3.0 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Com seus oito Oscars e mais uma montanha de prêmios, Quem Quer Ser um Milionário? é um filme de fato excelente. Não haveria como negar isso. No entanto, não me entusiasmou.
Questão de gosto, questão absolutamente pessoal. Achei o filme pirotécnico demais. Exagerado demais, em tudo por tudo. É como se o diretor Danny Boyle estivesse berrando no ouvido do espectador o tempo todo, todinho: “Vejam como eu sou genial!” E solta fogos de artifícios, uns após os outros, sem parar um instante, como numa festa americana do 4 de Julho. Idas e vindas no tempo, tomadas rápidas com num videoclip da MTV, montagem frenética, gigantescas tomadas do alto, uma delirante sucessão de efeitos, câmara torta a cada dois minutos. E uma história rebuscada, implausível, inverossímel. Tudo muito over do over, de deixar o Cazuza parecendo um sujeito suave, tímido, quietinho.
Com 15 minutos dos 120 que dura o filme, o espectador está cansado de tanto foguetório. Eu, pelo menos, estava – e Mary também.
Nossa amiga Andrea, que viu o filme conosco, comentou que não conseguia entender como várias pessoas haviam dito para ela que o filme era “divertido” – pois o filme não tem nada de divertido, embora exatamente esse adjetivo esteja na capa do DVD, numa frase pinçada do New York Post: “4 estrelas é pouco. O filme mais divertido que eu já chamei de obra-prima”.
Cacilda: divertido? Um filme que mostra a profunda miséria das favelas de Mumbai, garoto caindo num poço de merda, adolescente sendo torturado com choque elétrico numa delegacia de polícia, exploradores de crianças miseráveis cegando-as, prostituição, gângsters, assassinatos, moça desfigurada com faca, corrupção, conflitos raciais, espancamentos, brutalidade de toda espécie – divertido?
Acho que há gente perdendo a noção do que as palavras significam.
A história se passa em três épocas diferentes. Temos os dias de hoje, quando o protagonista, Jamal Malik, um garoto pobre de 18 anos, está respondendo às perguntas do programa de TV Quem Quer Ser um Milionário? – e, paralelamente, está sendo interrogado, à base de tortura, numa delegacia. Temos a época em que Jamal tinha uns seis, sete anos, e vivia em uma favela de Bombaim (ainda não haviam mudado o nome da cidade para Mumbai) com o irmão Salim e a amiga Latika. E temos um período entre um e outro, quando Jamal estava com uns 12 anos. Todas essas três épocas diferentes vão ser mostradas ao mesmo tempo, freneticamente.
Basicamente, o que o roteirista Simon Beaufoy e o diretor Danny Boyle usam é uma estrutura óbvia: vemos o Jamal dos 18 anos no auditório do programa de TV, diante do showman que apresenta o Quem Quer Ser um Milionário?; a cada pergunta que é feita para que ele responda, há um flashback – seja para quando ele tinha uns seis, seja para quando ele tinha 12 anos – para um episódio da vida de Jamal em que, por um motivo ou outro, aparece a resposta para aquela pergunta que está sendo feita no programa.
E temos que admitir que várias das perguntas são autênticas babas, obviedades das mais óbvias.
É tudo extremamente bem feito, com a maior competência técnica, artesanal. Três atores interpretam Jamal nas diferentes idades mostradas no filme, três fazem seu irmão Salim e três fazem a garota Latika – e todos estão ótimos. O trabalho de escolha dos garotos indianos que atuam no filme foi excelente, e eles estão muitíssimo bem dirigidos.
A seqüência final, dos créditos, é lindíssima – uma bela homenagem aos filmes musicais de Bollywood, um apelido que vem dos tempos em que Mumbai ainda se chamava Bombaim. A megalópole indiana, nos últimos anos em acelerado processo de transformação, que aliás o filme mostra muito bem, é a capital do cinema da Índia. Embora chegue muito pouco ao Brasil, o cinema indiano é o que mais filmes produz no mundo. Em 2006, a Índia fez 930 filmes, contra 800 dos Estados Unidos.
