Os Nomes do Amor, no original Le Nom des Gens, o nome das pessoas, tem coisas boas e coisas bobas. Na minha opinião, é claro – e a minha opinião vale no máximo uns três guaranis furados.
É um filme que mistura romance e política. Sexo, política e romance – acho que nessa ordem. Para, ao fim e ao cabo, apresentar uma mensagem de paz na Terra aos homens de boa vontade. O que não é mau, de forma alguma.
Os protagonistas são Arthur Martin e Bahia Benmahmoud – interpretados por Jacques Gamblin e Sara Forestier na idade adulta. O filme vai e vem no tempo para mostrar a infância e a adolescência dos dois, e assim Arthur e Bahia são representados também por outros atores – ele por Adrien Stoclet (quando adolescente) e Camille Gigot (quando criança), e ela por Laura Genovino (quando criança).
Arthur e Bahia são parisienses – mas essa é praticamente a única coisa que têm em comum. Embora use esse sobrenome francês, Arthur é filho de uma mãe judia e pai francês não judeu. Embora use esse sobrenome árabe, Bahia também é filha de mãe não árabe – o pai é um imigrante argelino.
Arthur tem aí uns 50 anos, Bahia é uma garota jovem na faixa dos 20 e tantos. (Jacques Gamblin estava com 53 em 2010, ano de lançamento do filme. Sara Forestier tinha 24.)
Arthur, veterinário especializado em doenças transmitidas por pássaros, é recatado, até tímido, veste-se sobriamente.
Bahia é expansiva, falante, usa roupas curtas, decotadas, sensuais. Em quase todas as sequências do filme, aparece com as coxas de fora, e às vezes com blusas bem largas que deixam um seio à mostra. Em algumas cenas, aparece totalmente nua.
A garota Sara Forestier, é necessário dizer, é uma absoluta gracinha. Tem um rosto lindo, com gigantescos olhões claros, e um corpo perfeito, escultural, maravilhoso. Em português claro, um tesão.
Bahia é uma trepadora quase compulsiva. Mas trepa por motivos ideológicos: esquerdista fanática, progressista em todas as causas, anti-racista, dá para todo homem de direita que conhece, a fim de tentar convertê-los ao bom caminho. Ela se define como uma “puta política”.
Em suma: Arthur e Bahia são o casal mais improvável deste mundo. Casal mais improvável deste mundo é base para boas comedinhas românticas – e Os Nomes do Amor é uma comedinha romântica gostosinha, sim. Embora com coisas bobinhas.
Convenhamos: uma moça sair de casa peladinha sem perceber que está peladinha é bobo
Por exemplo: numa determinada hora lá, Bahia se atrapalha, tem que sair de casa às pressas, e sai nuazinha em pêlo. Entra no metrô nuazinha em pêlo, e se senta diante de um casal de muçulmanos extremamente religiosos. Só então, com o olhar de reprovação do homem à sua frente, é que ela percebe que está nuazinha em pêlo.
Convenhamos: é um tanto bobo, isso, não?
Também me parece bobo – no mínimo, se não for grotescamente de mau gosto – a insistência do roteiro em dizer que Bahia é dada a dar muito pelo fato de ter sido abusada sexualmente por um professor de piano, quando era garotinha aí de uns 12 anos.
Como é um tanto boba a própria idéia original do filme, essa da esquerdista, avançada, progressista, naturalista Bahia dar para direitistas, retrógrados, racistas, xenófobos, nuclearistas e o escambau. Uma idéia um tanto – ou bastante – boba.
Há belas sacadas, como botar em cena Lionel Jospin interpretando Lionel Jospin
Mas nem tudo é bobagem em Os Nomes do Amor, de forma alguma. É uma bela sacada, por exemplo, o Arthur adolescente conversar com o Arthur maduro, questionar as decisões dele, cobrar dele por que, afinal, ele não conta para Bahia suas origens judaicas.
É outra bela sacada o Arthur maduro dizer que não consegue imaginar seu pai jovem – e então o pai dele que vemos é sempre interpretado por Jacques Boudet, já um senhor de idade, mesmo quando ele está lado da esposa jovem. Annette Martin, a mãe de Arthur, é interpretada por Michèle Moretti nos dias de hoje, já idosa, por Julia Vaidis-Bogard quando está com 30 anos, e por Rose Marit quando aparece ainda criança, na Paris ocupada pelos nazistas, quando foi adotada por um casal bondoso, enquanto seus pais foram enviados para um campo de concentração.
Toda essa participação das figuras do passado na narrativa atual – o jovem Arthur falando com o Arthur maduro, seus avós judeus tentando conversar com ele – é bem feita, com bom humor e competência. Não é preciso dizer que Ingmar Bergman usou pioneiramente essa mesma justaposição, na obra-prima Morangos Silvestres, e que seu discípulo Woody Allen repetiu isso em vários de seus filmes, como, por exemplo, em A Era do Rádio. É uma bela sacada de narrativa a forma com que Michel Leclerc confronta as figuras do passado com seu protagonista de hoje.
