O Homem que Mudou o Jogo, no original Moneyball, é um bom filme. Bem bom. Produção esmerada, bem cuidada em todos os aspectos técnicos, com ótimas interpretações, conta uma história real envolvente, fascinante. No entanto, não é um filme para todo tipo de público.
É um filme sobre esporte. E sobre beisebol, um esporte que para a imensa maioria de nós, brasileiros, não quer dizer nada. (Só conheço uma única pessoa que gosta de beisebol, vê jogos de beisebol – meu amigo Elói Gertel. Mas ele é meio doido – como qualquer outra pessoa.)
O Homem que Mudou o Jogo teve seis indicações ao Oscar: melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator para Brad Pitt, melhor ator coadjuvante para Jonah Hill, melhor montagem, melhor mixagem de som. Verdade que não levou nenhum prêmio – mas isso não quer dizer muita coisa. A Cor Púrpura, de Spielberg, por exemplo, teve 11 indicações e não levou nenhuma estatueta do carequinha dourado; Hitchcock jamais ganhou um Oscar de melhor diretor, e Cidadão Kane só levou o de melhor roteiro.
Não levou nenhum, mas teve toda a publicidade de um indicado a seis Oscars. Tem Brad Pitt, um dos galãs mais bem pagos de Hollywood. Fala sobre a grande paixão americana – maior talvez até mais que peitão grande, hambúrguer e carro. Foi elogiado pela crítica. É uma produção tão caprichada que se dá ao luxo de ter Robin Wright, ex-Penn, essa atriz maravilhosa, fazendo uma participação especial – aparece em apenas uma única seqüência (a da foto acima).
E, no entanto, no mercado americano rendeu US$ 75 milhões. Uma fortuna – mas pouco, se se comparar com seu custo, de US$ 50 milhões.
Há belos filmes sobre beisebol – mas filme sobre esporte não dá grande bilheteria
Os filmes sobre esporte não costumam fazer grande sucesso de público. É estranho, esquisito, talvez difícil de se explicar, mas a verdade é esta: cinema e esporte não é um casamento que dá muito ibope.
Moneyball prossegue uma linhagem de bons filmes sobre beisebol, que inclui Um Homem Fora de Série/The Natural (1984), Sorte no Amor/Bull Durham (1988), Campo de Sonhos/Field of Dreams (1989), Uma Equipe Muito Especial/A League of Their Own (1992), para citar só alguns.
Todos esses filmes têm grandes admiradores, fãs absolutos – mas nenhum deles chegou a ser um estouro de bilheteria.
Alguém deveria escrever uma tese de mestrado mostrando por que, raios, não dá certo na bilheteria o casamento cinema e esporte.
Pensando bem, já deve haver umas três dúzias de tese de mestrado sobre esse isso. Tem tese de mestrado sobrando sobre qualquer tema.
Se um time tem jogadores que custam US$ 114 milhões, e outro, R$ 39 milhões, não é um jogo justo
Os acontecimentos que o filme mostra se deram, de fato, entre 2001 e 2002.
Em 2001, o Oakland Athletics, ou simplesmente Oakland A’s, como é mais conhecido, conseguiu chegar perto das finais da Major League, o que corresponderia grosso modo ao Campeonato Brasileiro da Série A do nosso futebol. Foi, no entanto, eliminado pelo New York Yankees, um dos times mais tradicionais e vitoriosos que há no beisebol.
A folha de pagamento dos Yankees era de US$ 114 milhões. A dos Oakland A’s, de US$ 39 milhões.
Convenhamos que, só de ver esses números, dá para dizer que não era uma disputa justa.
O filme se baseia num livro que tem o título sugestivo de Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game – a arte de ganhar um jogo injusto. O autor do livro, Michael Lewis, conta a história do que aconteceu com os Oakland A’s em 2001 e 2002.
Após a derrota, o time perde seus melhores jogadores
Logo após a derrota diante dos Yankees, os Oakland A’s perdem seus três melhores jogadores, contratados por equipes com orçamento melhor. Algo mais ou menos assim como se o Santos do início dos anos 60, após perder um campeonato, ficasse de uma só vez sem Coutinho, Pelé e Pepe, ou o Botafogo da Elena Landau e do meu irmão Geraldo ficasse sem Garrincha, Newton Santos e Didi.
O general manager dos Oakland A’s, literalmente gerente geral, mas o que aqui imagino seria o presidente do clube, chamava-se (e se chama ainda) Billy Beane. O Billy Beane da vida real aparece nos especiais que acompanham o filme no DVD; é um sujeito de fala articulada e boa estampa. Mas no filme ele tem a estampa invejável de Brad o cara que come Angelina Jolie Pitt. Sorry, amantes de filmes de arte, mas Hollywood é assim, sinônimo de glamour.
