Meus Dias Incríveis / Arthur Newman

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2.5 out of 5.0 stars

Um homem de meia idade que não está nada contente com a vida que tem, e quer virar outra pessoa. Uma jovem de família despedaçada, sem laços no mundo, que se sente perto da insanidade mental. Arthur Newman, no Brasil Meus Dias Incríveis, é a história do encontro desses dois seres tão distantes um do outro – e de qualquer alegria.

Wallace Avery (o personagem do sempre ótimo Colin Firth) não gosta do emprego que tem – é subchefe de algum departamento do FedEx em Orlando, Flórida. Não gosta muito da namorada que tem, Mina (interpretado pela sempre ótima Anne Heche). Quando era casado, não dava a menor atenção para o filho, Kevin (Lucas Hedges): passava todo o tempo livre jogando golfe. Agora que o garoto é adolescente, sente falta dele e da convivência com ele que a rigor nunca existiu. Kevin, por sua vez, não quer saber sequer de conversar com o pai, e então Wallace costuma ficar observando meio de longe, de dentro de seu carro, com binóculo, o dia-a-dia do garoto na nova família formada pela ex-mulher.

Por causa de tudo isso, Wallace Avery um dia compra de um falsário novos documentos, em nome de Arthur Newman, e simula a morte do homem que ele não quer mais ser: anuncia a todos que está indo acampar em um parque estadual à beira-mar e lá, na praia, abandona a carteira com seus documentos dentro do sapato. Abandona o carro antigo ali perto, e, em um carro novo recém-comprado, começa a empreender uma longa viagem até Terre Haute, em Indiana.

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Essas informações vão sendo passadas para o espectador aos poucos, em doses homeopática, ao longo da narrativa. Só lá pelo meio do filme ficamos sabendo que ele está indo para Terre Haute, e mais tarde ainda  aparece o por quê: uma vez, em uma viagem, ele havia dado algumas instruções sobre golfe para um sujeito que aparentava dificuldades com o esporte. O sujeito havia adorado as lições, e se apresentado como o dono de um clube de campo e de golfe em Terre Haute, Indiana. E tinha dito; o dia em que você quiser um emprego é só aparecer. Wallace se identificou para o homem com o primeiro nome que lhe veio à cabeça: Arthur Newman.

A viagem de Arthur Newman da Flórida rumo a Indiana começa bem no início da narrativa.

Na primeira de suas paradas para pernoite em um motel à beira da estrada, Arthur fica conhecendo a jovem que diz ter o nome de Micaela e exige ser chamada de Mike (o papel da sempre ótima – mais uma! – Emily Blunt),

Mike é uma tragédia ambulante, um desacerto da genética, da natureza. Quando Arthur a vê pela primeira vez, está drogada, muito doidona, sendo presa: tinha saído com um desconhecido, acabara roubando o carro dele. Horas mais tarde, já solta, está deitada na beira da piscina do motel, à beira de uma overdose. Arthur sente piedade dela, e a leva para um hospital.

Aos poucos, em doses homeopáticas, o espectador ficará sabendo que Mike não se chama Micaela, e sim Charlotte, que não tem pai, e que a mãe, esquizofrênica, havia se matado. O único parente da moça é sua irmã gêmea, que está naquele momento em sua quarta internação em hospital psiquiátrico.

Por um bom tempo, não se largarão mais, esses dois tristes seres. Aí pelos 20 minutos de filme, pegam a estrada. Arthur Newman a partir daí vira um road movie.

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Um filme estranho, esquisito, a começar pelos atores ingleses interpretando americanos

É um filme um tanto estranho, esquisito, este, feito por um diretor que eu desconhecia completamente, Dante Ariola.

De cara já há um estranhamento: por que, raios, escolher um ator nascido em Grayshott, Hampshire, inglês até a medula, para interpretar esse americano da Flórida? Por que, raios, buscar uma atriz nascida em Londres para interpretar essa americana de Durnham, Carolina do Norte? Por que um papel tão pequeno e sem graça para a ótima Anne Heche?

Ali pelo meio de Arthur Newman, esse sujeito que jogou sua identidade e seu passado fora e está pretendendo começar uma nova vida e essa moça com graves problemas comportamentais passam a se dedicar a um esporte radical perigoso, no fio da navalha que separa a peraltice, o exótico, do desviante, do fora da lei.

Acho que relatar qual é exatamente isso que chamei de esporte radical é um spoiler. Acontece quando já se passou da metade do filme, e é algo um tanto, ou bastante, surpreendente, e então contar o que é faria perder a graça (ou a tristeza) para quem ainda não viu o filme.

Mas o fato é que, quando a dupla passa a fazer esses exercícios bem próximos da flagrante ilegalidade, me assustei: ah, meu Deus do céu e também da terra, será que este filme vai se revelar um elogio do comportamento desviante, marginal? Aquela coisa de endeusar o bandido? De dizer que a vida simples, normal, é mesmo um tédio, e o bom é quebrar todas as regras?

A melhor coisa do filme é, de longe, a atuação desses dois grandes atores

Felizmente, não é por aí. Bem que parece, durante algum tempo. Mas não é por aí, não – revela-se, quando a narrativa se aproxima mais do fim. É exatamente o contrário disso. Aleluia!

Há ainda muito pouca informação sobre o diretor Dante Ariola na rede. Deve ser bem jovem. O IMDb diz apenas que este é seu primeiro longa metragem. No mesmo ano de 2012 havia lançado um documentário de 11 minutos, Man & Beast, sobre um médico que venceu uma severa gagueira e passou a se dedicar à defesa de felinos selvagens.

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Becky Johnston, a autora da história original e do roteiro, tem mais chão percorrido na vida do que o diretor Dante Ariola. Sua filmografia não é extensa: ela foi roteirista ou co-roteirista de Sob o Luar da Primavera (1986), O Príncipe das Marés (1991) e Sete Anos no Tibete (1997).

A melhor coisa do filme, disparado, é a atuação dos dois grandes atores ingleses. Na sua crítica no AllMovie, Perry Seibert escreveu que, já que os atores ganham a vida interpretando outras pessoas, grandes atores deveriam brilhar em papéis de pessoas que fingem ser quem não são. E Arthur Newman dá a dois atores muito talentosos a oportunidade de provar essa afirmação.

E de fato Colin Firth e Emily Blunt estão muitíssimo bem. São eles que garantem que essa história estranha, esquisita, que roça perigosamente no abismo da bobagem, soe verdadeira, genuína.

Anotação em março de 2014

Meus Dias Incríveis/Arthur Newman

De Dante Ariola, EUA, 2012

Com Colin Firth (Wallace Avery/Arthur Newman), Emily Blunt (Mike),

e Anne Heche (Mina Crawley), Kristin Lehman (Mary Alice Wells), Sterling Beaumon (Grant Wells), M. Emmet Walsh (Zazek), Nicole LaLiberte (Hipster Sarah), Autumn Dial (Charyl), Lucas Hedges (Kevin Avery)

Argumento e roteiro Becky Johnston

Fotografia Eduardo Grau e Paula Huidobro

Música Nick Urata

Montagem Olivier Bugge Coutté

Produção Vertebra Films e Cross Creek Pictures. DVD Swen Filmes.

Cor, 101 min

**1/2

4 Comentários para “Meus Dias Incríveis / Arthur Newman”

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