Guerra ao Terror / The Hurt Locker


3.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2010: É possível que daqui a 20, 30 anos, as referências mais comuns a The Hurt Locker, que no Brasil recebeu o título de Guerra ao Terror, sejam sobre o fato de que o filme de Kathryn Bigelow conseguiu duas façanhas: tornou-a a primeira mulher a ganhar o prêmio de melhor direção da Academia e a fez derrotar o ex-marido James Cameron, tirando de seu filme Avatar, a maior bilheteria de cento e tantos anos da história do cinema, os principais Oscars.

E, de fato, são duas imensas façanhas.

Mas o filme é muito mais do que isso, muito mais que o grande ganhador de Oscars bem no ano de Avatar.

É, sobretudo, um filme extraordinário, dos melhores filmes sobre guerra que já foram feitos.

Para mim, pessoalmente, ele soou como o filme que demonstra que a loucura sempre pode ser maior do que imaginamos. The Hurt Locker, na minha opinião, demonstra que a loucura pode ser elevada ao quadrado.

         Duas porradas de Mike Tyson e a loucura elevada ao quadrado

Em 1988, me senti obrigado a escrever sobre Nascido para Matar/Full Metal Jacket, de Stanley Kubrick, outro dos melhores filmes sobre guerra que já foram feitos. Nunca fui crítico de cinema, graças ao bom Deus, mas, não me lembro por que, o crítico de cinema da revista Afinal, o grande Geraldo Mayrink, não estava disponível na semana de lançamento, e eu, como editor de Cultura, não poderia permitir que a revista fosse às bancas sem falar da estréia do primeiro filme que mestre Kubrick fazia após sete anos de silêncio.

O filme de Kubrick é assim uma espécie de concerto – ou talvez uma peça de câmara, uma sonata. Não uma sinfonia – sinfonia sobre guerra, isso Francis Ford Coppola havia feito em Apocalypse Now, em 1979, com a Cavalgada das Valquírias de Wagner e tudo mais, todos os fogos de artifício que podem ser reunidos em um único filme, mais fogos de artifício de 200 anos de 4 de Julho em apenas uma obra. Kubrick fez um concerto, ou uma sonata. Como todos os concertos, e sonatas, são três movimentos, o primeiro forte, presto, o terceiro igualmente forte, allegro (embora nada a ver com alegria, pelamordedeus), o do meio sutil, suave, andante.

Ao final do primeiro e do terceiro movimentos, Kubrick nos presenteia com uma porrada na cara, um chute no estômago.

Vai daí que escrevi, na revista Afinal que Nascido para Matar é “algo como subir a um ringue para lutar contra Mike Tyson, e ser nocauteado duas vezes”.

Lembrei dessa história depois de ver o filme de Kathryn Bigelow, porque, para mim, The Hurt Locker demonstra que a loucura pode ser elevada ao quadrado.

         Já se escreveu demais sobre o filme

Repito o que já disse aqui algumas vezes: me dá uma grande canseira comentar filmes sobre os quais todo mundo já falou demais. Sempre tive preguiça de escrever sobre os filmes de grande sucesso – a não ser que eu tivesse algo pessoal a dizer.

Já se escreveu sobre The Hurt Locker possivelmente quase tanto quanto sobre A Divina Comédia, ou Guerra e Paz – então vamos acabar com esta anotação o mais rapidamente que for possível.

É tudo bem feitíssimo. A fotografia é extraordinária.

É brilhante a idéia de usar atores mais conhecidos – o inglês de nascimento criado na Austrália Guy Pearce, o excepcional inglês Ralph Fiennes, o americano de Massachussetts David Morse – como convidados especiais, em papéis bem pequenos, que não ocupam mais de dez minutos de ação.

É estranho o fato de o filme ter obtido o Oscar de roteiro original quando se sabe que não houve propriamente um roteiro – filmaram um monte de coisas, um absurdo total de 200 horas, e depois decidiram o que fazer com aquilo tudo. O grande trabalho, a rigor, foi dos montadores, uma obra de fato admirável, assinada por Bob Murawski e Chris Innis, premiada com o Oscar, um dos seis que o filme recebeu.

