3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: Para mim, O Último Pôr do Sol é um dos melhores faroestes da história. Mas é uma opinião muito pessoal, particular e intransferível como dor de dente; aparentemente, não tenho muita companhia.
Não está na lista dos dez melhores westerns do American Film Institute. Não está sequer entre os 51 melhores do livro 501 Must-See Movies, nem no 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer.
Pode não ser um grande filme – quem sabe? –, e o fato de eu gostar demais dele pode se explicar talvez por eu ter visto quando garoto, e ter ficado impressionado demais com ele.
Teoricamente, pode ser isso, sim. Mas, vendo de outra forma, por que então ao revê-lo agora ele continuou me impressionando, me parecendo uma beleza de filme? Tenho revisto muito filme que me impressionou quando eu era bem jovem e chegado à conclusão de que era uma porcaria.
Acho que, na verdade, O Último Pôr do Sol não teve o reconhecimento que merece porque ele é um western, mas ao mesmo tempo é um grande melodrama de amor, com um toque de tragédia grega. Acabou então não agradando tanto nem aos fãs do western, nem aos fãs do melodrama, nem aos fãs da tragédia grega.
De qualquer forma, é estranho – penso eu agora, sob o impacto de revê-lo após algumas décadas –, porque é um grande faroeste, um grande melodrama (Douglas Sirk, o rei do melodrama, teria assinado o filme, tenho certeza), uma grande tragédia grega.
Bem, minha tese, hoje, é esta: a mistura de gêneros não deu certo. Pelo menos naquela época.
Outro dia revi O Passado Não Perdoa/The Unforgiven, feito na mesma época – este aqui é de 1961, o filme de John Huston com Burt Lancaster e Audrey Hepburn é de 1960. Ele também não está na lista dos melhores; o próprio John Huston fala mal dele. É outro que misturou gêneros; é mezzo faroeste, mezzo crítica social, estudo sobre o racismo. Não colou.
Um filme de planos gerais e poucos close-ups
O Último Pôr do Sol é um grande filme desde os créditos iniciais. Ao som de uma bela trilha sonora típica de western – assinada por Ernest Gold, e que inclui também uma canção tema de Dimitri Tiomkin, dois grandes compositores –, temos diversos planos gerais, aquele tipo de tomada em que a câmara enquadra vastas paisagens, o que na pintura seria o afresco. Vemos um cavaleiro, pequenininho lá dentro daquela vasta paisagem, cavalgando a toda velocidade possível, enquanto estão sendo mostrados os créditos – um bando de nomes respeitáveis, admiráveis. Depois de algum tempo, vemos, na mesma ordem, as mesmas paisagens que já havíamos visto antes, com outro cavaleiro passando na mesma direção.
O primeiro cavaleiro passa por um vilarejo onde um grupo de gente se reúne em torno de uma briga de galo, e pela primeira vez temos planos que não são gerais, em que a câmara se aproxima mais das pessoas. Num plano americano, aquele em que vemos meio corpo das pessoas, da cintura para cima, identificamos Kirk Douglas. Logo depois veremos que o segundo cavaleiro passa pelo mesmo vilarejo – estamos no México. Outro plano americano mostra que o segundo cavaleiro é Rock Hudson. Terminam os créditos iniciais.
Rock Hudson faz uma parada no vilarejo da briga de galo. Pergunta a um ferreiro se viu passar um por ali um homem chamado O’Malley – e dá a descrição do sujeito que vimos algumas tomadas atrás, na pele de Kirk Douglas, que agora sabemos chama-se O’Malley: calça preta, camisa preta, lenço colorido no pescoço, uma pistola pequena, Derringer, um buraco no queixo – e aponta para o lugar onde Kirk Douglas, ou seja, O’Malley, tem a covinha no queixo. Oferece dinheiro para quem der uma informação. Os mexicanos em volta do ferreiro bem que gostariam do dinheirinho, mas não têm informação a dar.
Um rancho com uma bela mulher e sua jovem filha
E aí vemos O’Malley chegar a um rancho perdido no meio do nada mexicano.
Toda a seqüência é esplendida.
