2.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Embora previsível, e até esquemático em alguns pontos, Jogada de Gênio é um filme bem feito, correto. A história que ele conta é interessantíssima, fascinante – e é uma história real.
É uma história de Davi x Golias, ou o homem-sozinho-que-luta-contra-o-sistema, uma característica essencial da mitologia americana, do imaginário que os americanos criaram sobre seu país e gente do mundo inteiro comprou. São assim, por exemplo, quase todos os livros de John Grisham, um dos maiores autores de best-sellers dos últimos anos – o pequeno advogado solitário contra as gigantescas corporações.
No cinema, é um subgênero. Há centenas e centenas de filmes assim; muitos westerns seguem esse figurino. Alguns desses filmes são geniais, como O Veredito, de Sidney Lumet, de 1982, em que um advogado decadente, alcoólatra, interpretado por Paul Newman, enfrenta um hospital pertencente à poderosa Arquidiocese de Boston, representada por um gigantesco escritório de advogacia. Ou A Qualquer Preço/A Civil Action, de Steve Zaillian, de 1998, em que um advogado rico e bem sucedido passa a defender uma causa nobre contra uma gigantesca corporação e perde toda a imensa fortuna que havia feito na vida. Ou Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento, de Steven Soderbergh, de 2002, outra luta contra uma grande corporação que polui o ambiente. Ou Terra Fria/North Country, de Niki Caro, de 2005, a luta das mulheres mineiras contra o machismo, as agressões sexuais e o poder das grandes minas de Minnesota. Ou Julgamento Final/Class Action, de Michael Apted, de 1991, em que um advogado veterano nas lutas pelos direitos civis enfrenta um grande fabricante de automóveis que é defendida por um escritório onde trabalha sua própria filha.
Os exemplos não parariam nunca.
Jogada de Gênio, assim como Erin Brockovich e Terra Fria, se baseia em uma história real. É a história de um engenheiro, professor e inventor chamado Robert Kearns; jamais tinha ouvido falar nele, e duvido que ele fosse conhecido antes desse filme, que aliás teve como consultores a própria família de Kearns.
Robert Kearns (interpretado por Greg Kinnear, o bom ator de Pequena Miss Sunshine, Banquete de Amor e Nação Fast Food) foi o sujeito que inventou o mecanismo que aciona o limpador de pára-brisa dos carros a intervalos regulares, uma vez ligado – o limpador de pára-brisa intermitente. Hoje, todos os carros do mundo têm isso, e então fica até difícil imaginar que houve um tempo em que uma coisa tão básica não existia. Mas essa é a verdade, que a gente aprende com o filme: até os anos 60, os limpadores de pára-brisa tinham que ser ligados e desligados manualmente, mesmo durante uma chuva forte.
Quando o filme começa, o herói está mal, mal demais
O roteiro do filme tem aquela estrutura tão usada de começar no meio da história, e aí ter um flashback. A partir daí, avança-se cronologicamente até aquele ponto mostrado na abertura, e prossegue-se depois daquele ponto seguindo a ordem cronológica. Quando a ação começa, Kearns está em um ônibus interestadual segurando um grande papapagio, uma pipa, o rosto marcado por grande angústia, obviamente em estado avançado de desordem mental. O ônibus é parado por um carro de polícia, entram policiais, vão até ele, perguntam se ele é Robert Kearns, doutor Robert Kearns, e dizem que sua família está preocupada, procurando por ele. Ele diz aos policiais que está indo para Washington, a chamado do vice-presidente da República. Mas acaba concordando em descer do ônibus com os policiais.
Corta, e voltamos a três anos antes disso. Domingo, e Kearns está na missa, com os amigos e a família – a mulher, Phyllis (Lauren Graham) e uma penca de filhos, cinco ou seis. Mora em Detroit, exatamente a cidade base da indústria automobilística americana, onde ficam a sede da Ford, da General Motors. Na volta para casa, com o bando de crianças falando, brigando dentro do carro, Phyllis tentando manter a ordem, Kearns tem dificuldade de enxergar através do pára-brisa – está chovendo e, se ele liga o limpador de pára-brisa, depois de algum tempo o pára-brisa começa a chiar com o contato da borracha do limpador contra o vidro naquele momento seco; então é preciso desligá-lo – só que em alguns segundos não dá mais para ver nada, e o motorista tem que novamente ligar o limpador. E Kearns comenta sobre isso com a família e resume: – “Há dez mil engenheiros em Detroit; deveriam saber projetar um automóvel”.
Uns cinco minutos depois, ele já havia inventado o limpador de pára-brisa intermitente. O diretor e co-roteirista Marc Abraham souberam sintetizar bem rapidamente, e de maneira clara, quase didática, o momento em que Kearns teve a idéia e pôs-se a trabalhar em cima dela, até criar seu invento, seu ovo-de-colombo, que todo mundo hoje usa em seu carro sem ter a mínima idéia da história que o filme nos conta. É o tal flash of genius do título original, a sacada de gênio.
