O Preço a Pagar / Le Prix à Payer

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2.5 out of 5.0 stars

Em O Preço a Pagar, de 2007, a diretora Alexandra Leclère – ela também autora do argumento e do roteiro – ousa abordar um tema sério, sensível, com imenso potencial de despertar polêmicas: as mulheres que não trabalham e vivem às custas do trabalho do marido.

E ela aborda o tema perigoso em uma comédia escrachada, uma sátira. Faz rir (e faz rir bastante) de um assunto grave.

Se o filme fosse escrito e dirigido por um homem, seguramente haveria muita gente acusando o autor de misoginia, machismo, porquice-chauvinista.

O filme não faz generalizações: mostra dois casos específicos de teúdas e manteúdas

Claude Lelouch costuma dizer que só há duas ou três histórias na vida, com pequenas variações entre uma e outra. É uma bela frase de efeito – e tem muito de verdade. Mas a rigor, a rigor mesmo, cada caso é um caso. Em cada caso há que se ver o contexto, as circunstâncias, os atenuantes.

zzprix5Toda generalização é necessariamente imprecisa, redutora – a rigor, a rigor, idiota.

O Preço a Pagar não comete a generalização idiota de dizer que todas as mulheres precisam necessariamente trabalhar fora, ter profissão, ganhar seu salário. Nem a outra generalização de dizer que toda mulher que não trabalha fora, que não tem sua carreira, que não ganha seu salário, é uma exploradora, uma sanguessuga

Por exemplo: as mulheres que optam por não trabalhar enquanto seus filhos são bem pequenos fazem uma escolha que não pode ser condenada sob nenhum aspecto.

Há milhões e milhões de mulheres, as menos afortunadas, mais pobres, que não trabalham fora mas são escravas do trabalho doméstico.

Sem falar que milhões e milhões de mulheres enfrentam a carga dupla, às vezes tripla, de trabalhar fora, cuidar dos filhos e dos maridos, e tocar as tarefas da casa.

Alexandra Leclère escolheu mostrar duas mulheres que já não têm filhos bebês, que não se esfalfam na lida doméstica, que já não amam mais seus maridos, que sequer têm carinho, afeto por eles, quanto menos sexo com eles, e são teúdas e manteúdas por eles.

Um casal rico, um casal de trabalhadores – a eterna dicotomia dos filmes franceses

O Preço a Pagar segue aquela antiquíssima tradição dos filmes franceses e italianos de fazer grande distinção entre os burgueses de um lado e os trabalhadores de outro.

Às vezes parece que, se não houvesse luta de classes, se não houvesse a diferença gigantesca entre as classes, não haveria filmes franceses e italianos.

Como a humanidade está longe demais do Nirvana da igualdade social, então temos os filmes franceses e italianos, e em O Preço a Pagar há dois casais – um burguês, o outro trabalhador.

Os burgueses têm nome e sobrenome. Os trabalhadores não têm sobrenome.

zzprix6Jean-Pierre Ménard (Christian Clavier, à esquerda) é rico pra cacete. É  empresário, dono de uma grande empresa. Não ficamos sabendo exatamente o que faz a empresa – apenas se diz que ela compra e vende.

Rico pra cacete, Monsieur Ménard é casado com Odile (o papel de Nathalie Baye). Têm uma filha, Justine (Anaïs Demoustier), uma aborrescente já bem grandinha, aí pelos 17 anos. Nem pai nem mãe dão muita bola para a filha, não há amizade, cumplicidade, demonstrações de afeto entre eles.

Com a filha grande, e uma bonne (que palavra estranha para designar empregada doméstica os franceses têm) que faz todo o serviço de casa, sobra para Madame Ménard gastar o dinheiro que o marido ganha. Ganhar dinheiro é difícil, mas gastá-lo é das coisas mais fáceis do mundo. Madame Ménard compra, compulsivamente, como muitas mulheres com muito dinheiro (do marido ou extraído do próprio trabalho) fazem. Compra roupas de grife, sapatos de grife, agasalhos de grife. Vai a cabeleireiro, massagista, todas essas coisas de dondoca. Às vezes, até compra roupas de presente para o marido com o dinheiro dele. Com os presentes para o marido comprados com o dinheiro dele, entende que já cumpriu todas as suas funções de esposa.

Richard, sem sobrenome (o papel de Gérard Lanvin, à direita na foto acima), é o motorista de Monsieur e de Madame.

