Jovens Adultos / Young Adult

Nota: ★★½☆

Não dá para sentir simpatia por Mavis Gary, a protagonista de Jovens Adultos, o quarto filme do diretor Jason Reitman, que vinha de três ótimas obras.

Muitíssimo ao contrário.

Mavis Gary é interpretada por Charlize Theron, essa atriz que, além de extraordinariamente bela, tem grande talento, e aquela capacidade de camaleonicamente ter diversas caras diferentes.

Por Mavis Gary, é mais provável que o espectador sinta desgosto profundo, nojo, asco. Se for uma pessoa do bem, poderá sentir por ela um dos mais tristes sentimentos que pode haver: pena, dó.

Simpatia, de jeito nenhum.

Eis o retrato que o diretor Reitman, a autora Diablo Cody e Charlize Theron nos apresenta da protagonista da história: aos 37 anos, Mavis é uma bela mulher, sem dúvida. Talvez um tanto magra demais, mas isso até que não é problema, nesta era de adoração de mulheres anoréxicas, biafrentas. Mas não cuida bem da beleza com que foi abençoada. Leva uma vida sedentária ao extremo: bebe muito, alimenta-se mal. Ao acordar, em geral de ressaca, bebe Coca-Cola.
No colégio, era a arrasa-corações, a rainha das festas. Acha-se belíssima, inteligentíssima; na verdade, ela se tem na mais alta conta possível. Escreve historinhas românticas para uma série de livros que já teve bastante sucesso (mas está saindo da moda), voltada para o público que as editoras chamam de young adult – jovens adultos, na verdade adultos com idade mental aí parada no ginásio.

Mavis é exatamente o protótipo da pessoa que não conseguiu ficar madura.

É egocêntrica, umbigocêntrica. Mudou-se da cidadezinha pequena em que nasceu e passou a juventude para a capital de seu Estado, Minneapolis; tem profundo desprezo pela cidade natal, e acha-se superior a todas as pessoas que moram simplesmente porque agora vive em uma cidade grande.

Teve um casamento falido, divorciou-se, dá umas trepadinhas com casos eventuais, insatisfatórios. Ainda está apaixonada pelo namorado da adolescência, colega de ginásio e colegial, Buddy Slade (Patrick Wilson).

É carente, infeliz, insatisfeita, não realizada, imatura – e se acha a maioral.

A história de Mavis nos é contada a partir do momento em que ela recebe um e-mail da mulher de Buddy comunicando o nascimento do primeiro filho do casal. Ela faz a mala, entra no seu carro e viaja até a odiada cidadezinha com toda a petulante certeza de que, ao revê-la, Buddy Slade vai perceber que nunca deixou de amá-la perdidamente, e vai abandonar a mulher e o filho recém-nascido.

Vai fazer besteira atrás de besteira.

Mavis reencontra Matt, uma pessoa que passou uma grande tragédia na vida

Assim que chega a Mercury, sua cidade – que, afinal, nem é tão pequena assim –, liga para Buddy convidando-o para um drinque. (Mercury é um nome fictício; não há em Minnesota uma cidade com esse nome, nem, de resto, em qualquer outro lugar dos Estados Unidos.) Naquele dia ele não pode, marca para o dia seguinte.

Sem ter o que fazer, Mavis vai para o bar que frequentava nos tempos de escola. O sujeito sentado ao lado dela no balcão não pára de encará-la. Mas não é – ao contrário do que ela certamente pensa – porque ela é uma gata maravilhosa, como não há nenhuma outra nas redondezas, e sim porque ele a reconheceu. Chama-se Matt Freehauf (interpretado, muitíssimo bem, por Patton Oswalt, na foto acima), e foi colega dela no colégio.

Matt é feioso, baixinho, mais para gorducho, e anda com ajuda de muletas. Ao ver a muleta, Mavis se lembra de quem é ele.

A história dele é trágica, apavorante. Foi vítima de um crime de ódio, quando adolescente: um bando de rapazes fortões, desocupados e violentos deu uma tremenda surra em Matt, quebraram suas pernas e golpearam seu membro sexual – por acharem que ele era gay.

Aqui, um parênteses. Para criar o personagem Matt, a roteirista Diablo Cody, autora também da história, deve seguramente ter se inspirado num caso que ficou famoso, e que aconteceu na pequena cidade de Laramie, no Wyoming, em 1998: um rapaz foi brutalmente espancado por um grupo de filhos da puta, que o abandonaram perdendo sangue nos arredores da cidade. O caso resultou numa peça teatral, num belo filme, O Projeto Laramie, e, felizmente, numa legislação mais rigorosa contra quem comete crimes de ódio.

          Um diálogo que mostra o talento afiado – irônico, cínico – da roteirista Diablo Cody

Vale a pena transcrever o diálogo que se segue entre Mavis e Matt, porque ele mostra muito bem o caráter pavoroso dela – e também o talento afiado – irônico, cínico – de Diablo Cody:

Mavis: – “Você não era o cara daquele crime de ódio?”

Matt: – “Como é?”

Mavis: – “Você era sim. Você é o cara do crime de ódio. Meu Deus, por que você não disse isso logo? Agora sei quem você é. Matt, o cara do crime de ódio.”

Matt: – “Sim, Mavis. Quando estávamos no último ano um bando de imbecis que achava que eu era gay me atacou.”

Mavis: – “Isso mesmo!”

Matt: – “E me atacaram nas pernas e no pau com um pé-de-cabra.”

