Anotação em 2010 (postada em fevereiro de 2011): Para seu primeiro filme como diretora, Helen Hunt, bela atriz, bela mulher, que parece ser uma pessoa extremamente simpática, escolheu uma história sobre filhos, ter filhos, pais biológicos e pais adotivos. Fez um filme interessante como ela parece ser na vida real, um filme gostoso, simpático, agradável.
Não quis apenas dirigir e fazer o papel central. Meteu também a mão na história, deu a forma final ao roteiro. Nos créditos iniciais aparece: “Roteiro de Alice Arlen e Victor Levin & Helen Hunt e Helen Hunt”. Há um código nas assinaturas de roteiros, nos filmes americanos. Um crédito desse jeito significa que Alice Arlen fez uma primeira versão, que depois foi retrabalhada por Victor Levin e Helen Hunt, e então Helen Hunt deu a forma final.
Não se preocupou com formalismos, modismos, invencionices, criativóis; aos 44 anos de idade, 85 filmes e/ou episódios de TV no currículo como atriz, não precisava mais dessas bobagens. Construiu uma narrativa simples, direta, convencional. Tinha uma história interessante para contar, com bons personagens – contou a história, comme il faut. Uma boa história bem contada – de que mais se precisa? Ah, claro, bons atores. A diretora novata, profissional experiente, tinha à mão alguns ótimos – Colin Firth, Bette Midler, Matthew Broderick, e ela própria.
A história é contada com alguns saltos no tempo (de algumas semanas, alguns meses) sem que se demonstre isso, com um humor irônico perpassando todas as situações, com diálogos saborosos, inteligentes – mas bem dosados, para não parecer cerebrais demais.
April e Ben se casam em plena crise da meia idade
Quando a ação começa, enquanto rolam os créditos iniciais, April Epner (o papel da diretora) está se casando com Ben Green (Matthew Broderick, na foto ao lado). Os dois são judeus de classe média da Filadélfia, professores de pré-escola, e não são jovenzinhos; o cabelo de Ben começa a embranquecer, e, aos 39 anos, April está naquela fase da vida em que, se for para ter filho, tem que ser depressa. Está em plena crise da meia idade, cheia de dúvidas, incertezas.
A gravidez não vem tão depressa quanto gostaria a mãe dela, Trudy (Lynn Cohen). Trudy a aconselha a adotar – depois, diz, virá um filho dela mesma. Trudy fala por experiência própria: April foi adotada quando era bem criancinha; depois nasceu seu filho biológico, Freddy (Ben Shenkman).
Não dá tempo: um belo dia, Ben – que, apesar do cabelo começando a ficar grisalho, é um crianção, um sujeito imaturo – anuncia, sem explicações, até porque não sabe explicar nada do que se passa com ele, que está cascando fora. Logo após o anúncio, ainda dão uma trepada – April é uma mulher fogosa, e no quesito sexo as coisas com Ben sempre foram boas.
No primeiro dia sem marido em casa, April fica conhecendo Frank (o papel de Colin Firth, na foto abaixo), pai de duas crianças que estudam na escola. Frank acaba de ser abandonado pela mulher.
Como a vida vem em ondas como o mar, logo em seguida Trudy, a mãe, morre – e de repente April é procurada por uma mulher rica, famosa, apresentadora de um talk show na televisão, Bernice, que se diz sua mãe biológica. Agora que os pais adotivos de April morreram, Bernice quer se aproximar da filha.
Um delicado balanço entre o cômico e o dramático
Os diálogos dos primeiros encontros são deliciosos, engraçados, suavemente sérios, pesados. Quem faz o papel de Bernice, a mãe, ou suposta mãe, é Bette Midler, ótima atriz, belíssimo timing cômico – e um estranho pacto com o diabo que não permite que ela envelheça. Bettle Midler está, neste filme de 2007, com a mesma cara que tinha quando fez, por exemplo, Para Eles Com Muito Amor/For the Boys, ou Cenas em um Shopping/Scenes from a Mall, os dois feitos em 1991.