Richard está casado (embora sem papel, mas papel é o que menos importa) há três anos com Caroline (a bela Géraldine Pailhas, ao centro na foto acima).

Embora um Grand Canyon o separe de seu patrão, Richard tem com Caroline uma vida semelhante à que Jean-Pierre tem com Odile. (Na foto abaixo, Madame e seu motorista.)

zzprix7Caroline não trabalha. Havia se mudado com os dois filhos de uma ligação anterior para o minúsculo apartamento de Richard quando se conheceram, e lá foi ficando, foi ficando, os meninos foram crescendo, e uns seis meses antes de a ação do filme começar ela havia descoberto que tinha nascido para ser escritora. Passara a escrever freneticamente em seu ordinateur, e cada vez dava menos bola, atenção, carinho, ou qualquer coisa parecida, para o homem que pagava suas contas.

Madame vai à bilheteria do metrô e pede uma passagem de primeira classe!

E então o burguês, empresarião, ricaço Jean-Pierre descobre que ele e seu motorista Richard têm muito em comum. Ambos – cada um em seu grau – têm mulheres que são teúdas e manteúdas, não trabalham, não ganham dinheiro, só vivem do dinheiro que o marido ganha. E sequer trepam com os maridos para agradecer pelo teudamento e o manteudamento.

Aproximam-se, os dois seres distanciados socialmente por um Amazonas, um Grande Canyon. E é Richard, o pobre, que dá a idéia para o burguês: se for cortado o abastecimento de dinheiro rumo às mãos de Madame, Madame terá que pedir. Terá que agradar Monsieur, dar para ele.

As situações mostradas a partir daí são ridículas, grotescas – e impagáveis, hilariantes. Há uma seqüência especialmente engraçada. Com apenas 10 euros na carteira, Madame é obrigada a tomar o metrô; na bilheteria, pede uma passagem de primeira classe.

– “Faz 20 anos que não existe primeira classe no metrô”, informa o funcionário.

– “Ah, é? Então vai todo mundo junto?”

Uma comédia com muitos momentos hilariantes, mas que tem uma trava amarga

O filme de Alexandra Leclère estabelece as bases do seu tema na primeira metade do filme.

São bases sérias, interessantes – e capazes de suscitar polêmica.

Mas a sensação que se tem é de que, a partir daí, a autora e realizadora não soube muito bem o que fazer.

zzprix9A partir da metade do filme, comentei com Mary: “Ah, não, ela não vai fazer isso!”

Seria um absurdo. Seria uma saída fácil – mas sobretudo sem sentido, boba demais.

Quando faltam três minutos para o final do filme, parece que Alexandra Leclère não faria aquela asneira.

No último minuto, ela faz.

Mas, pensando bem, talvez não dê para culpá-la. Talvez seja errado dizer que ela não soube muito bem o que fazer com todos os problemas levantados ao longo de sua narrativa.

Talvez, a rigor, a rigor, ela esteja certa com o final que escolheu para dar a essas tristes histórias.

Porque, por mais que isso nos pareça nojento, abjeto, a escolha por ficar, por manter tudo como estava, é, para muita gente, mais fácil que mudar.

Já vi isso muitas vezes na vida. Infelizmente.

Alexandra Leclère fez uma comédia que tem muitos momentos hilariantes. Mas a realidade que ela mostra é profundamente amarga, triste.

Anotação em agosto de 2013

O Preço a Pagar/Le Prix à Payer

De Alexandra Leclère, França, 2007

Com Christian Clavier (Jean-Pierre Ménard), Nathalie Baye (Odile Ménard), Gérard Lanvin (Richard), Géraldine Pailhas (Caroline), Patrick Chesnais (Grégoire), Anaïs Demoustier (Justine Ménard)

Argumento e roteiro Alexandra Leclère

Fotografia Jean-François Robin

Música Philippe Eidel

Produção Pan Européenne Production, StudioCanal, TF1 Films Production, Canal+. DVD Vídeo Filmes.

Cor, 95 min

**1/2 

8 Comentários para “O Preço a Pagar / Le Prix à Payer”

  1. Sérgio,
    Por gentileza, indique-me o título americano deste filme.
    Desde já, muito obrigado.

  2. Olá, Jefferson.
    Segundo o IMDb, o título em inglês é a tradução literal do original – “The Price to Pay”.
    Um abraço.
    Sérgio

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