O filme teve dez indicações ao Oscar 2009 (filmes produzidos e apresentados em 2008), e venceu em oito categorias: filme, direção, roteiro adaptado, fotografia, montagem, trilha sonora, canção, som. Tudo isso é excelente, sem dúvida alguma – mas me parece um latifúndio, uma concentração de riqueza meio exagerada, num ano de filmes como Frost/Nixon, O Leitor, Milk – A Voz da Igualdade, O Curioso Caso de Benjamin Button, O Visitante, Dúvida, O Lutador, Rio Congelado, Vicky Cristina Barcelona, A Troca, Gran Torino, Foi Apenas um Sonho, O Casamento de Rachel.
Mas não foi só no Oscar que o filme estourou. Levou sete Baftas, o Oscar do cinema britânico, e quatro Globos de Ouro. No total, fora os Oscars, foram 90 prêmios e 39 outras indicações. É, muito provavelmente, um dos filmes mais premiados de todos os tempos.
É muitíssimo bem feito, é excelente. Só não é divertido. E, para o meu gosto, tem fogos de artifício demais, “vejam como eu sou genial!” demais. Isso acaba deixando uma sensação ruim no espectador: aquilo que estamos vendo ali não tem qualquer ligação com a realidade, a vida – é tudo falso.
Quem Quer Ser um Milionário?/Slumdog Millionaire
De Danny Boyle e Loveleen Tandan, Inglaterra, 2008
Com Dev Patel, Freida Pinto, Anil Kapoor, Madhur Mittal
Roteiro Simon Beaufoy
Baseado em novela de Vikas Swarup
Fotografia Anthony Dod Mantle
Música A.R.Rahman
Produção Celador Films, Film 4, Pathé. Estreou em SP 6/3/2009
Cor, 120 min
16/8/2009, com Marynha e Andrea
***
Título em Portugal: Quem Quer Ser Bilionário?
esse filme eu achei bem fraquinho… pelo seu texto, acredito que você também não gostou, só que ficou com receio de dar estrelas de menos.
Gostei bastante desse comentário. De forma geral concordo com a opinião transmitida. Eu acho que a premiação da Academia teve muito mais a ver com uma jogada política do que com a qualidade em si. Eu não daria o prêmio a esse filme.
De fato, eu não gostei do filme – e deixei isso bem claro. Mas reconheço que ele tem muitas qualidades, e por isso dei a nota 3. Pode parecer um tanto estranho, mas não é, a rigor. É um filme de muitas qualidades do qual não gostei – três estrelas, acho, é uma cotação que se justifica. Mas diversos outros filmes do ano são muito melhores, e dei quatro estrelas para vários deles, que estão com link.
No começo do filme eu fiquei empolgada, ele me prendeu… uma prima tinha feito a maior propaganda , então eu estava cheia de expectativa ( se bem que ela tem menos de 25 anos, e certamente morreria de tédio assistindo ao Homem do Terno Cinza, então não era pra eu ter levado muito em conta, rs). Até um certo ponto acho que o roteiro foi bem, mas depois caiu numa história sem pé nem cabeça, com uma atuação bem ruim da Freida Pinto (que é super bonita e ficou muito falada, mas é muito fraquinha atuando) e cheio de maniqueísmo, uma coisa até meio que de contos infantis. No final degringolou tudo de vez e fiquei sem saber pq tanta falação em cima do filme. A última cena achei fraquíssima e decepcionante. E não gostei da sequência final, mas como eu não gosto de musicais, acho que minha opinião não conta muito, rs.
Interessante: três comentários de pessoas que não se deslumbraram com “Quem Quer Ser um Milionário”, um dos filmes mais premiados dos últimos tempos, ou de toda a história. Fico contente com isso, bem contente.
Jussara, você não pára de me encantar.
Também não gostei e realmente de divertido não vi nada.
Enfim, os Oscars e todos os outros prémios de cinema vão sempre cair em alguém.
Às vezes acertam, mas só às vezes.