Sorte no Amor / Bull Durham


4.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Sorte no Amor/Bull Durham é delícia de filme: engraçadíssimo, gostoso, inteligente, com elenco excelente, todo muito bem realizado. Passa-se no mundo do beisebol, essa coisa tão americana quanto o hambúrguer e a Coca-Cola, mas não é preciso entender nada de beisebol para se divertir muito com o filme.

Só tem uma contra-indicação: não é coisa para puritanos. É uma comédia romântica desbocada e safada – tem mais palavrão que filme de gângster de Martin Scorsese e fala-se de sexo quase o tempo todo. E o sexo, no filme, é como deveria ser sempre: uma coisa alegre, boa, pra cima; nenhuma doença, nenhuma encucação, só prazer.

São três protagonistas, que vão formar um esquisito e engraçado triângulo amoroso. Temos Annie (Susan Sarandon, boa atriz como sempre, bela como nunca), uma professora de inglês de uma cidade da Carolina do Norte de uns 30 e muitos anos, ou 40 e poucos, apaixonada por beisebol. A cada ano, ou cada temporada do campeonato de beisebol na liga da Carolina – o que seria o correspondente à segundona, ou talvez a terceirona do nosso futebol –, ela escolhe um dos jogadores do time da cidade, o Bull Durham do título original, para transar.

abull3Na temporada que acompanharemos, o Bull Durham acaba de contratar um arremessador jovem, Nuke LaLoosh (interpretado por um Tim Robbins com carinha de bebê), que tem um braço fortíssimo, mas ainda é verde demais e erra quase todos os arremessos poderosíssimos. Para cuidar do garoto, ensiná-lo a jogar, passar as manhas do esporte para ele, o clube contrata Crash Davis (Kevin Costner, na sua fase áurea, quando parecia que iria se tornar um Gary Cooper da segunda metade do século), profissional experientíssimo, talentoso, embora não tivesse tido a sorte de ficar na Major League, a bilionária divisão especial do beisebol americano. 

Naquela temporada, pela primeira vez na vida, Annie vai se envolver com dois jogadores do Bull Durham ao mesmo tempo.

O texto do filme é um brilho. É de autoria do próprio diretor Ron Shelton, um sujeito apaixonado por esportes: em 1992 faria Homens Brancos não Sabem Enterrar/White Men Can’t Jump, sobre basquete, e em 1996, de novo com Kevin Costner, faria O Jogo da Paixão/Tin Cup, sobre o mundo do golfe. Shelton é apaixonado por esportes e tem um texto brilhante, assim uma espécie de Armando Nogueira dos velhos tempos – embora a comparação só possa ser compreendida por gente mais velha e que leia sobre futebol.

Ainda estão rolando os créditos iniciais – vemos fotos em preto-e-branco de famosos jogadores de beisebol, e, depois, Annie se arrumando em casa para ir ao primeiro jogo da temporada – quando a voz de Susan Sarandon diz o seguinte (vale a pena transcrever, porque é um brilho absoluto):

– “Eu creio na Igreja do Beisebol. Tentei todas as religiões maiores, e a maioria das menores. Já adorei Buda, Alá, Brahma, Visnu, Siva, árvores, cogumelos e Isadora Duncan. Sei das coisas. Por exemplo, há 108 contas no rosário católico e há 108 pontos de costura na bola de beisebol. Quando soube disso, dei uma chance a Jesus. Mas as coisas não deram certo entre nós. O Senhor botou muita culpa em mim. Prefiro a metafísica à teologia. Não há culpa no beisebol, e nunca é chato… o que o faz parecer com sexo. Nunca houve um jogador que dormisse comigo que não tenha tido o melhor ano de sua carreira. Fazer amor é como acertar a bola: você tem que relaxar e concentrar. (…) Dou a esses garotos uma certa quantidade de sabedoria. Às vezes, quando estou sozinha com um jogador, leio para ele Emily Dickinson ou Walt Whitman, e os caras são tão doces que sempre ficam e escutam. Claro, um sujeito ouve qualquer coisa se achar que são as preliminares. Eu os faço sentir confiantes, e eles me fazem sentir segura e bonita. O que eu dou para eles dura a vida inteira, é claro, e o que eles me dão dura 142 jogos. Às vezes parece um mau negócio. Mas maus negócios fazem parte do beisebol. (…) É uma temporada longa e você tem que ter fé. Tentei todas, de fato tentei, e a única igreja que realmente alimenta a alma, dia após dia, é a Igreja do Beisebol.”