Mavis: – “Com um pé-de-cabra. Eu me lembro direitinho.”

Matt: – “Foi notícia nacional. Quer dizer, até que as pessoas descobriram que na verdade eu não sou gay. Aí não era mais um crime de ódio. Era só um sujeito gordo levando uma surra.”

Mavis: – “Você não teve que faltar bastante na escola?”

Matt: – “É, eu faltei durante seis meses. Foi um horror.”

Mavis: – “Merda! Como está o seu pau?”

Matt: – “Não está bem. Não está bem.”

Mavis: – “Funciona?”

Matt: – “Sim, funciona. Quer saber?, ele funciona.”

“O amor supera tudo! Você não viu The Graduate?”

 Bem mais tarde, naquela mesma noite, ao saírem do bar, bastante bêbados, falam mais uma vez sobre o plano de Mavis, já revelado a Matt, de fazer Buddy acordar daquele pesadelo de casamento com um mulher que não o merece, Beth (interpretada pela boa Elizabeth Reaser, à direita, de verde, na foto abaixo), e ir viver na cidade grande com ela, felizes para sempre. Matt volta a dizer que Buddy está casado, acabou de ser pai. E Mavis, trançando as pernas, sai-se com esta pérola:

– “Você não entende? O amor supera tudo! Você não viu The Graduate? Ou, sei lá, qualquer outra coisa?”

Mais um filme que cita A Primeira Noite de um Homem/The Graduate. The Graduate deve ser certamente, depois de Casablanca, o filme mais citados nos filmes.

Uma personagem que inspira raiva – ou desprezo, ou nojo, ou tudo junto

A relação que se cria entre Mavis, a babaca que se acha a mulher mais bela, mais irresistível do mundo, e Matt, o sujeito que ficou aleijado por levar uma surra brutal de um bando de imbecis, é bastante interessante. Na verdade, me parece que é a melhor coisa da história – que, de resto, é bastante previsível.

Não estou com isso querendo dizer que o filme não é bom. De forma alguma. Jason Reitman já havia, três vezes, antes deste Jovens Adultos, provado ser um ótimo diretor, e prova mais uma vez aqui.

A questão é que é tudo muito amargo demais.

Dá pena, de fato, ver as besteiras que aquela pobre mulher vai fazendo, uma atrás da outra. Mas Mavis é uma personagem tão desprezível, fútil, vazia, incapaz de crescer, incapaz de se enxergar como de fato é, que a gente acaba tendo é raiva dela. Desprezo. Nojo.

Na minha opinião, o filme faz o elogio de tudo quanto é ruim, desprezível, errado

Diablo Cody diz, no especial que acompanha o filme no DVD, que ela, pessoalmente, adora Mavis Gary:

– “Não apenas porque tenho uma relação de mãe e filha com ela. Acho que há algo admirável nela, no modo como ela se expressa. Ela está realmente enojada com a maior parte do mundo, e não sabe esconder isso. Acho isso atraente. Ela não se reprime. Felizmente ela tem a sorte de encontrar Matt Freehauf, que é a única pessoa com a mesma raiva e tão desajustada quanto ela.”

Na minha opinião, essa é uma forma tortuosa de enxergar o mundo. Por não gostar da sociedade em que vive, por desprezar as pessoas “normais”, “certinhas”, “caretas”, essa jovem escritora acaba endeusando quem é desajustado – mesmo uma figura tão repulsiva quanto Mavis Gary. (Na foto, Patrick Wilson, que faz Buddy Slade.)

Diablo Cody é daquele tipo de pessoa que admira o que é fora do padrão, do mediano. Por opção, e não por necessidade, trabalhou durante um bom tempo como stripper, para poder relatar suas experiências em um livro, Candy Girl: A Year in the Life of an Unlikely Stripper. Foi a autora da história e do roteiro de Juno, o segundo longa-metragem dirigido por Jason Reitman (entre os também excelentes Obrigado por Fumar e Amor Sem Escalas).

Escreveu também Garota Infernal, um slasher movie bem feitíssimo, mas bastante nojento, que goza exatamente esse tipo de filme feito para adolescentes que adoram ver sangue esguichando pela carótida, mas, além de gozá-los, reproduz todos os seus defeitos.

Um fenômeno americano, Diablo Cody, nascida em Chicago em 1978, já ganhou 20 prêmios, inclusive o Oscar e o Bafta de melhor roteiro por Juno.

É bem típico de Diablo Cody o diálogo, no final do filme, entre Mavis e a irmã de Matt, Sandra (Collette Wolfe). É inesperado, quebra o ritmo em que vinha a narrativa. Para mim, é o elogio de tudo quanto é ruim, desprezível, errado. Naturalmente, não tem sentido contar como é o diálogo, já que vem bem no final. Que o eventual leitor tenha sua própria conclusão.

Anotação em agosto de 2012

Jovens Adultos/Young Adult

De Jason Reitman, EUA, 2011

Com Charlize Theron (Mavis Gary),

Patton Oswalt (Matt Freehauf), Patrick Wilson (Buddy Slade), Elizabeth Reaser (Beth Slade), Collette Wolfe (Sandra Freehauf), Jill Eikenberry (Hedda Gary), Richard Bekins (David Gary), Mary Beth Hurt (Jan)

Argumento e roteiro Diablo Cody

Fotografia Eric Steelberg

Música Rolfe Kent

Produção Paramount Pictures, Denver and Delilah Productions, Indian Paintbrush, Mandate Pictures. DVD Paramount.

Cor, 94 min

**1/2

 

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