevens), Mia Stallard (Tara menina)
Argumento e roteiro Simon Pegg e Nick Frost
Fotografia Lawrence Sher
Música David Arnold
Montagem Chris Dickens
Produção Universal Pictures, Relativity Media, Working Title, Big Talk Productions.
Cor, 104 min
**1/2
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