2.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Tem imensa fama, este filme feito pelo cultuadíssimo alemão Max Ophüls em 1948, durante sua passagem por Hollywood. E de fato é tremendamente elegante o estilo da câmara. Mas a história me pareceu boba, bocó, panaca.
Não há elegância de câmara que resista a isso.
E é estranho, porque a história é de Stefan Zweig (1881-1942), escritor respeitadíssimo, quase tão cultuado nas letras quanto Max Ophüls (1902-1857) no cinema. Zweig, um judeu austríaco de família rica, fugiu de seu país em 1934, logo após a ascensão de Hitler ao poder; matou-se junto com sua mulher em Petrópolis, na região serrana do Rio, horrorizado com a tragédia que acontecia na Europa. A novela Carta de uma Desconhecida foi publicada em 1922.
Um letreiro nos avisa, bem no início do filme, que estamos em Viena (a cidade natal do autor Zweig e que exerceu enorme fascinação sobre o diretor Ophüls), por volta de 1900. Três homens em roupas elegantes estão em uma carruagem; um deles desce diante de sua casa. São duas horas da madrugada, e os dois homens que continuam na carruagem combinam que passarão para pegar o companheiro que chegou à porta de sua casa às cinco horas. Perguntam se ele vai mesmo querer levar aquilo adiante, e ele diz uma frase do tipo:
– “Cavalheiros, estou preparado para morrer. Só detesto acordar cedo.”
Enquanto os dois outros homens se afastam na carruagem, um comenta para o outro:
– “Desta vez, ele se meteu com a mulher do homem errado.”
A palavra duelo não é mencionada, mas é óbvio que esse é o compromisso a se iniciar às cinco horas da manhã.
O homem chama-se Stefan Brand, e é interpretado por Louis Jourdan, um galã que fez muito sucesso nos anos 40 e 50 mas que eu acho muito mau ator. Stefan chega então a seu amplo apartamento, onde é aguardado por um mordomo. Pede que o mordomo arrume uma mala com roupa suficiente para uma longa temporada fora, e diz que uma carruagem virá buscá-lo dali a uma hora. Ah, certo, diz o espectador: então Stefan ele não pretende ir ao duelo – fugirá antes. Ao menos é essa a intenção. E o espectador também já sabe, neste iniciozinho de narrativa, que o sujeito é um galinha, um conquistador incurável.
Uma carta – e a história da mulher em longos flashbacks
O mordomo entrega-lhe um carta; ele pede café e conhaque, lava o rosto, e começa a ler a carta – uma longa, longa carta, a do título. Temos então uma voz de mulher em off lendo a carta, e temos um flashback para mostrar o que ela está contando – o primeiro de vários. Ao longo de todo o filme, teremos algumas cenas do homem lendo a carta, entremeadas de longos flashbacks em que a mulher conta sua história.
Ela se chama Lisa Berndle (o papel de Joan Fontaine), e era uma adolescente quando Stefan Brand, então um jovem e aclamadíssimo pianista, se mudou para o mesmo prédio em que ela morava. Apaixonou-se perdidamente por ele assim que o viu. Mas Stefan mal sabia da existência dela: uma vez, apenas, agradeceu por ela abrir uma porta do prédio para deixá-lo passar.
A mãe de Lisa, uma viúva, casou-se com um comerciante que vivia numa pequena cidade; para a mocinha, a mudança era um horror; Lisa chega a fugir da mãe e do padrasto na estação de trem para visitar Stefan – mas ele chega à sua casa acompanhado por uma mulher, e Lisa não tem saída a não ser mudar-se também.
Mais tarde, quando Lisa está com 18 anos, padrasto e mãe a incentivam a namorar um tenente; mas, quando o tenente vai fazer a proposta de casamento, Lisa mente que está noiva de outro homem, e acaba indo viver em Viena; trabalha numa casa de moda, e toda noite vagueia nas proximidades da casa de Stefan, na esperança de vê-lo. Uma bela noite, finalmente, Stefan nota a presença dela. Têm um rápido momento de idílio, quando estamos aí lá pela metade do filme.
