Mato em Nome da Lei / Lawman

3.0 out of 5.0 stars

O título escolhido pelos exibidores brasileiros, Mato em Nome da Lei, é a pior coisa deste western de produção caprichada e bom elenco, dirigido em 1971 por Michael Winner.

Burt Lancaster faz o Lawman do título original, o homem da lei, o xerife da cidadezinha de Bannock, onde a ação começa. E a ação começa com um grupo de homens – bêbados, rufiões – infernizando a pequena cidade. Dão tiros para o alto, apavoram os habitantes, fazem uma farra no saloon-bordel, e dão mais tiros, botam fogo em alguns prédios – e em seguida desaparecem.

Não se explica onde estava o xerife Jered Maddox (o papel de Burt Lancaster) no momento em que os desordeiros invadiram Bannock. Poderia estar viajando, talvez. O fato é que não houve ninguém para conter o bando quando houve a invasão.

Aí corta, e, alguns meses depois da baderna, Jered Maddox está chegando a uma outra cidadezinha, para prender ali os arruaceiros e levá-los de volta a Bannock para um julgamento. Ninguém no próprio bando de arruaceiros sabia, mas um homem havia morrido lá, vítima de uma das muitas balas perdidas. Os sujeitos a serem presos, portanto, responderão num tribunal por um assassinato.

Maddox explica tudo isso ao xerife da cidadezinha, Cotton Ryan (uma ótima interpretação do veterano Robert Ryan), e apresenta a lista dos homens que ele veio prender.

O xerife Ryan joga limpo, limpíssimo, com o colega visitante. Diz a ele claramente que um dos homens daquela lista, Vincent Bronson (o papel de Lee J. Cobb), é o sujeito mais rico de toda a região; é ele que dá emprego para boa parte das pessoas que vive ali; foi quem o nomeou xerife. Ele é o dono da cidade. E os demais, os arruaceiros agora procurados, são todos empregados ou amigos do dono do lugar. Portanto, ele, Ryan, não vai mover uma palha para ajudar o xerife da outra cidade.

Mais ainda: todas as pessoas ali gostam de Bronson, respeitam-no (ou têm medo dele). Portanto, avisa Ryan, Maddox não terá a ajuda de absolutamente ninguém.

O fazendeiro rico, dono da cidade, não é um absoluto mau caráter. Reconhece que errou

E, recado dado, Ryan vai até a sede da gigantesca fazenda de Bronson contar a ele sobre a chegada de Maddox.

Bronson – e aí o filme nos surpreende um tanto – não é um absoluto filho da puta. Sim, é riquíssimo – trabalhou duro com irmãos e amigos durante 30 anos, enriqueceu, é o dono do lugar, mas não é um bandido assassino como muitos outros fazendeiros ricos de diversos outros westerns.

Bronson reconhece que ele e os amigos e empregados cometeram barbaridades quando passaram por Bannock, voltando de uma longa viagem para entrega de uma partilha de gado. Estavam cansados, beberam demais, exageraram, passaram muito do ponto.

A primeira idéia dele é fazer um acordo com Maddox. Dispõe-se a pagar uma indenização boa à família do morto – e, se for necessário, pagar também uma boa quantia para que Maddox desista da idéia de levar todos eles presos.

Ryan diz não acreditar que Maddox se venda.

Bronson reúne os amigos e empregados que participaram da noitada bárbara. Quer ouvir a opinião deles. (Um desses homens, Vernon Adams, é interpretado por um ator que ainda não ganhara fama para interpretar os papéis principais – Robert Duvall.)

Há, é claro, quem sugira simplesmente matar Maddox, e pronto.

Bronson argumenta que o tempo daquele tipo de coisa já havia passado. Os tempos agora são outros. Prefere uma saída negociada.

Ao longo da narrativa, repete-se a noção de que os tempos são outros, agora existe a lei

A noção de que os tempos são outros, a época dos assassinatos que não davam em nada acabou, a época em que não havia qualquer lei já ficou para trás será destilada diversas vezes, ao longo do filme.

O espectador fica sabendo o ano exato em que se passa a ação. Quando Maddox chega para se hospedar no hotel da cidadezinha que pertence a Bronson, ele assina o livro de hóspedes, e a câmara mostra a data, 1887.

A lei, o conceito de existência da lei estava chegando ao Oeste. A insistência nisso, nessa coisa de que era um período de transição, é uma das características interessantes, fascinantes, deste filme.

Quando o xerife toca flauta, uma antiga amante aparece para pedir um favor

Num momento em que, no seu quarto de hotel, descansando, sem camisa, apenas com roupa de baixo, Maddox toca uma flauta (um xerife que toca flauta!!), chega uma visita. Chama-se Laura (interpretada por Sheree North), e evidentemente ela e Maddox haviam tido um caso, no passado. Bem mais adiante na narrativa o espectador perceberá que foi um caso sério, não um casinho passageiro.

