A Árvore dos Enforcados, no original The Hanging Tree, foi feito em 1959 por Delmer Daves, um diretor então de razoável prestígio. Não é um western tradicional, de maneira alguma. Na verdade, é um western bem pouco usual.
A sensação que se tem é que o objetivo do filme era reconstituir os usos, os costumes, o comportamento das levas que famílias que participaram da corrida do ouro no Noroeste dos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX.
Para fazer seu clássico Em Busca do Ouro/The Gold Rush, de 1925, Charlie Chaplin se inspirou, em parte, na corrida do ouro de Klondike, no extremo noroeste do Canadá, próximo ao Alasca – em seu filme, ele reproduziu em imagens em movimento uma foto feita naquele remoto lugar entre 1897 e 1899.
Claro: Em Busca do Ouro é uma comédia escrachada – uma das mais hilariantes, e brilhantes, que já foram feitas. A Árvore dos Enforcados é um drama, que tenta retratar com seriedade, densidade, como era o ambiente durante a corrida de ouro no território de Montana – na fronteira com o Canadá, quase no extremo Noroeste americano – em 1873.
A ação se passa num pequeno vilarejo construído às pressas junto de um rio onde haviam descoberto algumas pepitas de ouro. Dezenas, centenas de aventureiros haviam acorrido para o lugar. Há poucas construções de madeira, mais sólidas – muitos dos garimpeiros vivem em tendas. É em tendas que trabalha o grande grupo de prostitutas que seguiram para lá atrás dos homens que procuravam ouro.
A cada dia chegam novos candidatos a garimpeiro. Famílias inteiras chegam em carroças.
As turbas não raciocinam – estouram, como as manadas de bois
Já na primeira seqüência se focaliza uma árvore em que há uma corda pendurada. Um dos homens que chegam ao lugar levando a família e a esperança de riqueza em sua carroça diz:
“Cada acampamento de mineiros tem que ter uma árvore dos enforcados. Faz as pessoas se sentirem respeitáveis.”
Os aventureiros, os caçadores de fortunas chegam às regiões da febre do ouro muito antes de qualquer tipo de lei – é o que mostra o filme de Delmer Daves. Não há xerife, não há homem com estrela de lata no peito, no lugarejo onde se passa a ação de The Hanging Tree. Quem faz “justiça” é o povaréu, a turba, a multidão – e todos estamos cansados de saber que turbas, multidões, não raciocinam. Estouram – como as manadas de bois.
Um garoto tenta roubar uma pepita de ouro, e é perseguido pela multidão
Entre as famílias e os aventureiros solitários que chegam aos magotes àquele lugar remoto está um homem a cavalo, puxando um segundo animal carregado com seus pertences. Vem na pele de Gary Cooper – um dos atores mais respeitados, admirados, amados de seu tempo. Veremos que seu personagem se chama Joseph Frail – doutor Joseph Frail. É um M.D., medical doctor.
Ele passa sob a árvore dos enforcados, olha para ela. Ao final da narrativa terão um encontro, o Doc e the hanging tree.
Paralelamente, nessa abertura do filme, grandes planos gerais nos mostram o vilarejo, a área de garimpo junto do belo rio.
Alguns dos garimpeiros mais prósperos usavam o sistema de calha. Construíam-se longas calhas de madeira, em trajetória descendente. No alto, jogava-se a terra extraída das minas, ou apanhada na superfície, e depois lançava-se água. Na parte inferior da calha, as pessoas observavam as pedras, a terra – sempre havia a possibilidade de surgir ali uma pepita de ouro.
Um rapazote aí de uns 18, 20 anos, localiza uma pedrinha amarela na calha. De longe, um homem com um capuz engraçado vê e dá o berro:
– “Ladrão de calha!”
O rapazote (veremos depois que se chama Rune, e é interpretado por Ben Piazza) foge em disparada. Atrás dele vão o homem com o capuz esquisito (Frenchy, o papel de Karl Malden), e, em instantes, dezenas e dezenas de pessoas. Diversos dele repetem o grito: – “Ladrão de calha!”
