Nota:
Anotação em 2010: Uma delícia de filme. Uma bem armadíssima, inteligente, esperta trama sobre um golpe armado por grupo de vigaristas, à la Golpe de Mestre/The Sting, com diversas surpresas ao longo do caminho, diálogos fascinantes, um excelente elenco em interpretações impecáveis.
Não me lembrava de ter ouvido falar do filme, apesar dos nomes importantes no elenco – Edward Burns, Rachel Weisz, Andy Garcia, Dustin Hoffman, Paul Giamatti. Posso estar completamente enganado, mas me parece que o filme não teve grande sucesso, passou meio em brancas nuvens, o que é bastante difícil de compreender.
Fui checar, antes mesmo de anotar mais sobre o filme. E parece ser isso mesmo. Segundo o site Box Office Mojo, o filme, feito em 2003, custou US$ 15 milhões – um orçamento bem pequeno, em termos de cinema americano. É uma produção independente, feita longe dos grandes estúdios – tanto que estreou no Sundance, o festival dos independentes. Rendeu, no total, nos Estados Unidos e no mundo todo, apenas US$ 23 milhões. Um fracasso.
Não dá para entender por quê. Merecia ter sido visto por muito mais gente. Mas é assim mesmo: é um grande mistério por que alguns filmes dão tão certo nas bilheterias, e outros simplesmente não acontecem.
Quando a ação começa, a voz de Edward Burns está dizendo: “Então eu estou morto” – e temos um plongée, uma tomada com a câmara bem no alto, e lá embaixo, no chão, o corpo ensangüentado do personagem interpretado pelo ator, Jake Vig. Em seguida vemos que Jake Vig – com cara e jeito de quem já levou uma baita surra – está sendo interrogado por um camarada de maus bofes, que tem uma arma apontada para a cabeça dele. O interrogador pergunta a Jake se sua vida não está passando toda diante dele, o que, dizem, costuma acontecer com as pessoas que estão para morrer. Jake responde que estão passando pela sua cabeça apenas as três últimas semanas. “É um bom começo”, responde o homem que segura a arma. E temos um letreiro: “Três semanas atrás”.
O morto se levanta – não está morto coisa alguma, era um golpe
Três semanas atrás, Jake estava dando um golpe num sujeito chamado Lionel Dolby (Leland Orser); ele, Jake, acabava de atirar num outro cara, que está estendido no chão de um bar fuleiro num bairro afastado de Los Angeles, dessas espeluncas meio escondidas, muito comuns nos filmes policiais, nos thrillers, e Lionel estava presente; se for pego pela polícia, Lionel será considerado cúmplice. Por isso, Lionel sai correndo do bar, foge que nem o diabo da cruz, no momento em que está chegando uma viatura de polícia. Foge deixando no bar uma mala suja de sangue com US$ 150 mil.
No momento em que os dois policiais da viatura entram no bar, o sujeito ensagüentado se levanta do chão. Chama-se Gordo (o sempre bom Paul Giamatti, numa excelente interpretação), é o braço direito de Jake, um dos quatro membros do grupo de vigaristas. Levanta-se do chão e retira do peito um colete à prova de balas no qual havia uma bolsa com sangue – ou esmalte, algo vermelho para assustar Lionel, o pato, o trouxa, o golpeado.
Igualzinho em O Golpe de Mestre. No hoje clássico filme de George Roy Hill com a dupla Paul Newman-Robert Redford o mesmo expediente, exatamente o mesmo, é usado pelos grandes trambiqueiros.
Jake, Gordo, Al (Louis Lombardi) e Miles (Brian Van Holt) não terão muito tempo para comemorar o golpe que lhes rendeu US$ 150 milhões. Em parte, porque o ritmo do filme é bastante ágil, acelerado; em parte, porque vão descobrir bem rapidamente que o pato Lionel, em cima de quem aplicaram o golpe, é ligado ao Rei, o King (Dustin Hoffman, se divertindo demais com o papel e divertindo igualmente o espectador), um bandidaço poderoso e perigoso.
O grupo sabe que o King vai atrás deles para se vingar e para reaver os US$ 150 mil perdidos, e por isso Jake resolve procurá-lo, para tentar algum tipo de acordo. A seqüência do encontro dos dois – estamos aí com uns dez minutos de filme – é divertidíssima, deliciosa.