Bernice – uma mulher nada convencional, falante, espalhafatosa, orgulhosa de sua vida sexual intensa – diz a April que o pai dela é Steve McQueen: quando bem jovem, ela teria dado para o ator. A comprovação de que a louca história é mentirosa não demora. Mais tarde, April perguntará a Bernice: – “Você é capaz de falar alguma coisa sem mentir?”
Helen Hunt conseguiu dar ao filme um delicado balanço entre o cômico e o dramático. Há frases engraçadas, irônicas, mas o tema adoção – um tema importante, delicadíssimo – é tratado com a seriedade que merece.
E aqui vai uma rápida observação: felizmente, esse tema tão fundamental, a adoção, tem sido levantado, discutido, comentado, em bons filmes. É o tema central, só para dar um exemplo, do recente filme de Rodrigo Garcia, Destinos Ligados/Mother and Child, que vem depois de outras obras importantes e belas, como Segredos e Mentiras/Secrets and Lies, de Mike Leigh, e O Destino de uma Vida/Losing Isaiah, de Stephen Gyllenhaal. A abordagem que Helen Hunt faz do tema é às vezes engraçada, mas jamais leviana.
Depois do sucesso na TV, enfim bons papéis no cinema
Helen Hunt cresceu no meio cinematográfico; nasceu em Los Angeles, em 1963, filha do diretor Gordon Hunt; começou a carreira de atriz aos dez anos, em um filme feito para a TV, Pioneer Woman. Trabalhou em diversas séries de TV. O sucesso no cinema veio a partir de Twister, de 1996, em que fez a protagonista. No ano seguinte, com Melhor é Impossível/As Good as it Gets, de James L. Brooks, em que contracenava com Jack Nicholson, ganhou o Oscar. Naquele anos de 1997, ganhou, além do Oscar, o Globo de Ouro e o Emmy – foi a segunda atriz a vencer os três prêmios em um único ano, depois de Liza Minnelli em 1973. Colecionou, até agora, 31 prêmios e 27 outras indicações.
Helen é uma atriz que se dá bem tanto no drama quanto na comédia. Está maravilhosa no papel título de A Good Woman, drama ambientado na alta sociedade de Nova York e depois entre os americanos ricos perambulando pela Europa, da mesma maneira como brilha nas comédias Do Que as Mulheres Gostam/What Women Want, de Nancy Meyers, e O Escorpião de Jade/The Curse of the Jade Scorpion, de Woody Allen.
Detalhinhos fascinantes na escolha dos convidados especiais
Um detalhinho interessante do filme: dois bons atores, Tim Robbins e Janeane Garofalo, têm participações especiais, fazendo o papel deles mesmos, sendo entrevistados no talk show de Bernice, o personagem de Bette Midler. Quando Tim Robbins fez seu primeiro filme como diretor, Bob Roberts, em 1992, Helen Hunt teve uma participação especial como uma repórter de TV. Agora ela deu o troco ao ator e diretor.
Outro pequeno detalhe: o ginecologista que atende a personagem central, April, é interpretado pelo escritor Salman Rushdie (à esquerda na foto), autor de Versos Satânicos, que os aiatolás do Irã condenaram à morte. Não li uma linha do Rushdie escreveu, mas qualquer pessoa que os aiatolás do Irã condenam à morte merece admiração e respeito.
Um inteligente uso dos planos mais amplos
Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4 para o filme: disse que Bette Midler está perfeita, e que praticamente não há passo em falso “nesta inteligente, engraçada e bem ritmada comédia dramática, uma estréia notável na direção de Hunt, que também ajudou a adaptar a comédia de Elinor Lipman”.