Frenchy atira várias vezes contra Rune; um dos tiros o acerta no ombro.
O médico ameaça o monopólio que o curandeiro tinha até então
Em ação paralela, já havíamos visto o doutor Frail comprar, por US$ 500, em moedas de ouro, uma casa de madeira numa colina bem acima do vilarejo. O Doc socorre o rapaz ferido, leva-o para sua casa recém-adquirida, extrai a bala de seu ombro, faz um bom curativo – e exige, como pagamento por seu trabalho, que o garoto Rune passe a servi-lo em tudo de que necessitar.
Expõe para o garoto as coisas de forma simples: ou ele, Rune, aceita virar seu empregado, ou o doutor mostrará aos garimpeiros a bala que extraiu de seu corpo – o que significa árvore dos enforcados.
A contragosto, mas sem outra saída, Rune vira empregado de Frail. Primeira de suas tarefas: percorrer o vilarejo anunciando que ali agora há um médico.
Um dos homens do vilarejo já havia conhecido o doutor Frail anos antes, em outro lugar. É Tom Flaunce (Karl Swenson), um dos homens mais prósperos do lugar, dono do único armazém de secos, molhados e tudo o que mais houver. Flaunce fica contente com a chegada do velho conhecido.
Mas para uma pessoa, em especial, o doutor Frail não é nada bem-vindo. Trata-se do curandeiro do lugar, Grubb, que, até então, tinha o monopólio de curar pessoas ali, o que fazia com a ajuda de uma Bíblia, frases sonoras e uma garrafa sempre aberta de uísque.
É bater o olho no curandeiro um tanto andrajoso, sujo, barba por fazer, e vemos que o ator que o interpreta é George C. Scott (na foto acima). Não poderia haver dúvida, mas parei o filme para checar. Claro, é ele. Este aqui foi seu primeiro filme; naquele mesmo ano de 1959, faria também um promotor importante em Anatomia de um Crime, aquela absoluta maravilha; em 1961 participaria de outro grande filme, Desafio à Corrupção/The Hustler. Numa carreira extraordinária, se transformaria em um dos maiores atores do cinema americano na segunda metade do século XX.
Um herói/anti-herói complexo, multifacetado, bondoso às vezes, mas também violento
É um herói/anti-herói complexo, complicado, multifacetado, esse doutor Joe Frail interpretado por Gary Cooper no alto dos seus 58 anos de idade, 33 de carreira, uma grande galeria de belos filmes, cinco indicações ao Oscar até então, duas estatuetas – por Sargento York, de 1941, e Matar ou Morrer/High Noon, de 1952.
Doc Frail um ótimo profissional. Cuida com competência e dedicação de todos os que vão bater à porta de sua casa. Com Frenchy, que vai até ele queixando-se de um furúnculo, é quase violento – mas competente. Com a garotinha desnutrida, que os pais sem um tostão furado não conseguem alimentar direito, é doce: cobra pela consulta um beijo da menininha.
Tem uma faceta de frieza, crueldade, até. Faz do rapazote Rune seu escravo. Acha que pode ser dono das pessoas, como o próprio Rune dirá várias vezes.
É tão bom no pôquer (esfola um jogador até tomar-lhe os direitos de exploração de um veio) quanto no gatilho e nos punhos, conforme se verá ao longo da narrativa.
Cercam seu nome rumores de que no passado teria sido responsável pela morte de uma mulher e um homem.
A população se divide. Há os que são gratos ao Doc – os de quem ele cuidou – e há os que o temem e/ou odeiam e/ou invejam.
O casal dono do armazém é um espelho dessa divisão. Tom Flaunce gosta dele, tem respeito por ele. Sua mulher, Edna (Virginia Gregg), não tem pelo medico qualquer simpatia. Muito ao contrário.
Edna – o retrato da mulher ranheta, atrasada, puritana, retrógada, preconceituosa, infeliz – e seu ódio sem motivo aparente por Doc serão importantes no desenrolar da história, depois da entrada em cena da estrangeira.