Os dois atores estão muito bem; Edward Burns faz o Edward Burns de sempre, sujeito que fala muito, o tempo todo – e, como nos filmes dirigidos por ele mesmo, aqui ele tem belas, afiadas frases para dizer. É um vigarista inteligente, astuto, um jogador de xadrez – bem mais para a frente, Jake dirá que um golpe é como um jogo de xadrez, em que o bom jogador tem que saber antecipar 20 jogadas do adversário.
Dustin Hoffman compôs um King extremamente engraçado, um bandidão esperto, inteligente, batalhador, que faz cinco coisas ao mesmo tempo e é cheio de vícios e manias.
King topa perdoar Jake e seu grupo – desde que eles apliquem um golpe milionário em um velho rival e desafeto seu, um tal Morgan Price (Robert Forster), vigarista veterano, safo, que age dentro e fora da lei, e é dono de um banco.
O filme está só começando; vamos ver em seguida Jake e seus comparsas criando o grande golpe, até pô-lo em prática – com muitas sacadas inteligentes, traições, surpresas, tudo entremeado por bons diálogos.
A maravilha inglesa Rachel Weisz faz uma vigarista solitária, Lily, que Jake chama para participar do golpe, e Andy Garcia interpreta Gunther Butan, um agente federal que anda atrás de Jake.
Um diretor que se dá bem em diversos gêneros
A trama, muitíssimo bem elaborada, me fez lembrar de David Mamet, o dramaturgo e cineasta autor de thrillers com histórias intrincadas e diálogos inteligentes. Por uma coincidência, o diretor deste Confidence, James Foley, já dirigiu um filme baseado em peça de Mamet, O Sucesso a Qualquer Preço/Glengary Glen Ross, que não tem nada a ver com thriller ou com bandidos – é um trágico estudo sobre a competição desenfreada entre colegas que trabalham em uma imobiliária, a competição como metáfora de toda a organização capitalista.
James Foley é uma figura bem interessante. Fez apenas dez filmes, ao longo de 26 anos, e passou por diversos gêneros, desde comédia musical com Madonna, Quem é Essa Garota/Who’s that Girl, até o seriíssimo O Sucesso a Qualquer Preço, de drama sobre racismo baseado em obra de John Grisham, O Segredo/The Chamber, até uma história sobre relações familiares durante a Grande Depressão, Um Dia para Relembrar/Two Bits.
Domina bem o ofício, em qualquer gênero.
Já o autor da trama fascinante e do roteiro é um novato, Doug Jung, autor de roteiros de séries para a TV. Nessa história aqui, demonstra imenso talento.
Não costumo me encantar com filmes que por sua vez se encantam com bandidos, foras-da-lei, vigaristas de qualquer matiz. Bem ao contrário: tenho um certo desprezo por esse subgênero tão caro ao cinema – tanto o americano quanto o inglês e o francês –, o Como São Charmosos e Sensacionais os Fora-da-Lei. Mas este aqui é muito competente, e irresistível.
Bem, é a minha opinião. O AllMovie, por exemplo, detestou o filme. Diz que as cenas de ação não são inspiradas, que Edward Burns não convence como o protagonista, que a trama é difícil de ser acompanhada, que não há química entre Burns e Rachel Weisz, que os esquemas bolados pelo protagonista são improváveis, que é tudo uma perda de tempo.
Leonard Maltin também não gostou. Deu 2 estrelas em 4, disse que o filme, com um elenco forte, é um desapontamento; que não tem suspense nem supresa como deveria; que o personagem de Ed Burns é desagradável, e que o diretor cria todos os truques visuais que consegue na tentativa de manter a atenção do espectador.
Vai ver que o AllMovie e o Maltin estão certos e eu e Mary, que também gostou bastante, estamos errados. Pode ser, é claro.
Confidence – O Golpe Perfeito/Confidence
De James Foley, EUA, 2003.
Com Edward Burns (Jake Vig), Rachel Weisz (Lily), Andy Garcia (Gunther Butan), Dustin Hoffman (The King), Paul Giamatti (Gordo), Donal Logue (Lloyd Whitworth), Luis Guzman (Manzano), Brian Van Holt (Miles), Franky G. (Lupus), Morris Chestnut (Travis), Robert Forster (Morgan Price), Louis Lombardi (Al)
Argumento e roteiro Doug Jung
Fotografia Juan Ruiz-Anchia
Produção Lions Gate Films, Cinerenta. DVD Europa Filmes
Cor, 98 min
***
Adoro este filme ! Onde posso baixar o tema do filme ?
Um filme excelente! Adorei. Tudo que o talentoso Dustin Hoffman faz é perfeito. Por exemplo, Luck, onde ele dá um show de interpretação.