Um personagem bocó, uma história bobona
Ora bolas: uma mulher que passa a vida inteira absoluta, perdidamente apaixonada por um homem que só quis saber dela durante alguns dias, faça-me o favor, hein? Coisa mais idiota, mais bocó. Que me perdoem tanto o Stefan Zweig quanto o Max Ophüls, mas eta historinha mais chinfrim – história boa para uma dessas revistinhas de moças de muitos sonhos românticos e pouco cérebro, tipo Sabrina – será que Sabrina ainda existe? Ou para os romances de terceira categoria de autoras como M. Delly.
Sim, os movimentos de câmara de Ophüls são fantásticos. Ele faz travelling suaves; usa muito a grua, aquele guindaste que ergue e baixa a câmara, em belos planos gerais e de conjunto. Mas eta historinha babaca – e eta heroinazinha bocó.
“Embora tenha vivido lá durante apenas um ano quando tinha vinte e poucos anos, Viena – especificamente a Viena dos Hapsburgs, antes da Primeira Guerra Mundial – era o lar espiritual de Max Ophüls, e em seus filmes ele voltou para lá diversas vezes”, diz o livro 501 Movie Directors. “A Viena dos Hapsburgs é onde se passam os melhores filmes do início de sua carreira. Liebelei (Uma História de Amor), de 1933, que conta a história de uma jovem tímida que se apaixona por um garboso oficial. Está evidente em Liebelei o estilo de Ophüls, sua paixão por uma câmara em movimento. Sempre que possível, ele gostava de contar sua história com longas tomadas sinuosas que duravam vários minutos. Mas esse movimento constante não é meramente decorativo ou exibicionista. O cenário, no cinema de Ophüls, é muito importante, e ao explorar incessantemente seus cenários, ele está demonstrando como seus personagens são definidos, e muitas vezes constrangidos, pelo ambiente que os cerca.”
O livro conta que Ophüls passou a maior parte dos anos 40 em Hollywood, onde não se sentia feliz, mas onde fez belos filmes: “Letter from an Unknown Woman (1948), um comovente estudo de amor não retribuído que se baseia em Viena e tem temas especialmente vienenses.”
Os filmes mais elogiados de todos os de Ophüls talvez sejam os últimos, feitos na França, onde se radicou depois da temporada em Hollywood: Conflitos de Amor/La Ronde, de 1950, O Prazer, de 1952, e Lola Montès, de 1955. Jacques Demy faria uma homenagem ao diretor em Lola, seu primeiro longa, de 1961; um dos personagens de Lola vai reaparecer na história de Os Guarda-Chuvas do Amor, a obra-prima de 1964
“Não sabemos se cobrimos a personagem de pancada ou se choramos”
Pois é. Um passeio pelos alfarrábios trará loas e mais loas a Carta de uma Desconhecida. Sei disso. Vamos lá.
Diz Pauline Kael, a crítica americana de língua mais ferina: “Joan Fontaine sofre até não mais poder, porém de uma maneira tão elegante, nesta evocação romântica da Viena de fins do século XIX, que não sabemos se cobrimos de pancada a pobre criatura traída ou damos o braço a torcer e choramos. Max Ophüls fez este filme em Hollywood, mas sua Viena é de uma estilização tão romântica e de uma textura tão bela quanto seus filmes europeus. O tema (quase sempre o seu tema) é a diferença das visões do amor.”
Em seu Os Filmes da Minha Vida, François Truffaut não se alonga sobre o filme; fala sobre ele en passant, num texto sobre toda a obra de Ophüls, e o define como “belíssima adaptação de Stefan Zweig”
O Guide des Films de Jean Tulard dá cotação máxima, 4 estrelas. “Não termina nunca a descoberta de riquezas de uma obra que é da mesma natureza, frágil e quase impalpável, de Liebelei, e a mais característica talvez do toque de Ophüls. Soberba reconstituição da Viena imperial e bela interpretação de Joan Fontaine e Louis Jourdan.”