O bonitão Billy Beane do filme vai ter uma conversa séria com o dono do time. Com esse orçamento não dá, argumenta ele. Argumento é bom, mas patrão é patrão, e o dono do time diz que não dará um centavo a mais. Billy Beane que se vire.
Vemos então reuniões de Billy com os olheiros do time, os caça-talentos. São diversos, uma dúzia deles – a maioria senhores aí já passados dos 60 anos, experientes, vividos, curtidos, mais que o gerente geral, que está com 40 e poucos anos. Sabem tudo de beisebol, tudo e mais um pouco. Vivem, respiram, comem beisebol. Visitam todos os campos, os clubes das ligas inferiores, os times dos colégios, das universidades.
Billy já percebeu que, com o mesmo orçamento de sempre, muitíssimo inferior ao de diversos outros times da Major League, ele não vai conseguir sair do lugar.
Numa viagem a outro Estado, na tentativa de fazer uma troca de jogadores, Billy percebe que um sujeito bem jovem fala alguma coisa ao ouvido de um dos conselheiros do gerente geral do rival, e o conselheiro fala alguma coisa ao ouvido do gerente geral, e este toma uma decisão.
Já que não teria orçamento melhor, Billy adapta a formação da equipe ao dinheiro que tem
Depois que a reunião termina, Billy vai atrás daquele sujeito que deu o palpite que acabou atrapalhando seu negócio.
O sujeito é uma figura fantástica. Chama-se Peter Brand (interpretado por Jonah Hill, que concorreu ao Oscar de coadjuvante); é gorducho, parece não ter nada a ver com esporte algum. Billy o interroga, e fica sabendo que aquele é seu primeiro emprego; que ele na verdade não é um profundo conhecedor de beisebol; é extremamente jovem, tem uns 26 anos, e um diploma de Economia em Yale, uma das universidades da Major League, uma das melhores do país.
Peter Brand havia aplicado regras estatísticas ao mundo do beisebol. Com gráficos e planilhas, estabeleceu um modelo que permitia ver a relação custo-benefício de cada jogador de todos os times principais do país. A quantidade de pontos que cada jogador obtinha nos jogos em relação a seu preço de mercado.
Billy contrata o garoto. E, com base nos gráficos e nas planilhas dele, começa a contratar jogadores não famosos, ou não na sua melhor forma física e técnica, mas de melhor relação custo-benefício. Já que não poderia concorrer com os grandes times, com seu orçamento limitado e imexível, muda completamente a forma de pensar nas contratações. Adapta a formação da equipe ao orçamento.
O maravilhoso roteiro mostra tudo com clareza para quem não entende de beisebol
Um dos grandes méritos de O Homem que Mudou o Jogo é o roteiro, de autoria de Steven Zaillian e Aaron Sorkin a partir de um argumento escrito por Stan Chervin por sua vez baseado no livro já citado de Michael Lewis.
É um dos grandes méritos do filme – talvez o mais importante.
O espectador não precisa entender nada de beisebol.
(Eu não entendo absolutamente bulhufas daquele jogo incompreensível, que para mim parece uma mistura esquisita de críquete com o bente-altas-licença-pra-dois que os meninos mineiros costumavam jogar nas ruas. Eu era um pavor no bente-altas, como em qualquer outro tipo de esporte. No futebol, era o cara de quem os adversários diziam: “Deixa que esse aí a natureza marca!” – e de fato eu perdia a bola para o vento, para os buracos no campo.)
O fato é que o espectador não precisa entender lhufas de beisebol, nem de gráficos ou planilhas, nem de economia, nem de relação custo-benefício, para acompanhar, e muito bem, o que o filme está mostrando.
O roteiro permite que o espectador compreenda tudo perfeitamente – sem que haja uma simplificação exagerada das coisas, ou um tom de didatismo chato.
No novo filme com Clint Eastwood, uma visão oposta
Quando vi o filme e escrevi esta anotação, em setembro de 2012, e até agora, final de novembro, quando faço este adendo aqui na hora de postar o texto, não vi o novo filme com Clint Eastwood, Curvas da Vida/Trouble with the Curves, em que ele interpreta um veteraníssimo olheiro de beisebol. Deve ser um bom filme.
Aparentemente, Curvas da Vida traz uma visão do beisebol exatamente oposta à deste Moneyball. Valoriza a experiência do olheiro, contra as planilhas, as tabelas, os cálculos matemáticos. Quero muito ver o filme – especialmente depois que, por puro acaso, outro dia vi que um dos 432 críticos de cinema da Folha de S. Paulo arrasa com ele. Uma prova de que deve mesmo ser bom.