Se você ainda não viu o filme, não leia a partir de agora

Durante, digamos, 126 dos 131 de duração, me pareceu que o filme era dos mais legítimos estandartes contra a guerra, todas as guerras, a idéia de guerra. Quando, no 129º minuto, ele mostra o personagem central voltando ao inferno, por sua opção pessoal, aí então não entendi mais nada. Mas pera lá – a mulher está expondo, criticando, abatendo a loucura, como todos os grandes fizeram antes, Tostói, Coppola, Kubrick, Clair –, ou está defendendo a guerra?

Apavorado, chocado, em pânico, recorri ao meu amigo Elói Gertel, fã de filmes de guerra, fã de James Cameron e de Kathryn Bigelow, que havia gostado do filme, e que havia me relembrado que o tema básico, a história de homens encarregados da insana tarefa de desarmar bombas, já havia sido abordado em três outros filmes: The Small Back Room, de 1949, de Powell-Pressburger, em A Legião dos Malditos/La legione dei dannati, de 1969, de Umberto Lenzi, e em A Dez Segundos do Inferno, de Robert Aldrich.

A resposta dele foi: “Não achei Guerra ao Terror um filme a favor ou contra – quem não se choca com o professor sendo explodido? – mas uma história bem contada.” E lembrou que o filme abre com uma frase exatamente sobre essa coisa de que a adrenalina vicia.

De fato. Antes do início da ação, vemos a seguinte frase, de autoria de Chris Hedges, um jornalista que foi corresponde de guerra: “O calor da batalha é geralmente um vício potente e letal, porque a guerra é uma droga.”.

         Seis Oscars, 73 outros prêmios

Estes foram os seis Oscars que o filme ganhou: melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original, melhor montagem, melhor som, melhor montagem de som. Recebeu também as indicações para melhor ator (Jeremy Renner), fotografia (Barry Ackroyd) e trilha sonora original (Marco Beltrami) e Buck Sanders.

Foi o primeiro filme de guerra a ganhar o Oscar de melhor filme desde O Paciente Inglês, de Anthony Minghella, de 1996.

Além dos Oscars, o filme ganhou 73 outros prêmios – inclusive o Bafta e o prêmio do sindicato dos diretores para Kathryn Bigelow, e teve outras 47 indicações.

E, sim, é necessário registrar: literalmente, “the hurt locker” seria algo como armário dos feridos, baú dos feridos, compartimento dos feridos. A expressão, segundo o iMDB, começou a ser usada durante a guerra do Vietnã; é muito usada pelos soldados do Iraque para se referir a explosões – fala-se em mandar alguém para “the hurt locker”.

Guerra ao Terror/The Hurt Locker

De Kathryn Bigelow, EUA, 2008

Com Jeremy Renner (sargento William James), Anthony Mackie (sargento Sanborn), Brian Geraghty (Owen Eldridge), Guy Pearce (sargento Matt Thompson), Ralph Fiennes (o líder dos empreiteiros), David Morse (coronel Reed), Evangeline Lilly (Connie James)

Roteiro Mark Boal

Fotografia Barry Ackroyd

Música Marco Beltrami e Buck Sanders

Produção First Light, Kingstate Films, Voltage Pictures. Estreou em São Paulo 5/2/2010

Cor, 131 min

***1/2

Título em Portugal: Estado de Guerra. Título na França: Démineur

10 Comentários para “Guerra ao Terror / The Hurt Locker”

  1. Sergio. Eu vi o filme e gostei. Eu queria ter entendido a cena do garoto morto sobre a mesa… parecia ter o corpo aberto… pra que exatamente? O que significou aquela cena. Os soldados deixaram logo o local e não se explicou nada sobre o assunto. Abs.

  2. Muito obrigado pela correção! Eu havia feito uma confusão: “O Pianista” tinha sido o último filme de guerra a levar o Oscar de Melhor Direção, para Roman Polanski. O último filme de guerra a vencer o Oscar de Melhor Filme havia sido “O Paciente Inglês”, de 1996. Graças à sua mensagem, pude corrigir o erro no texto. De novo, muito obrigado.
    Sérgio

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