Uau, meu, isso é que lead, isso é que abertura de filme!

abull1E foram só os créditos iniciais. Quando eles terminam, Annie está chegando ao estádio; não um Maracanã, um Morumbi, um Mineirão, mas um estadiozinho fuleiro, de cidade pequena, de liga menor. O técnico do time e seu auxiliar, junto com quase todos os jogadore, estão a postos no campo. Só falta um: o tal recém-contrato Nuke LaLoosh. O técnico manda o auxiliar procurá-lo nos vestiários, e o garotão está comendo uma lourinha linda, Millie, uma espécie de Annie bem mais jovem.

Começa o jogo; Nuke arremessa seus petardos – em cima de um jornalista, em cima do público, quase nunca no lugar onde a bola tem que ir. Millie senta-se ao lado de Annie, esta pergunta como foi com o novo jogador. E ela:

– “Ele trepa como arremete, meio que por toda parte.”

Depois do jogo, treinador e seu auxiliar conversam, falam sobre os arremessos de Nuke. Um deles define:

– “É um braço de um milhão de dólares com uma cabeça de cinco centavos.”

Aí chega Crash Davis, o veterano. Estamos com não mais que dez minutos de filme. Os 98 minutos seguintes passarão muito rapidamente, como tudo que é bom. Annie vai transar com Nuke e ficar de olho em Crash. É um triângulo de fato esquisito – e engraçadíssimo.

Lá pelas tantas tem uma das melhores piadas do cinema, na minha opinião. Nuke bate na porta da casa de Annie; lá dentro toca um disco de Edith Piaf, uma paixão da moça; Annie está com raiva de Nuke, não quer abrir a porta. E ele grita, com aquela cabeça de 5 centavos dele:

– “Annie, abra a porta. Eu sei que você está aí, porque essa mexicana doida está cantando!”

         “Comédia sexy, inteligente e tresloucada”

abull2O filme foi indicado para o Oscar de melhor roteiro original; não levou, mas ganhou sete outros prêmios em festivais. Em 2008, vinte anos depois que ele foi produzido, o American Film Institute fez uma lista dos dez melhores filmes americanos sobre esportes, e o colocou na quinta posição. O livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer dá uma informação interessantíssima, da qual não me lembrava: Ron Shelton foi jogador de beisebol. “O roteirista e diretor Ron Shelton usou suas próprias experiências como jogador de beisebol nesta comédia inteligente, sexy e tresloucada, e fez de sua estréia como diretor uma oportunidade para compartilhar suas paixões por beisebol, mulheres intensas e pessoas comuns que têm um grande coração.”

Kevin Costner faria no ano seguinte, 1989, outro bom filme sobre beisebol, Campo dos Sonhos/Field of Dreams, e em 1990 dirigiria o excelente Dança com Lobos. Nos anos 2000 sua carreira teve uns pontos baixos, como uma bobagem chamada Promessas de um Cara de Pau/Swing Vote.

Tim Robbins tinha 30 anos quando fez o filme, e Susan Sarandon, 42. Conheceram-se durante as filmagens, casaram-se e estão juntos até hoje. Ela fez um pequeno papel no brilhantíssimo filme de estréia de Robbins como diretor, Bob Roberts, de 1992, e foi a protagonista do segundo filme dirigido pelo marido, Os Últimos Passos de um Homem/Dead Man Walking, de 1995. Trabalhou também em O Poder Vai Dançar/Cradle Will Rock, de 1999, outro filme espetacular dirigido por Robbins. O casal é arroz de festa nas campanhas mais progressistas que se fazem nos Estados Unidos. O rapaz deveria dirigir mais filmes.

Aliás, Ron Shelton também. Como escreve bem, o sujeito.

Para ver e rever

Fui dar uma conferida nas minhas anotações; tinha visto o filme quatro vezes – em 1989, 1990, 1992, 2008. Estranhamente, em nenhuma dessas ocasiões escrevi sobre ele. Vi novamente agora, segundo semestre de 2009, para fazer esta anotação – ele não podia ficar de fora do site.

Sorte no Amor/Bull Durham

De Ron Shelton, EUA, 1988

Com Susan Sarandon, Kevin Costner, Tim Robbins, Trey Wilson, Robert Wuhl, William O’Leary, Jenny Robertson

Argumento e roteiro Ron Shelton

Música Michael Convertino

Produção The Mount Company, Orion Pictures

Cor, 108 min.