Surge na história uma jovem estrangeira belíssima
Estamos com 20 minutos de filme quando uma diligência é assaltada perto do lugarejo. Quase todos os ocupantes são retirados da diligência – ou expelidos para fora quando os cavalos desatam numa corrida louca, espantados pelos tiros. Só permanece nela uma mulher, uma suíça que vinha com seu pai se estabelecer naquele fim de mundo. A diligência descontrolada rola imenso barranco abaixo. A mulher – que, segundo relato do condutor, que sobrevive ferido ao assalto, é lindíssima – desaparece.
Tom Flaunce organiza um grupo de homens para tentar encontrar a mulher perdida – the missing lady.
Estamos com exatos 28 minutos de filme quando Frenchy – sempre ele! – a encontra. Está em estado de choque, com queimaduras graves devido ao sol. Os olhos estão cerrados, e o doutor Frail logo vai diagnosticar que está cega – temporariamente, espera-se.
Tom Flaunce oferece sua casa, a melhor do lugarejo, para a convalescência da missing lady. Para absoluta contrariedade de sua mulher, Edna, o poço de baixaria.
O Doc e seu escravo Rune vão cuidar dela com extremado cuidado.
Edna e as demais respeitáveis senhoras da comunidade ficarão muito curiosas para saber exatamente o que está acontecendo na casa de que os Flaunces são expulsos para que a estrangeira seja tratada.
Ela é interpretada por Maria Schell.
Aquele lugarejo perdido não estava preparado para receber uma mulher tão bela
Em seu Movie Guide, Leonard Maltin dá 3 estrelas em 4: “Western letrado, em tom menor, com magnífica atuação de Schell como uma moça cega tratada por Cooper, um médico de fronteira com um passado. Não para todos os gostos. O primeiro filme de (George C.) Scott.”
Cada cabeça, uma sentença. Mestre Jean Tulard, em seu amazônico Guide des Films, sentencia: “Sobre um tema inesperado, Daves tentou construir um western original, em que Malden e Scott, em início de carreira, se entregam de coração alegre. Mas, meu Deus, é preciso suportar a espantosa Maria Schell tão à vontade nesse western quanto um canguru num banco de gelo. Gary Cooper salva o que consegue.”
Cacete! Poucas vezes vi mestre Tulard tão exagerado, tão irritado… tão Sérgio Vaz!
Afinal, Maria Schell tem uma magnífica atuação ou está tão à vontade quanto um canguru num banco de gelo?
Não sei dizer. A beleza dela me cega, me impede de ter qualquer juízo de valor a respeito de sua atuação.
Um livro que aprecio muito, um dicionário inglês, Actors & Actresses, faz uma apreciação ponderada sobre a carreira de Maria Schell. Relata que, ao longo dos anos 50, a atriz “deslumbrou audiências na Europa com uma série de atuações extraordinariamente marcantes”. “As audiências alemãs, que eram especialmente enamoradas pelos retratos intensos de mulheres que sofriam injustamente, a elegeram sua atriz favorita em 1951, 1952, 1954, 1955 e 1956.” Ganhou prêmios por suas interpretações em dois dos três mais importantes festivais do mundo – Cannes em 1953 e Veneza em 1956. Ao estabelecer-se em Hollywood, no final dos anos 1950, interpretou papéis inadequados, inclusive como a Grushenka de Os Irmãos Karamázovi de Robert Brooks, de 1958. O livro não cita este A Árvore dos Enforcados, mas dá para se depreender que este foi outro caso que o livro chama de miscasting, escolha errada da atriz para aquele determinado papel.
Eu diria que aquele lugarejo perdido entre as montanhas de Montana não estava preparado para receber uma personagem que vem na pele de Maria Schell. E nisso não vejo que tenha havido miscasting. Aquele povo simplesmente não conseguia suportar a beleza da estrangeira Elizabeth Mahler.
