Idas e Vindas do Amor / Valentine’s Day

2.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: Garry Marshall, o diretor de Uma Linda Mulher/Pretty Woman e várias outras comédias românticas, resolveu fazer a sua versão de Simplesmente Amor/Love Actually. Fez um mosaico com 19 atores e atrizes, uma multidão de histórias. Na minha opinião, exagerou no número de personagens, no cor-de-rosa e no açúcar.

Não que seja um filme ruim. Não é, não, de forma alguma – e provavelmente só vai desagradar a quem torce o nariz para o divertissement, a necessária pouca seriedade de uma comédia romântica.

Mas mesmo quem gosta desse gênero leve, despretensioso, bobinho – como eu – não deixará de notar que é tudo cor-de-rosa demais, tudo açucarado demais da conta.

Uma Los Angeles limpinha, perfeita, rósea

Até porque o filme é, além de uma declaração de amor ao amor, também uma declaração de amor a Los Angeles. A metrópole imensa, confusa, problemática, cheia de contrastes, a mais abjeta miséria convivendo com a mais abjeta exibição de riqueza, já foi tema de centenas e centenas de filmes. Vários a mostraram como um antro de corrupção, como Chinatown, de Polanski, Los Angeles Cidade Proibida/L.A. Confidential, de Curtis Hanson, ou A Troca/Changelling, de Clint Eastwood. Vários a mostraram como um imenso caldeirão de conflitos raciais prestes a explodir, como Boyz’n the Hood, de John Singleton, A Face Oculta da Lei/Dark Blue, de Ron Shelton, ou Gran Torino, de novo do mestre Clint. O Solista, do jovem inglês Joe Wright, e Medo e Obsessão/Land of Plenty, do alemão Wim Wenders, mostram uma Los Angeles povoada por milhares de miseráveis sem-teto.

A Los Angeles do diretor Garry Marshall não parece ter corrupção, problemas raciais, miseráveis. Como a Nova York de uma fase de Woody Allen, a Los Angeles deste filme aqui é só beleza, riqueza, harmonia, paz e amor – tomou banho de loja, banho de tinta, banho de caminhões de lixo, banho de civilidade, todas as raças se congraçam. Não há um papel na rua, um lixinho na calçada, tudo é lindo de morrer. Nada contra, nada a favor – é só uma constatação.

E dá-lhe um monte de casais, um monte de histórias, tudo acontecendo em um único dia, o dia dos namorados, como informa o título original, Valentine’s Day:

Dezenove personagens – e quase o mesmo número de reviravoltas

* Reed (Ashton Kutcher) é um sempre feliz e jovial dono de floricultura, apaixonado pela namorada Morley (Jessica Alba); bem de manhãzinha naquele dia dos namorados, Reed pergunta a Morley se ela aceita se casar com ele – e ela diz sim; depois haverá uma reviravolta;

* Jason (Topher Grace) e Liz (Anne Hathaway) acordam juntos e felizes da vida no apartamento dele; estão namorando faz duas semanas; ela sai correndo do apartamento bem de manhãzinha para ir trabalhar, e aí começa a falar sacanagens ao telefone; depois haverá uma reviravolta;

* Julia (Jennifer Garner) também acorda depois de uma noite de trepadas ao lado do namorado, um médico bem posto, Copeland (Patrick Dempsey); depois haverá uma reviravolta;

* Edgar (Hector Elizondo) e Estelle (Shirley MacLaine) estão casados e felizes há várias décadas; cuidam do netinho Edison (Bryce Robinson); depois haverá uma reviravolta;

* o garotinho Edison tem uma paixão; depois haverá uma reviravolta;

* Holden (Bradley Cooper) tem a sorte de estar sentado ao lado de Kate (Julia Roberts), no avião com destino a Los Angeles; ela é uma capitã do exército, está indo na sua brevíssima folga passar um único dia em casa; conversam bastante, animadamente; a viagem é longa; depois haverá uma reviravolta com Holden e uma reviravolta com Kate;

* Alex (Carter Jenkins) e Grace (Emma Roberts) estudam no mesmo colégio, são namorados e planejam dar a primeira trepada de suas vidas naquele dia mesmo; depois haverá uma reviravolta;

* Sean Jackson (Eric Dane) é um jogador de futebol americano de imenso prestígio, mas sua carreira está num momento crítico, e ele precisará da ajuda de sua assessora de imprensa, Kara (Jessica Biel) e de sua empresária, Paula (Queen Latifah); haverá reviravoltas na história de cada um dos três;

* Kelvin (Jamie Foxx) é repórter de esportes de uma emissora de TV, mas naquele dia dos namoradas a chefe de reportagem Susan (Kathy Bates) vai botá-lo, fulo da vida, para cobrir casos de namoro. Atenção: haverá uma supresa na vida de Kelvin, mas não haverá qualquer reviravolta para Susan.