Arthur não é um direitista. Grande admirador de Lionel Jospin, ele é, digamos, de uma esquerda light. Membro do Partido Socialista Francês desde 1971, Jospin foi escolhido nas primárias para ser o candidato do PS na eleição presidencial de 1995; perdeu para Jacques Chirac, mas, após a vitória da esquerda nas eleições legislativas de 1977, tornou-se primeiro-ministro, num governo que os franceses chamaram de coabitação – um presidente de direta com um primeiro-ministro socialista.
Lá pelas tantas (e, embora isso se dê quando a narrativa está adiantada, não creio que seja um spoiler, pois não revela segredo da trama), Bahia consegue fazer com que Lionel Jospin em pessoa (na foto) apareça na casa de Arthur para uma visita de cortesia.
Não é um ator fazendo o papel de Jospin. É o próprio Jospin – e ele parece bem à vontade.
É uma deliciosa sacada do autor e diretor Michel Leclerc. Tudo bem: Woody Allen também botou em cena o próprio Marshall McLuhan, em Annie Hall, para participar de uma cena em que o personagem de Allen e Annie Hall-Diane Keaton estão numa fila de cinema e um chato pernóstico fica falando com a namorada sobre as teorias – na época em voga – do autor. Mas, de novo, insisto: o fato de Os Nomes do Amor usar idéias que já haviam sido usadas antes não desmerece o filme.
E a utilização, na trama do filme, da vitória do direitista Nicolas Sarkozy sobre a candidata socialista Ségolène Royal nas eleições presidenciais de 2007 é uma absoluta delícia.
Quando o filme passa a falar sobre judeus e árabes, as coisas melhoram
Le Nom des Gens foi o segundo longa-metragem dirigido por Michel Leclerc. Antes, em 2006, havia feito J’invente rien, baseado em argumento e roteiro escritos por ele mesmo.
O roteiro deste seu segundo filme é assinado por ele e por Baya Kasmi. Baya, a mesma pronúncia do nome da protagonista do filme, baiá, um nome aparentemente de origem árabe. Será o casal Arthur Martin-Bahia Benhahmoud inspirado, ainda que parcialmente, no casal Michel Leclerc-Baya Kasmi?
Não sei. Há pouquíssimas informações sobre o realizador no IMDb. Na Wikipedia em francês, se diz que o autor das pinturas executadas na idade adulta pelo personagem de Mohamed Benhmamoud – o pai de Bahia no filme – é Dib Kasmi, o pai da co-roteirista.
Mas o fato é que quando, lá pela segunda metade do filme, Le Nom des Gens se distancia um pouco da batida, antiga, velha, talvez bastante ultrapassada dicotomia esquerda x direita, e se concentra mais na questão das origens diferentes dos protagonistas, um meio-judeu e uma meia-muçulmana, as coisas ficam melhores.
É um tema que tem estado presente em filmes recentes, não só da França mas também da Inglaterra e da Alemanha – e não é para menos. Com o aumento da imigração de descendentes de muçulmanos para os países europeus mais estáveis, essas questões de imigração, xenofobia, convivência de culturas diferentes tornam-se mais e mais importantes. E o cinema, que sempre está à frente da sociedade como um todo, mais progressista do que o conjunto da sociedade, mais rápido na aceitação de valores melhores, tem respondido a elas com belas obras, como, por exemplo, o francês Má Fé/Mauvaise Foi (que mostra o namoro de um filho de árabes com uma jovem judia) e o inglês Santa Paciência/The Infidel (em que o protagonista, um descendente de árabes que não liga nada para as tradições ou a religião muçulmana, de repente descobre que foi adotado quando bebê – e seus pais na verdade são judeus).
“Quando houver só mestiços no mundo, haverá paz!”
Quando Arthur, de saco cheio com todo esse papo de judeu ou não judeu, resume que eles dois são mestiços, o rosto lindo de Sara Forestier-Bahia Benhahmoud se ilumina, e ela diz:
– “Somos mestiços! Deveríamos sair por aí e trepar e nos multiplicar. Quando houver só mestiços no mundo, haverá paz! Somos o futuro da humanidade!”
Nesse momento, na minha opinião, Le Nom des Gens deixa de ser bobinho, e alça vôo.
Há muito tempo tenho a convicção firme de que a miscigenação é o melhor que pode acontecer a esta nossa infeliz raça – uma raça tão infeliz que julga que há diferentes raças, embora sejamos todos de uma raça só.
Há países, locais, que poderiam se orgulhar por ter uma sociedade miscigenada há séculos – embora ainda com graves injustiças sociais –, enquanto há outros que só agora começam a se miscigenar – até porque algumas poucas décadas atrás os casamentos inter-raciais eram proibidos por lei.
No Havaí, por exemplo, há orgulho por não haver uma etnia majoritária.
Infelizmente, porém, países que poderiam se orgulhar de ter muitos mestiços acabam macaqueando, imitando idiotamente os países que até outro dia eram racistas até nas leis.
