Anotação em 2010: Ponto de Partida/Powder Blue é um mosaico (ou, para usar a expressão mais elegante, ou fresca, um filme de estrutura multiplot) sobre a solidão das pessoas nas metrópoles. Mais um, depois de tantos. As histórias são muito tristes – mais histórias tristes, depois de tantas outras em mosaicos. A ação se passa a poucos dias do Natal. Mais um mosaico dramático sobre a solidão das pessoas nas metrópoles nos dias que antecedem uma grande festa.
A metrópole em questão é Los Angeles. Mais um mosaico passado em Los Angeles – como Short Cuts, de Altman, como Grand Canyon, de Kasdan, como Crash, de Paul Haggis, três filmes extraordinários.
Ponto de Partida não tem nada de extraordinário. Ao contrário.
Não tem sentido exigir originalidade. Só existem duas ou três histórias na vida, dizia e repetia Lelouch; ou, como escreveu Luiz Vilela, quer lugar-comum mais comum que a vida? Não tem lógica exigir originalidade. A Índia produz 900 filmes por ano; os Estados Unidos, 800; a França, 200 (os números são de 2006, mas não devem ter tido grandes mudanças).
O jovem diretor Timothy Linh Bui quis fazer mais um filme sobre a solidão das pessoas nas metrópoles. Tudo bem. Antes isso que fazer mais um filme sobre serial killer, por exemplo.
Mas, na hora de anotar aqui as sensações que tive ao ver Ponto de Partida, não era possível evitar a questão da repetição. Sei lá. Talvez estejam fazendo mosaicos demais; talvez eu esteja vendo filmes demais e ficando meio de saco cheio, como o Ezequiel Neves ficava por ter que ouvir a imensa quantidade de discos que despejavam sobre a sacola dele a cada semana.
Só dramas pesados demais, e atores em más interpretações
Não tem sentido me alongar, mas gostaria de fazer algumas observações básicas sobre Ponto de Partida, além do fato de ser uma repetição.
Primeira: Timothy Linh Bui deve ter algum talento na vida para ter conseguido reunir nessa produção independente tantos atores importantes – Jessica Biel (foto), essa moça em ascensão, o grande Forest Whitaker, que aceitou ser um dos produtores do filme, os experientes, veteranos Ray Liotta e Patrick Swayze, a respeitada Lisa Kudrow, a figura maravilhosa de Kris Kristofferson, sujeito de belos e firmes princípios, bom na música, bom no cinema, uma biografia admirável.
Segunda: há um exagero de drama, de gente especialmente triste, excepcionalmente infeliz, com história de vida extraordinária pesada, ruim. Scarlet/Rose Johnny (o papel de Jessica Biel) trabalha como stripper e atração de peep show numa boate de 15ª categoria, é excelente no que faz mas não gosta do ofício, não se dá bem com eventuais namorados, é dependente de drogas e seu filhinho está em coma num hospital. Jack (Ray Liotta) saiu da cadeia após 25 anos e está terminalmente doente. Charlie (Forest Whitaker) quer se matar mas não tem coragem de apertar o gatilho, e então sai à procura de quem possa lhe quebrar o galho. Qwerty (Eddie Redmayne) herdou do pai uma funerária falida, mergulhada em dívidas. Sally (Lisa Kudrow), embora bela e jovem, está numa solidão tão absurda, há tanto tempo, que se oferece para um estranho, ofegante.
Cacildabecker, é muito drama, é drama demais. A vida não é feita só de dramas.
Terceira: por mais simpático, envolvente, bom caráter, bem intencionado que seja Linh Bui, uma coisa é certa – ainda não aprendeu a dirigir atores. Jessica Biel, Ray Liotta e Patrick Swayze, em especial, estão péssimos, exagerados, careteiros.
Tudo dá a sensação de uma forçação de barra tremenda – drama demais, gestos e caretas fortes demais.
A coisa do peep show em si, para mim, é tentativa de cópia de Paris, Texas, a obra-prima de Wim Wenders que ando precisando rever. Pode até não ser – pode ser que Lihn Bui nem saiba o que é Paris, Texas, mas, para mim, é tentativa de cópia. Ruim, ruim, e exagerada. Forçação de barra para parecer, em vez de um dramalhão de Los Angeles, uma tragédia grega.
No fim, fica ridículo. Prefiro o filme de Bruna e Ricelli
O garoto Lihn Bui nasceu em Saigon, em 1970 – ainda durante, portanto, a guerra do Vietnã. Este aqui foi seu terceiro filme como diretor, e o segundo com Forest Whitaker e Patrick Swayze no elenco, depois de Dragão Verde/Green Dragon, de 2001. Diz que quis fazer um filme em homenagem à cidade em que vive, Los Angeles.
Foi o último filme da carreira de Swayze, que emocionou as moças de toda uma geração com seus requebros em Dirty Dancing, de 1987.
Confesso, sem ficar vermelho de vergonha, que Mary e eu recorremos à ajuda da tecla fast forward para chegar ao fim do filme. É sempre bom lembrar: “a vida é curta – curta”.
Uma meia hora depois que terminamos de ver o filme, me lembrei de O Signo da Cidade, que Carlos Alberto Riccelli e Bruna Lombardi fizeram em 2007, ela no roteiro e no papel central, ele na direção. É também um mosaico sobre a solidão das pessoas nestas capitais, para usar o verso de Belchior. É também um bando de pessoas tristes, completamente deserdadas por todo e qualquer tipo de sorte.
Prefiro o filme de Riccelli e Bruna. Acho mais bem feito, sério, importante.
Até porque, quando, depois de quase todos os 106 minutos de sofrimento profundo, o diretor e roteirista Linh Bui resolve recompensar seus personagens dando a eles toda la vie en rose possível, deixa de ser apenas repetitivo, exagerado e troncho: vira ridículo.
Ponto de Partida/Powder Blue
De Timothy Linh Bui, EUA, 2009
Com Jessica Biel (Scarlet/Rose Johnny), Eddie Redmayne (Qwerty Doolittle), Forest Whitaker (Charlie), Ray Liotta (Jack), Lisa Kudrow (Sally), Patrick Swayze (Velvet Larry), Kris Kristofferson (Randall)
Roteiro Timothy Linh Bui
Argumento Timothy Linh Bui e Stephane Gauger
Fotografia Jonathan Sela
Música Didier Rachou
Produção Blue Snow Productions
Cor, 106 min
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