Enquanto Maddox veste uma camisa por cima da camiseta, para receber condignamente a visita de uma dama, Laura expõe seu pedido. Ela hoje está vivendo com um sujeito chamado Hurd Price (J.D. Cannon); têm uma pequena fazenda. Price está na lista dos homens que Maddox veio prender, e Laura pede ao ex-amante que o deixe de fora da missão.

O homem da lei diz que não é possível abrir exceção.

O homem da lei é retilíneo, firme, inquebrantável. Acredita na lei. Não é imbecil: sabe – diz isso com todas as letras – que, se conseguir levar Bronson e sua cambada para julgamento em Bannock, eles poderão ser inocentados, porque o juiz, ao contrário dele, tem preço. Mas ele acredita com uma firmeza monolítica que tem que cumprir seu dever.

Uma cidade inteira que vive na paz da corrupção e não quer saber desse negócio de lei, justiça

E essa figura do xerife honesto, firme, incorruptível, mais a figura do xerife da cidadezinha, Ryan, que foi um herói no passado, mas hoje, já velho, deixou-se comprar pelo dono da cidade, são um componente que alça este Lawman acima da média dos westerns.

E o fato de que, mais para o final, as certezas absolutas de Maddox deixarão de ser tão firmes, aumenta ainda mais a qualidade do filme.

Este é um western cheio de palavras, discursos, considerações expressas em diálogos compridos. O western, em geral, costuma ser menos palavroso.

Em Matar ou Morrer/High Noon, na minha opinião um dos melhores de todos, se não o melhor que já foi feito, e também em Shane, outro dos melhores, usam-se menos palavras. As frases são menores, mais básicas.

Aqui, não. Aqui há muitas palavras. Discutem-se essas questões todas – lealdade, lei e ordem, regras, regulamentos.

Em Matar ou Morrer, o xerife Will Kane (o memorável personagem interpretado com raça forte por Gary Cooper) terá que enfrentar um bando sozinho porque falta coragem aos homens na sua cidade. São covardes.

Neste Lawman, no entanto, a situação é mais complexa. Todos na cidade são contra o xerife honesto vindo de fora – que chamam de assassino – porque vivem na perfeita paz da corrupção, todos comprados pelo silêncio do milionário do pedaço.

É uma cidade que não quer saber desse negócio de lei, legalidade, justiça. Os conceitos ali são esquisitos. Em alguns momentos, aquela cidadezinha do Oeste faz lembrar a Brasília destes nossos tristes tempos.

E é muito interessante que tanta discussão sobre conceitos venha em um filme de Michael Winner, o sujeito que depois faria os Desejo de Matar 1, 2, e, 4, em que Charles Bronson (coincidência de nomes – o ator Charles Bronson, o fazendeiro dono da cidade Jason Bronson), em vez de pensar ou falar, atira.

Tretou, relou, lá vem um zoom

Michael Winner, neste Lawman, tem um trejeito, um tique: volta e meia ele faz um zoom.

Não sei se ele fez isso nos outros filmes dele (o cara tem mais de 40 títulos como diretor). Mas, aqui, ele faz volta e meia. Tretou, relou, lá vem um zoom.

O western é por essência o gênero do plano geral, aquele em que a câmara enxerga o mundo bem de longe. Nada mais lógico, já que o western é o gênero das paisagens amplas, ilimitadas, sem fim, daquele mundo grandioso que estava sendo descoberto, invadido, colonizado.

E então Michael Winner e seu diretor de fotografia, Robert Paynter, volta e meia pegam um plano geral, e dão um zoom: com aquelas câmaras Panavision do início dos anos 70, eles partem do geral para o particular, do gigantesco para o detalhe, da paisagem, para o sujeito. Zoooooom – de repente a câmara fecha o ângulo, aproxima-se de um detalhe.

Isso acontece, repito, volta e meia, no filme.

É uma boa forma de assinar, de dizer que aquilo ali quem fez foi ele, e mais ninguém.

Um Burt Lancaster de gestos pequenos, voz baixa – surpreendente, e ótimo

Quero ainda fazer mais duas observações. Uma sobre Burt Lancaster, outra sobre o final do filme – desconcertante, inesperado, surpreendente.

Burt Lancaster está contido, neste filme. Faz com gestos pequenos esse xerife cheio de certezas – que eventualmente vão se dissolver como sorvete ao sol, para usar a imagem de Fernando Brant. E é fascinante, isso, porque em diversos filmes Burt Lancaster trabalha de forma inversa, com gestos largos, voz alta. Basta lembrar de outro dos westerns que ele fez, Vera Cruz – em Vera Cruz, ele é o show off em pessoa, uma coisa expansiva, pirotécnica, que mal cabe na tela.

Burt Lancaster, se a gente parar um pouquinho para pensar, é uma figura extraordinária.