O AllMovie deu 3.5 estrelas em 5. Na sua crítica, Nathan Southern observa, com precisão, que a diretora soube usar muito bem os planos de conjunto, em vez de abusar dos primeiros planos. De fato, como Southern diz, a seqüência em que um tartamudeante Ben diz que vai sair de casa – sem dizer explicitamente – é um brilho: vemos os corpos inteiros dos dois atores, o que permite que o espectador perceba cada movimento dos braços, das pernas, do corpo – e não apenas do rosto. Transcrevo a abertura do texto:
“Estreante como co-roteirista e diretora, Helen Hunt tem uma força desconhecida por muitos cineastas com 20 ou 30 anos de história: a habilidade de levar seus atores através de seqüências emocionalmente complexas, com contradições comportamentais e incertezas da vida real. Conseqüentemente, diversas seqüências do longa de estréia de Hunt, Then She Found Me, florescem com um grau de engenhosidade que parece surpreendentemente fresca e aberta. Para usar uma expressão simples, Hunt é uma diretora de atores. Esse tipo de habilidade não apenas salva cerca de 80 por cento do filme, como freqüentemente o eleva até o nível do sublime.”
Excelente texto, belas definições.
Delícia de Helen Hunt. Que dirija mais filmes.
Quando Me Apaixono/Then She Found Me
De Helen Hunt, EUA, 2007
Com Helen Hunt (April Epner), Bette Midler (Bernice Graves), Colin Firth (Frank), Matthew Broderick (Ben Green), Ben Shenkman (dr. Freddy Epner), Lynn Cohen (Trudy Epner), John Benjamin Hickey (Alan), Salman Rushdie (dr. Masani)
Roteiro de Alice Arlen e Victor Levin & Helen Hunt e Helen Hunt
Baseado no livro de Elinor Lipman
Fotografia Peter Donahue
Música David Mansfield
Produção Odissey, Killer Films, Black Watch Productions, Blue Rider Pictures, John Wells Productions. DVD Europa Filmes. Estreou em SP 6/8/2010.
Cor, 100 min
***
Título em Portugal: Até Que Me Encontrou
E mais um para a lista que, de tão extensa, estou pensando em usar no lugar da lista telefônica…
Olá! Adorei seu site, muito criativo! Também tenho um blog sobre cinema e gostaria que vc desse uma olhada. O endereço é: http://www.criticaretro.blogspot.com/ Passe por lá! Lê ^_^
Cara Lê, muito obrigado pela sua mensagem. Fui ao seu blog, e fiquei impressionadíssimo. É absolutamente inacreditável que você tenha 17 anos, com essa paixão por filmes clássicos! Vou virar seu leitor.
Um abraço.
Sérgio
A Hellen Hunt é uma boa atriz, mas não vou com a cara dela, literalmente. Mesmo sorrindo, ela tem cara de quem está sofrendo ou de quem vai chorar, e isso me incomoda.
Achei a voz do Matthew Broderick muito irritante, mas depois lembrei que não conhecia a voz dele. Só o vi em filmes dublados (vi Curtindo a Vida Adoidado um milhão de vezes, na Sessão da Tarde). Fiquei sem saber se a voz dele é assim mesmo ou se ele a modificou por causa do personagem. Que diga-se de passagem , é um bobão. Como ela podia sentir atração por aquele cara que se vestia como o Chaves (da série mexicana) e que tinha uma voz tão broxante? Um homem que claramente não cresceu, que não esboça a mínima reação nem quando a mulher diz que está grávida? Ela devia ter ido dormir sem aquela última trepada, teria sido menos frustrante. Não entendi pq ela sentia taaanta atração por ele. Acho que ela não conseguia engravidar pq as transas deles eram muito ruins. hahaha
Aposto que ela engravidou do Colin Firth! – embora isso não tenha ficado claro.