Billy teve que escolher entre o beisebol e os estudos – e se arrependeu para sempre da escolha
A rigor, a rigor, pelo que o filme mostra, o título brasileiro está errado. Não foi exatamente um homem que mudou a forma com que os grandes times de beisebol se comportam nos Estados Unidos – foram dois homens, Billy Beane e esse sujeito formado em Economia em Yale que no filme é chamado pelo nome fantasia de Peter Brand. Segundo se vê nos especiais, houve uma pessoa assim na trajetória dos Oakland A’s, que foi contratado pelo Billy Beane da vida real, mas ele tem outro nome na vida real, e não aparece nos especiais. Provavelmente por alguma questão legal não autorizou o uso de seu nome verdadeiro na versão hollywoodiana dos episódios reais; talvez tenha pedido muito dinheiro para dar a autorização – sei lá, não importa.
O fato é que que não foi um homem que mudou o beisebol: foram Billy Beane e esse economista de Yale que no filme se chama Peter Brand.
Foi o encontro entre Billy Beane e o economista de Yale, em suma, que operou a transformação.
Outra característica fascinante do roteiro é a forma com que o filme mostra o passado de Billy Beane.
Até o colegial, Billy Beane (interpretado, quando jovem, por Reed Thompson) foi uma revelação no beisebol amador. Os olheiros dos grandes times todos apostaram nele. Um belo dia, um gerente geral de um grande time, já não me lembro mais qual, não importa, chegou na casa do garoto e, diante dele e de seus pais, fez uma oferta milionária para que ele assinasse um contrato.
Billy tinha conseguido uma bolsa integral em Stanford, outra das universidades da Major League.
Os pais perguntam se ele poderia fazer as duas coisas – cursar Stanford e ser profissional.
Os homens com o contrato milionário explicaram que não. Era uma coisa ou outra.
Os pais disseram que o rapaz poderia escolher.
Ele fez a escolha – e se arrependeu dela pelo resto da vida.
É um filme que deveria servir de exemplo para todo jovem bom no esporte
Na minha opinião, O Homem que Mudou o Jogo deveria ser exibido obrigatoriamente nas escolas em que há aspirantes a atletas de qualquer tipo de esporte. Com orientadores explicando para a moçada boa exatamente o que significou a escolha feita pelo jovem Billy Beane.
De uma certa maneira, O Homem que Mudou o Jogo é um poderoso antídoto contro o veneno Lula, o cara que se esforçou ao máximo para ensinar a milhões de adolescentes que não é preciso estudar para ter uma vida melhor.
Se quisesse ser suavemente pernóstico, o diretor Bennett Miller poderia ter usado como epígrafe de seu belo filme os versos do poema famoso de Robert Frost:
Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both.
As ondas de arrependimento de Billy Beane por ter feito a escolha errada vão percorrendo toda a narrativa, do começo ao fim.
É, de fato, um roteiro brilhante, este criado por Steven Zaillian e Aaron Sorkin.
E o diretor Bennett Miller soube muito levar o texto para as telas.
É um belo filme. Quem gosta de beisebol seguramente achará encantos especiais. Mas não é preciso gostar de beisebol, nem de esporte, nem de economia para curti-lo. Basta gostar de bom cinema.
Anotação em setembro de 2012
O Homem que Mudou o Jogo/Moneyball
De Bennett Miller, EUA, 2011
Com Brat Pitt (Billy Beane), Jonah Hill (Peter Brand),
e Philip Seymour Hoffman (Art Howe), Robin Wright (Sharon), Kerris Dorsey (Casey Beane), Chris Pratt (Scott Hatteberg), Stephen Bishop (David Justice), Reed Diamond (Mark Shapiro), Reed Thompson (Billy jovem),
Roteiro Steven Zaillian e Aaron Sorkin
História Stan Chervin
Baseado no livro Moneyball: The Art of Winning an Unfair Game, de Michael Lewis
Fotografia Wally Pfister
Música Mychael Danna
Produção Columbia Pictures. DVD Sony
Cor, 133 min
***
Você tem razão, cinema e esporte é uma combinação que não dá muito certo nas bilheterias. Eu gosto de esportes, mas não sinto vontade de ver filmes relacionados, não me atraem (assim como não gosto de ver filmes sobre jogos de azar). Só vi Rudo y Cursi por causa do seu texto e das quatro estrelas que você deu, e porque me interesso por filmes da Am. Latina. Também vi umas partes de um com a Drew Barrymore, sobre beisebol, mas o que me prendeu mesmo foi a comedinha romântica como pano de fundo.
Sergio, adoro filme de esporte. Vejo todos, em qualquer momento, mesmo que repetido. Adorei O Homem que Mudou o Jogo. Todas as críticas que li diziam que este não é centrado no esporte, como se essa característica salvasse o filme. Besteira. É, como vc escreveu, uma obra de esporte. É um estupendo filme de esporte, acredito.
Claro, a atuação da dupla atrás dos campos é o destaque da história. Mas está lá todo o charme do esporte. Difícil para a maioria dos brasileiros, mesmo os fãs de esporte, o beisebol cativa quem vê o filme. As posições dos jogadores, as regras, os apelidos… tudo aparece na obra. Mas quem não está por dentro consegue passar por cima disso e se encantar com o enredo.