E ainda há outros personagens menos importantes, como o indiano empregado e amigo do florista Reed e a comissária de bordo que não tira os olhos do bonitão Holden.

         Personagens demais, cor-de-rosa demais, açúcar demais

Cacilda, é história demais, é personagem demais, siô!

Como em Short Cuts, de Altman (outro mosaico passado em Los Angeles, só que, ao contrário deste aqui, cheio de gente infeliz), há uma mulher que trabalha no Disque Sexo. Como em Simplesmente Amor, a comédia romântica perfeita de Richard Curtis, há um garotinho branco que tem caso com uma linda menininha não branca. Como na maioria das comédias românticas dos últimos tempos, há personagens gays.

Pipocam na trilha sonora músicas incidentais, canções nossas velhas conhecidas, falando de amor, muito bem escolhidas para cada determinada situação.

Como afinal de se trata de mais um encontro do diretor com a estrela de Pretty Woman, haverá uma piada – deliciosa – a respeito do filme que transformou Julia Roberts numa superestrela internacional. Mas é possível que muita gente sequer veja a piada – ela aparece já no meio dos créditos finais, quando muita gente já se levantou da cadeira do cinema ou já desligou o DVD. Os créditos finais são interrompidos várias vezes por algumas daquelas já tradicionais cenas em que os atores erram suas falas; no meio dessas cenas, um motorista diz para Julia Roberts se ela sabe que estão no Rodeo Drive – a rua em que a prostituta interpretada pela atriz rodava a bolsinha em Pretty Woman. E ela responde que sabe, sim, que teve ali uma péssima experiência.

E então é isso. Uma comedinha romântica com personagens demais, cor-de-rosa demais, açúcar demais. Uma gostosa bobagem.

Idas e Vindas do Amor/Valentine’s Day

De Garry Marshall, EUA, 2010

Com Ashton Kutcher (Reed), Julia Roberts (capitã Kate), Jennifer Garner (Julia), Anne Hathaway (Liz), Emma Roberts (Grace), Jessica Alba (Morley Clarkson), Jessica Biel (Kara Monahan), Shirley MacLaine (Estelle), Kathy Bates (Susan), Bradley Cooper (Holden), Topher Grace (Jason), Eric Dane (Sean Jackson), Patrick Dempsey (dr.  Copeland), George Lopez (Alphonso), Queen Latifah (Paula Thomas), Hector Elizondo (Edgar), Jamie Foxx (Kelvin), Taylor Lautner (Willy), Taylor Swift (Felicia), Bryce Robinson (Edison), Matt Walker (Greg), Katherine La Nasa (Pamela Copeland), Erin Matthews (comissária de bordo)

Roteiro Katherine Fugate

Baseado em história de Katherine Fugate, Abby Kohn e Marc Silverstein

Fotogeraia Charles Minsky

Música John Debney

Montagem Bruce Green

Produção New Line Cinema, Warner Bros. DVD Warner Bros.

Cor, 123 min

**1/2

Título em Portugal: Dia dos Namorados

7 Comentários para “Idas e Vindas do Amor / Valentine’s Day”

  1. Eu gosto do gênero, mas logo no começo já me irritei porque percebi o que você falou no início do texto: o filme é cor-de-rosa demais, demasiadamente açucarado. Quase desisti de ver. Eu fugi bastante dele, mas num dia em que não queria ver nada que me fizesse pensar, resolvi assistir a essa bobagem. Não precisa nem ser um gênio pra perceber logo de cara quase tudo o que vai acontecer. Ter o Ashton Kutcher num dos papéis de maior destaque também não ajudou.
    E o casalzinho adolescente que não se desgrudava e que chegou a dar entrevista para a TV? Pra que perder tempo com aqueles dois? Se eles não existissem sobraria mais espaço para desenvolver outros personagens menos imbecis.
    Dos personagens da Julia Roberts e do Cooper até esperei alguma coisa mais adulta, mas o tema central da conversa foi a aparente aversão dele ao pirulito em formato de coração. Gente.
    Esse filme é uma bobagem sem fim, bem abaixo de uma boa comédia romântica.

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