É isso. Todo mundo baba. Não, não: Leonard Maltin não baba. Dá 3 estrelas em 4, mas faz objeções. Maravilha! “O luxuoso sabor romântico da direção e as atuações obscurecem os clichês e improbabilidades na história da paixão da vida inteira de Fontaine pelo músico Jourdan.” Está mais próximo do filme que eu vi: clichês, improbabilidades.
Aproveitando a frase de Dona Pauline, a mim dá é vontade de encher de porrada a personagem central, como se dá tapa na cara de alguém que está tendo um ataque histérico. Ô mulher burra, siô.
Carta de uma Desconhecida/Letter from an Unknown Woman
De Max Ophuls, EUA, 1948
Com Joan Fontaine (Lisa Berndle), Louis Jourdan (Stefan Brand),
Mady Christians (Frau Berndle), Marcel Journet (Johann Stauffer),
Art Smith (John)
Roteiro Howard Koch
Baseado em novela de Stefan Zweig
Fotografia Franz Planer
Música Daniele Amfitheatrof
Produção Rampart Productions, John Houseman
P&B, 90 min
**
Revi há pouco tempo Carta de Uma Desconhecida. Com o passar dos anos a gente vai apurando opiniões. Lembro-me muito do impacto que o filme causou na época do lançamento e parecia-me de fato um belo filme. Agora, mais “desbotado”, na visão crítica. Ele,que Sérgio não considera bom ator,atuou como outro amante famoso, o de Emma Bovary. Os diretores certmente encontravam nele um certo charme para isso.
Nessa madrugada(de 1-6-2011)recordei desse filme.Passou na T.V.Globo(quando ela ainda não era dos ILLUMINATIS-ou eles disfarçavam bem)na Sessão da Tarde(1980 época que passava filme com qualidade e feito por quem tinha cérebro),o filme é de intensa poesia e foi um dos filmes mais poéticos que vi.O roteiro foi feito antes de Elvis Presley,ou seja,como disse John Lennon:”Antes de Elvis não exisita NADA!!”Por esse motivo a história é ingênua para quem viveu depois de Elvis Presley-Janis Joplin-Rolling Stones-Cólera-Sister of Mercy-Sex Pistols e adjascências. Sergio Vaz deve assistir muito a “novela”tão babaca quanto ele:Malhação!Q usa a palavra GALINHA pra homens q tem muitas mulheres!!GALINHA é exclusivo para mulher q tem muitos homens-Homem q tem muitas mulheres é galã,mulher q tem muitos homens é galinha!!Leia mais poesias e ouça mais Rock and Roll e aprenda jogar xadrez,depois faça comentários sobre filmes…
Parte II:”.. Que me perdoem tanto o Stefan Zweig quanto o Max Ophüls, mas eta historinha mais chinfrim”…-Sergio Vaz – Olha só a palavra q Sergio usa “CHINFRIN”…ou ele é fanático por Malhação,ou ele pertence aos ILLUMINATIS…rs.
Ao inicio, estava a gostar bastante do filme. Meu deus, achei a ideia romântica e triste, muito apetecível. Uma menina doce e frágil, como só Joan Fontaine sabe representar, a “fazer amor” com um músico enquanto ouve a sua música e espreita a sua casa. Eu pensei que nunca se iriam conhecer muito bem e que ele leria a carta sem saber quem era a mulher. Achei a ideia romântica, embora melodramática demais. Bem, o filme acabou por desiludir… e porquê? porque não foi isso que aconteceu e, pior ainda, tomou um rumo demasiado improvável e mesmo ridículo. O facto de ele não a reconhecer, mesmo que ela tivesse sido pouco importante para ele, é muito estranho… E eu achei que ele havia gostado mesmo dela e por isso mais estranho achei ele não se lembrar dela. Bom, eu não considero o filme tão bom como ele é considerado, embora reconheça três trunfos poderosos: a música, o trabalho da câmara (que movimentos suaves, tem razão Sérgio) e a interpretação de Joan Fontaine. Eu amo essa atriz. É de uma sensibilidade extremada. Ela está mt bem mas o filme é só + ou -. não é cansativo, vê-se bem mas a história é boba, como o Sérgio diz
Sérgio, desculpa-me a futilidade da questão, mas vá, já sabes que eu gosto de saber isto. Qual achas mais bonita: Olivia ou Joan? Eu li certa vez que Olivia era considerada uma atriz mais bela mas a verdade é que eu acho Joan mais bonita, ainda que mais apagada. As duas tem uma beleza angelical. Como atriz, qual preferes? Eu não sei responder a isso mas posso dizer que Olivia me parece mais versátil
Miguel, beleza não é futilidade! Acho a Joan Fontaine mais bela. Muito mais.