Veio do circo – é atlético, forte, poderoso. Sua carreira se espalhou por meio século, de 1946 até o início dos anos 90. Ganhou 27 prêmios e teve outras 18 indicações. No que se refere ao prêmio que as pessoas consideram mais importante, aquele lá do troféu do sujeito careca com coloração dourada, teve quatro indicações, e ganhou uma – por Entre Deus e o Pecado/Elmer Gantry – por uma de suas intepretações mais show off, berrando e fazendo muitas caretas demais da conta.

Burt Lancaster nos acostumou tanto a berrar muito e fazer caretas demais que, quando interpreta tipos de gestos pequenos, voz baixa, como neste Lawman, ou como em Violência e Paixão, do mestre Luchino Visconti, até assusta.

Sua interpretação como o xerife Maddox assusta. Surpreende, espanta – e encanta.

Um final surpreendente, que vai contra a forma com que toda a narrativa se encaminhava

E então temos o final do filme. Surpreendente, espantoso – e nada encantador. Imprevisível.

Como falar de um final de filme se me propus a não apresentar spoilers?

O finalzinho da trama deste Lawman surpreende. Não era o que a narrativa vinha preparando. E surpreende não porque seja algo inédito, novo, algo em que não tínhamos pensado – surpreende negativamente.

Fiquei com a sensação de que aquele não era o final pretendido pelo diretor, pelo roteirista. A sensação de aquele final foi imposto pelos produtores, após as pré-estréias para públicos selecionados.

Não combina com nada do que vinha vindo na narrativa.

Se é que se aproxima da verdade a minha impressão, temos uma coisa horrorosa. Os grupos de pessoas comuns escolhidas pelo estúdio para dar sua opinião teriam então optado por um final mais idiota, mais conservador, mais careta, do que o que seria de se esperar, pelo que a narrativa do filme até então levava.

Fico aqui com mil dúvidas se devo dar os spoilers todos.

Mas vamos lá.

ATENÇÃO: SPOILERS. A PARTIR DAQUI, REVELA-SE O FINAL DO FILME

Maddox passou a duvidar de tudo sobre que tinha certeza até então. Laura diz a ele que ele é conhecido como o fazedor de viúvas. Quando, nos instantes finais, ele entra na cidadezinha, está disposto a mudar de vida, a deixar o cargo de xerife, a viver como uma pessoa normal.

A visão de mais uma viúva confirma para ele: seus conceitos todos terão que ser revistos.

E ele de fato tenta sair fora da vida que tinha levado até então.

Mas, de repente, muda tudo: faz tudo o que não era para o novo Maddox fazer.

O final do filme fica sem sentido.

Leonard Maltin percebeu isso. Ele diz, na sua avaliação (dá nota 3 em 4 para o filme): “Intrigante Western-cabeça sobre estóico xerife (Lancaster) que vai para uma cidade desconhecida para levar de volta homens procurados, recusando-se a desviar do dever mesmo com toda a cidade contra ele. Uma resolução não satisfatória estraga uma história que, sem ela, seria envolvente; Ryan tem uma de suas melhores atuações como xerife tímido”.

Tá certo, concordo: Robert Ryan tem uma de suas melhores interpretações como o xerife tímido. E Maltin acerta em cheio quando diz que a resolução insatisfatória estraga a história.

A opção – muito provavelmente dos produtores, não do diretor – de fechar o filme da forma como ele fecha vai contra tudo o que vinha sendo dito até então.

É uma grande, gigantesca pena. Um western que poderia ser marcante, importante, se perde nesse final babaca, rotineiro, aceitável pelo público mainstream do western – mas que nega tudo o que o filme vinha apresentando até então.

Uma defesa do final tal como ele é apresentado. E um final alternativo!

Na hora de postar esta anotação, e de buscar as fotos, me deparo com uma opinião e uma informação fascinantes.

A opinião é oposta à minha, e justifica plenamente, e de maneira lógica, as ações derradeiras de Maddox. Não seria o caso de transcrevê-la aqui, porque aprofundaria ainda mais o que já acho que tenha sido um spoiler, mas, para quem quiser conferir, está no IMDb.

A informação é de que chegou a ser filmado um final alternativo. E alternativo não da forma como eu imaginaria que seria a correta, mas que confirma a opinião expressa no IMDb. Está em um site francês de fanáticos por westerns, Le Blog du West.

Essa opinião diferente e essa informação que eu não havia visto antes só tornam este filme ainda mais fascinante.

Anotação em abril de 2012

Mato em Nome da Lei/Lawman

De Michael Winner, EUA, 1971

Com Burt Lancaster (Jered Maddox), Robert Ryan (Cotton Ryan), John Beck (Jason Bronson), Lee J. Cobb (Vincent Bronson), Sheree North (Laura Shelby), Joseph Wiseman (Lucas), Robert Duvall (Vernon Adams), Albert Salmi (Harvey Stenbaugh), J.D. Cannon (Hurd Price), John McGiver (prefeito Sam Bolden)

Roteiro Gerald Wilson

Fotografa Robert Paynter

Música Jerry Fielding

Produção Michael Winner, United Artists.

Cor, 98 min

***

Título na França: L’Homme de la Loi.

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