R, ****

Título em Portugal: Jogo a Três Mãos

12 Comentários para “Sorte no Amor / Bull Durham”

  1. Esse filme é do tempo em que o Kevin Costner ainda me fazia suspirar por ele! rs. Realmente ele era um galã e tanto. Só me dei conta de que ele tinha envelhecido qdo assisti àquele filme da garrafa no mar e acabei dormindo. No dia seguinte perguntei à minha mãe o que tinha acontecido, já que eu não ia mais assistir mesmo, e ela o chamou de “velhinho”. E eu crente que o velhinho era o ator que fazia o pai dele :D.
    Não sabia que o Tim Robbins é casado com a Susan Sarandon. O casamento deles deve ser um dos mais longevos do mundo cinematográfico. Ambos são ótimos atores (me simpatizo mais com ela).
    Não gosto muito de filmes com temática de esporte, embore eu adore esportes em geral, mas até que fiquei com vontade de ver esse. O título não me é estranho, só que pelo ano de lançamento eu não devo ter visto, era muita novinha pra ver filmes desse tipo. Só via de “Os Trapalhões” pra baixo, hahaha.
    De toda forma, sei que não vou encontrá-lo na rede, até pq tem outro filme que recebeu título idêntico no Brasil (?!), com uma atriz adolescente que faz sucesso com o pessoal da idade dela. E por falar em filmes sobre esportes, esses dias na TV estava passando um com a Drew Barrymore e até que era legalzinho, mas acabei não vendo o final.

  2. Este é outro filme que pela data talvez eu só encontre em sites online.
    Esse filme que a Jussara fala com o Kevin da garrafa , se não me engano deve ser ” Uma Carta de Amor ” , estão também Paul Newman e Robin Wright Penn e John Savage.
    Não sei se a Jussara dormiu porque não gostou ou foi sono mesmo mas, eu vi e gostei.
    Também não sabia que o Tim e a Susan foram casados. Li agora,que se separaram em 2010.
    A Susan eu adoro , atriz maravilhosa e tbm gosto do Kevin . Assim como a Susan, também adoro Tim Robbins.
    Sempre adorei esportes, joguei muito futebol de campo , salão , de praia ,joguei volei, corria muito e hoje faço muitas caminhadas.
    Mas, também não aprecio muito, filmes em que o tema é o esporte.
    Esse outro filme que a Jussara fala que tem o mesmo nome deste , deve ser aquele com a Lindsay Lohan e Chris Pine , eu não vi.
    O outro com a Drew Barrymore deve ser ” Amor em Jogo ” de 2005 em que o tema tbm é o baseball. Este eu vi e gostei.
    Este filme vou tentar encontrar via online.
    Um abraço !!

  3. Oi, Ivan,
    Eu ri aqui da sua observação; acho que dormi porque esperava mais do filme, só que como ele ficou aquém das minhas expectativas e é meio parado, eu acabei dormindo. Sempre fui meio mole pra ver filmes à noite, até hoje sou assim. Eu estava vendo com a minha mãe, e lembro que ela gostou. Perguntei como tinha terminado, ela me contou, e pra mim foi suficiente. Não senti vontade de rever outras vezes.
    O com a Drew Barrymore que vi despretensiosamente na TV foi o Amor em Jogo mesmo. Deu até vontade de baixar e rever, pra saber como é que termina. Se bem que comédia romântica termina quase sempre da mesma forma.
    Abraços.

  4. Eu havia comentado aqui que talvez fosse baixar “Amor em Jogo” para ver o final, que eu não havia visto na primeira vez, e acabei fazendo isso mesmo. Revi o filme, sobre o qual já não lembrava quase nada, e gostei ainda mais. Apesar do beisebol como tema de fundo, achei que é uma comédia romântica bem gostosinha, bem feita, além de ter a Drew Barrymore, de quem gosto muito (e que estava super graciosa). O ator que faz o par romântico não é nenhum galã nos padrões hollywoodianos, mas tem boa estampa e um tempo muito bom de comédia. A história é mais consistente que as das outras comédias, apesar de eu achar muito estranho marmanjos com obsessão por esporte, seja ele qual for (o que no filme deixava o personagem infantilizado algumas vezes); mas tudo bem, porque o cara era um fofo, despojado e até tinha um fusca. Além do mais, o filme tem uma boa trilha sonora (há uma parte onde “Sweet Caroline” é cantada pelo Neil Diamond, que é uma das minhas cenas preferidas — eu gosto muito de cenas onde os personagens cantam a música junto com o disco). E por falar em música, até quando esses diretores vão ficar colocando canções feitas “especialmente para o filme”, sem disponibilizá-las para o público? Isso é sadismo puro.

  5. Delícia de filme. O primeiro que vi do Kevin Costner. Já vi mais de 10 vezes o filme, sem nunca me cansar dele. Há diálogos que até os sei de cor!

  6. Brilhante filme!

    Adoro a época dourada do Kevin Costner, desde The Untouchables até JFK foi sempre a somar!

    Por acaso o Sérgio terá a crítica de Sem Saída (1987)? No Way Out – título original

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