Um brilhante discurso sobre ética
Bem no início do filme, logo após a descrição desse flash de genialidade, vemos Kearns dando aula em uma faculdade de engenharia. É a aula inaugural de engenharia elétrica aplicada, e ele faz um discurso brilhante sobre ética. Conta que um engenheiro projetou a válvula artificial da aorta, que salvou dezenas de milhares de vidas; e um engenheiro projetou as câmaras de gás dos campos de concentração nazistas, que mataram milhões de pessoas.
– “Não sei o que cada um de vocês vai acabar fazendo na vida, mas posso garantir que chegará um dia em que deverão tomar uma decisão. E não será tão simples quanto escolher entre a válvula artificial do coração ou os campos de concentração.”
Temos então, que, com 15 minutos de filme, o diretor Marc Abraham já expôs a história que vai contar. Robert Kearns inventou um ovo-de-colombo fundamental para a indústria automobilística; três anos depois, conforme vimos na abertura do filme, ele está num momento de loucura, perdido. Portanto, com 15 minutos de filme já sabemos que a indústria o ferrou, roubou seu invento e o deixou sem nada. Como é um filme americano, sobre o eterno tema Davi x Golias, o homem-sozinho-que-luta-contra-o-sistema, sabemos desde então que o protagonista vai comer o pão que o diabo amassou, mas vai acabar vencendo a luta.
Uma história fascinante – quantos robert kearns as corporações não sacanearam?
Não é um mal filme, de forma alguma. Mas é, de fato, previsível, quase esquemático, como disse lá em cima. Podemos antecipar os problemas que vão surgir na família, no relacionamento do protagonista com os filhos, com a mulher. Assim como as coisas se deterioram, também chega o momento em que elas passam a melhorar. Nas cenas de tribunal, há momentos meio bobos, por óbvios demais.
Mas a história é realmente fascinante. É sensacional saber que essa coisinha que existe em todos os carros, que a gente vê funcionar todos os dias, tem por trás uma história rica, uma idéia de gênio e uma grande batalha entre corporações e um único ser humano, o inventor, o cara que bolou aquilo, que teve a idéia. E dá para ficar pensando na imensa quantidade de robert kearns que as grandes empresas já sacanearam na vida
Todo o elenco está uniformemente bem. Greg Kinnear está excelente, e bastante crível ao longo das várias fases da vida do protagonista – o filme se estende por uma década e meia. Ao longo desse período de tempo, o protagonista passa de um sujeito educado, cordato, bom professor, bom pai de família, bom marido, para um maníaco, um obsessivo, monotemático, irritável, intratável. A batalha por justiça não é nada fácil – o filme mostra isso muito bem –, e o protagonista perde muita coisa ao longo do caminho, entre elas, ainda que momentaneamente, até mesmo a sanidade mental.
Lauren Graham – que eu não conhecia, e cujo tipo físico faz lembrar bastante Marisa Tomei – está muito bem como a mulher do inventor, que enfrenta uma barra duríssima com a situação toda e o batalhão de filhos para criar. O grande Alan Alda – um ator sempre simpático às causas progressistas – faz um papel breve, mas importante, como um grande advogado que aceita o caso do inventor, mas que, apesar de todo o discurso inicial sobre as virtudes da Justiça americana, só tem fôlego para ir até uma determinada etapa.
É isso. Não é um grande filme, mas vale a pena vê-lo. Vale bem a pena.
Um registro: o filme tem sido exibido no canal TNT com o título de Rasgo de um Gênio.
Jogada de Gênio/Flash of Genius
De Marc Abraham, EUA, 2008
Com Greg Kinnear (Robert Kearns), Lauren Graham (Phyllis Kearns), Dermot Mulroney (Gil Privick), Jake Abel (Dennis Kearns), Tim Kelleher (Charles Defao), Alan Alda (Gregory Lawson)
Roteiro Marc Abraham, Scott Frank e Phillip Railsback
Baseado no artigo Flash of Genius, de John Seabrooks, publicado na revista New Yorker
Fotografia Dante Spinotti
Música Aaron Zigman
Produção Universal e Spyglass
Cor, 119 min
**1/2
Título em Portugal: Rasgo de Gênio
Sugestões de críticas: O Silêncio dos Inocentes, Alien o Oitavo Passageiro, Aliens o Resgate e O Fabuloso Destino de Amélie Pouláin. São filmes que estão no meu TOP 10 e cujas críticas dos mesmos ainda não foram escritas aqui. Abração!
Parabéns pelas criticas e comentários ótimo trabalho, este filme merece ser assistido muito aqui no Brasil precisamos de ética e pessoas que lutam por ela
Uma ótima crítica.
O filme realmente e interesante e sem comentarios !!!!!
Asisti a este filme e achei simplesmente sensacional….
alguem me falou sobre o filme em questão, quero acistir porem eu não acho alguem pode me dar uma pista?