Quem viu Maria Schell na tela não consegue esquecê-la
Um amarelecido caderninho indica que o adolescente Sérgio Vaz – eu mesmo, numa antiga encarnação/encadernação – viu o filme em 1966. Filme número 103 daquele ano, visto no Cine Palácio, de Curitiba. Não tenho hoje a menor noção de qual era o Cine Palácio de Curitiba. Na mesma página em que está anotado A Árvore dos Enforcados há Help!, o segundo filme de Richard Lester com os Beatles, três vezes, e A Noite, de Antonioni. O adolescente deu 5 estrelas para A Noite e 3 para A Árvore dos Enforcados. Esquisito ver anotações feitas em outras encarnações/encadernações.
Não me lembrava de nada do filme, ao revê-lo agora, velhinho – a não ser a beleza de Maria Schell. Quem viu Maria Schell na tela quando era adolescente pode reencarnar/reencadernar quantas vezes for – não dá para esquecer.
Quase um grande filme: tem probleminhas, mas também tem grandes qualidades
Hoje me parece que The Hanging Tree é quase um filme muito bom.
Há problemas no roteiro. Probleminhas, é verdade, mas há. É muito estranho, por exemplo, que o casal Flaunce simplesmente ceda sua casa para a convalescença de Elizabeth Mahler, a estrangeira. E aí, ficam vivendo onde?
É muito estranho que Elizabeth aceite fazer sociedade com Frenchy, figura em nada, nadinha, confiável. É exagerado demais o resultado da procura daquele trio improvável, Elizabeth e Rune mais Frenchy, por ouro.
Enfim, há probleminhas de verossimilhança em alguns momentos.
Mas há muitas qualidades.
A forma com que Delmer Daves retrata aquele fim de mundo de repente lotado de gente dominada pela cobiça é bastante interessante. O herói/anti-herói capaz de gestos de carinho e ao mesmo tempo socos poderosos, um sujeito que cura as doenças das pessoas enquanto ao mesmo tempo transforma em escravo um pobre diabo que tentou roubar uma pepita de ouro, é um personagem fascinante.
Num gênero construído por antíteses – mocinhos x bandidos, brancos x índios, cavaleiros solitários x grandes proprietários –, A Árvore dos Enforcados fascina com esse sujeito ambíguo, ambivalente, ao mesmo tempo herói e anti-herói, suave e duro, apaixonado e esquivo.
E a longa sequência, quando a narrativa vai chegando ao final, em que se dá o estouro da manada, é poderosa. Faz lembrar, por exemplo, Fúria, um dos melhores filmes da fase americana do grande Fritz Lang, e também Caçada Humana, o cruel retrato que Arthur Penn fez da sociedade americana.
Os homens são capazes de imensas vilezas. As turbas, as multidões podem ser o que há de pior na natureza humana elevado à enésima potência.
Anotação em fevereiro de 2013
A Árvore dos Enforcados/The Hanging Tree
De Delmer Daves, EUA, 1959
Com Gary Cooper (Doc Joe Frail), Maria Schell (Elizabeth Mahler), Karl Malden (Frenchy Plante), Ben Piazza (Rune), George C. Scott (George Grubb), Karl Swenson (Tom Flaunce), Virginia Gregg (Edna Flaunce), John Dierkes (Society Red), King Donovan (Wonder)
Roteiro Wendell Mayes e Halsted Welles
Baseado numa novela de Dorothy M. Johnson
Fotografia Ted McCord
Música Max Steiner
Montagem Owen Marks
Produção Martin Jurow e Richard Shepherd, Warner Bros. DVD
Cor, 106 min
R, ***
Título na França: La colline des potences. Em Portugal: Raízes de Ouro.
Eu,com certeza, na minha adolescência também vi filmes com a Maria Schell.
Inclusive ” Os irmãos Karamázov ” que voce cita.
Com certeza, era uma mulher muito linda.
E, ela tinha um modo, um jeito de olhar, que instigava.
Vi também filmes com o C.Scott e O K.Malden dois atôres maravilhosos.
O Malden inclusive costumava “viver” vilões.
Aqui neste não sei, ainda não vi. Teve vida longa, morreu com 97 anos.
Com certeza este filme vou ter que procurar via online pois nas locadoras, vou ficar chupando dedo.
Um abraço !!
sou louco por filmes de western mas este nao tenho so vi uma vez e adorei. gosto muito dos filmes do gary cooper um dos melhores