Abração.
Sérgio
Que crítica infeliz! Raciocinar como se a personagem Lisa fosse uma mulher do século XXI, quando a história se passa no final do século XIX, é, no mínimo, não saber o que é verossimilhança interna. Seria absurdo pensar numa mulher, nos dias atuais, que ficasse sua vida inteira apaixonada por um único homem e que vivesse em função dessa paixão. A mulher atual é emancipada, vai para o mercado de trabalho, compete com o homem. No final do século XIX, é uma mulher dependente do homem em todos os sentidos: financeira e emocionalmente. Lisa é uma personagem do seu tempo e não adiante de seu tempo.
Poucos percebem que o filme vai muito além de uma história de amor. A maior parte da história está contida na carta, escrita sob o ponto de vista de Lisa. Por trás da história de amor, a carta é um acerto de contas de uma mulher, antes de morrer, com o homem por quem sempre esteve apaixonada, desde adolescente, mas que nunca notou a sua presença. Na carta, Lisa se apresenta como vítima, e apresenta Stefan como o homem volúvel que nunca se prendeu a uma mulher e nunca foi capaz de perceber os sentimentos dela por ele. Lisa á uma manipuladora de nossos sentimentos. Ela nos leva para seu lado, a menos que consigamos ver o filme de forma mais fria e notemos as omissões geradas pelos saltos no tempo, as mentiras (“Nunca contei sobre nosso filho, porque queria ser a única mulher que nunca exigiu nada de você”. Como ela sabia que as outras mulheres haviam exigido algo dele?) ou quando antecipa, na carta, o duelo do pianista com o marido, como se já soubesse que o marido iria acertar as contas com Stefan (Meu marido, Johann Stauffer, você já conhece”. Stefan nunca tinha visto o marido de Lisa antes do duelo.). Como disse o leitor acima, Lisa era uma adolescente do século XIX e não uma mulher do século XXI. Seu comportamento romântico, apaixonando-se pelo artista Stefan é típico da jovem romântica, que idealiza seu homem. Enfim, o filme é muito menos ingênuo do que parece. É uma obra belíssima, feita com enorme refinamento por Max Ophüls. Trilha sonora e fotografia sublimes.
Vi o filme pela primeira vez hoje e é um belo melodrama.
O filme pode ser visto como uma história de amor unilateral com trilha sonora matadora.
E sim, a mocinha é bobona, ,as paixões e bobeiras são sinônimos e como o filme é narrado por ela, natural que o filme assim fosse: bobo e apaixonado.
A direção é absurda, o diretor pareceu buscar ângulos que valorizassem as paisagens sem esconder as pessoas, a direção pode até parecer fria, mas capta bem o espírito melodramático.
E Joan Fontaine é a dona do filme, faz a transição novinha/madura de forma convincente e seria muito difícil a qualquer outra atriz fazer esse papel de apaixonada/babaca e dar credibilidade.
O Louis Jourdan lembra Tarcísio Meira, só que Tarcísio era um canastrão bem mais simpático.
E não acho aconselhável que se veja esse filme com os pés absolutamente no chão, é feito ver Superman e ficar tentando explicar de forma coerente seus superpoderes.