Aliás, por que será que em sã consciência, ela tentou transar com o ex-marido (só tentou… porque deu no que deu) depois de já ter engatado uma relação com um Colin Firth da vida, apaixonado, macho alfa, ótimo pai, cheio de amor pra dar, com um lindo sotaque britânico? rs
Tb acho importante que alguns filmes falem sobre adoção. Eu achei a história um pouco boba, a forma como a mãe dela apareceu e as mentiras todas, mas antes isso que nada. Pra mim, esse foi um dos tropeços do filme, junto com o fato d’ela ter conhecido o Colin Firth muito rápido; nem em comédia romântica é assim.
Ultimamente está na moda artistas adotarem crianças de outros países. Acho meio estranho, pois mesmo os países ricos têm crianças que precisam de um lar. Fica parecendo que eles fazem isso pra dizer que são legais, pra aparecer mesmo. Assunto longo e polêmico.
Um fato interessante em algumas adoções, é esse que vc cita no texto. A mãe dela a adotou, e depois engravidou do irmão dela. Conheço casos assim, onde os irmãos têm diferença de menos de um ano, pois logo que adotaram o mais velho, a mulher conseguiu engravidar. Acho que o desprendimento, a entrega e o amor ao pequeno ser que acaba de chegar, fazem com que a mulher fique despreocupada, e daí logo vem a gravidez (ou gravidezes).
[desabafo mode on] Uma vez tive que discutir com uma mulher, que cometeu a burrice de falar perto de mim que nunca vai adotar uma criança pq “a gente não sabe quem são os pais, que a criança pode ser um marginal”, e coisas desse nível. Como se mau caratismo fosse herdado. Ela tem uma filha que “saiu da barriga dela” , mas que não é nenhum exemplo de criança educada , nem de boa índole. Pelo contrário, demonstra ter grave falta de limites [desabafo mode off].
Coincidência ou não, Helen teve a primeira filha com 40 anos, quase a mesma idade da personagem. Achei que ela estava muito bem para a idade, visivelmente sem plástica nenhuma. Já a Bette Midler dá pra ver que fez alguma coisa, mas soube fazer; diferentemente dos exageros de Meg Ryan e Sandra Bullock, por exemplo.
And last but no least, achei super engraçada a cena em que ela dá apenas uma moeda para a caixinha do toalete, alegando ser professora. Pensei que fosse só no Brasil que professores ganhassem mal.
Não sabia que com os 40 anos já chegava a meia idade. Acho que hoje as pessoas de 40 ainda são relativamente jovens. Mas talvez para a mulher, seja isso mesmo, por causa da questão de filhos. Chegar aos 40 sem ter um (pra quem quer ter) não deve ser fácil. Mas até isso vem mudando. Tem muitas mulheres famosas e anônimas tendo o primeiro filho por volta dos 39, 40 anos.
Esse meu comentário ficou enorme. Mil perdões. É que os assuntos do filme dão pano pra manga.
Jussara, seus comentários são sempre bem-vindos, são sempre gostosos, inteligentes, afiados – e informativos. Não sabia, por exemplo, que Helen Hunt teve a primeira filha com 40 anos, como seu personagem.
Escreva sempre – e muito.
Um abraço.
Sérgio
Foi um filme pelo qual me empenhei para ver indo ao cinema e…gostei.Depois disso copiei-o em fita, via NET. Isso demonstra como apreciei o filme. Não posso fazer comentários técnicos porquê não tenho competência para isso, Mas, sendo uma das minhas preferências, no cinema, as relações humanas, o filme tem matéria “pra xuxu”. A escolha da Bette Midler para o papel da mãe “maluquete” não poderia ser melhor.Notei a presença do S.Rushdie (que de vez em quando faz pontas em outros filmes)mas não vi Tim Robbins, talvez porquê naquela ocasião estava com toda a atenção voltada para a expectavita de April. Finalmente, não posso deixar de dar um voto muito bom para a querida H.Hunt, bonita, inteligente e ótima atriz Gostei muito, muito mesmo, do filme.