Mas aí dei uma viajadinha.
Embora, afinal de contas, Le Nom des Gens seja exatamente sobre isso.
É linda a seqüência em que Sara Forestier-Bahia Benhahmoud proclama que os mestiços são o futuro da humanidade. Que nós, os mestiços, somos o futuro da humanidade.
A frase dela faz a gente esquecer de muitas frases bobinhas que ela pronuncia antes disso.
Anotação em novembro de 2012
Os Nomes do Amor/Le Nom des Gens
De Michel Leclerc, França, 2010
Com Jacques Gamblin (Arthur Martin), Sara Forestier (Bahia Benmahmoud),
e Zinedine Soualem (Mohamed Benhmamoud), Carole Franck (Cécile Delivet Benmahmoud), Jacques Boudet (Lucien Martin), Michèle Moretti (Annette Martin), Zakariya Gouram (Hassan Hassini), Julia Vaidis-Bogard (Annette aos 30 anos), Rose Marit (Annette criança), Adrien Stoclet (Arthur Martin adolescente), Camille Gigot (Arthur Martin criança), Laura Genovino (Bahia Benmahmoud criança), Youari Kime (Mohamed Benmahmoud criança), Nabil Massad (Nassim), Lionel Jospin (como ele mesmo, em partipação especial)
Argumento e roteiro Baya Kasmi e Michel Leclerc
Fotografia Vincent Mathias
Música Jérome Bensoussan e David Euverte
Montagem Aurélie Guichard
Produção Delante Films, Karé Productions, TF1 Droits Audiovisuels, Canal+, TPS Star. DVD Califórnia.
Cor, 100 min
**1/2
Concordo, concordo, mil vezes concordo! A cena dela pelada no metro é bobinha e chega até ser meio vulgar, mas o saldo do filme é, definitivamente, positivo. E ressalto ainda a bela atuação do ator que faz o Arthur Martin.
Não poderia discordar mais. Adoro ler seus artigos. Mas neste caso particular, entendo que sua análise ficou na superfície dos fatos, o que não é a essência deste filme, que fala fundamentalmente de relacionamentos, de diferenças e de como é possível superá-las ou conciliá-las. O resto é ‘pano de fundo’. E daí se foge do convencional? Se afronta o ‘bom-senso’? É apenas uma estória, contada de uma maneira extrovertida, divertida, e porque não dizer chocante. Eu diria que é um ótimo filme para uma cineterapia, com ‘zilhões’ de detalhes, como a bota que ela usa durante todo o filme, independentemente da roupa, ou mesmo quando está nua no metrô. Alguém pensou sobre o significado disto?
Discordo, discordo uma vez só. A cena é necessária, retrata a liberdade das mulheres de esquerda, ilustrada pela cena de nudez, necessárias ao cinema em geral. Na realidade o cinema apela para a nudez. Na relidade as mulheres da esquerda conquistaram a liberdade, usam o corpo e sua nudez, para expressá-la e ratificaca-la.
Belo o sapatinho cor de rosa da personagem!Usado no parque e no metrô, sem pudor!
Pode-se dizer que o lema da Bahia era aquele tão famoso dos anos 60 “faça amor,não faça guerra”. A filiação tería algo a ver ?
Mais um título (tradução)inadequado para um filme. O mais certo sería o original.”O nome das pessôas”. Identidade.É este um dos temas que o filme trata.
Culturas diferentes, problemas no amor, são outros. Como por exemplo o amor deles. Embora tenham opiniões opostas, diferentes, se apaixonam.
Achei a Sara muito bonita e, como dizes,um corpo muito bonito, dona de uma bela bunda.
Aliás, li que a Sara ganhou o Cesar 2011 de melhor atriz.
Também achei que teve fundamento a cena em que ela sai nua à rua. Achei que o fato de ela ter esquecido de se vestir, mostrou que ela não era apegada as convenções, para ela não havia tabus, regras,correto/não correto.
Ía esquecendo: melhor ter um nome comum como Arthur Martin do que outros que existem por aqui.
Gostei também da atuação do Jacques Gamblin.
Nota-se que a relação do Arthur com sua família não era lá essas coisas. Fica claro que seus pais evitavam falar de coisas como Judeus, Auschwitz, etc . . .
Achei muito legal a cena da eleição.
O jantar em familia com os pais da Bahia e os do Arthur, então . . .
A frase da Sara, realmente muito bonita.
Gostei muito deste filme .
Um abraço !!
Gostei muito da crítica embora também discorde de algumas coisas. Tanto não achei bobinha a cena da nudez quanto sobre a questão da direita/esquerda colocada no filme. Sobre a nudez só para somar ao que já foi dito pelo Ivan e trazer para a vida cotidiana, posso dizer que me vi naquela cena toda distraida fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo e esquecendo outros milhões, rs. Achei um pouco exagerado, como costuma ser as comédias, mas não bobo. Outro exagero cometido para tirar sarro, imagino, foi essa coisa da esquerda e a direita muito marcada e quase anacrônica. No geral achei bem divertido.