Vemos tomadas da casa principal do rancho. A casa não é rica, não é bonita, não é limpinha – mais um sinal de que estamos vendo uma produção A, caprichada, bem feita, bem cuidada. Quando mais B, C ou Z o western, mais bonitinhas são as casas, mais bem pintadas são as paredes. As paredes da casa são do tipo pau-a-pique, sem pintura.
Diante da casa estão uma mulher de uns 30 e alguns anos, bonita, figura muito vistosa, saia comprida, lenço ao redor do pescoço, cabelos louros, cheios (a atriz é Dorothy Malone; não por coincidência, ela trabalhou em melodramas de Douglas Sirk; aliás, Rock Hudson também); uma garotinha loura bem jovem, de uns 16 anos, com um rosto bonitinho, redondinho, e límpidos olhos azuis (Carol Lynley); um velho com jeitão de empregado de confiança da família, e uns três mexicanos, empregados, tipo para fazer figuração na cena (o filme é ótimo, mas não é perfeito; tem uma porção de clichês, como quase tudo na vida); eles estavam até tocando ao violão uma lânguida cançãozinha mexicana quando ouviram o assobio do forasteiro que chegava, e aí pararam de cantar e tocar.
Ao ouvir a canção assobiada ao longe – Pretty Little Girl in a Yellow Dress –, a dona da casa dá uma suave demonstração de um sobressalto; é bem suave; ninguém em torno dela percebe; o espectador talvez esperasse um sobressalto maior, porque o espectador não é bobo, e sabe, ou no mínimo imagina, que ali tem coisa. E aí chega o forasteiro todo vestido de preto, revolverzinho pequeno prateado diretamente na cintura, entre a calça e a camisa colocada para dentro da calça, sem aquele cinturãozão tradicional dos bangue-bangues.
A câmara de Robert Aldrich faz pequenos, suaves travellings nesta seqüência. Tudo em plano de conjunto – o segundo tipo de tomada na ordem decrescente do plano geral, o mais amplo campo, até os close-ups -, ou no máximo em plano americano. Não há close-up algum. Vemos o forasteiro que chega em seu cavalo, e adiante dele a dona do rancho, a mulher bonita, vistosa; um pouco atrás dela está sua filha, a garotinha bonita de rosto redondo, Melissa; atrás da garotinha estão os empregados.
– “Boa noite”, diz o forasteiro, embora o céu ainda esteja claro.
– “Boa noite”, responde a proprietária.
– “Meu nome é O’Malley.”
– “Como vai, Sr. O’Malley?” (a polidez é tanta que parece que estamos num filme sobre a vida no campo inglês daquela época, os anos 1860). “Sou a Sra. John Breckenbridge. Meu marido está em Calvillo, a trabalho.”
– “Que pena. Esperava pedir a ele hospedagem por uma noite.”
– “O Sr. Breckenbridge sempre recebe bem os forasteiros.”
– “Sou grato ao Sr. Breckenbridge”, diz o forasteiro, já apeando do cavalo.
Daí a uns cinco minutos de ação, o espectador vai confirmar o que já suspeitava: sim, claro, Bren O’Malley e Belle, agora Sra. John Breckenbridge, já se conheciam, e muito bem. Conheceram-se num baile em que ela, muito jovem, na idade em que agora está sua filha, usava o vestido amarelo de que fala a canção que O’Malley assobia.
No dia seguinte, o Sr. Breckenbridge chega de Calvillo, onde tinha ido a) beber e b) procurar gente disposta a trabalhar para ele, levando suas mais de mil cabeças de gado daquele lugar perdido no meio do nada mexicano até Crazy Horse, no Texas, onde pretende vender tudo aquilo e refazer a vida nos Estados Unidos. Depois que sua mulher o apresenta ao forasteiro, os dois conversam, e Breckenbridge pergunta a O’Malley se ele não quer também trabalhar no transporte do rebanho até o Texas.
Breckenbridge é interpretado por Joseph Cotten, esse veterano ator que havia trabalhado, só para citar dois nomes, com Orson Welles (em Cidadão Kane, Soberba) e Alfred Hitchcock (Sob o Signo de Capricórnio, A Sombra de uma Dúvida). Joseph Cotten dá um show como o orgulhoso ex-rico sulista de Virgínia que lutou com o Exército Confederado contra os ianques na recém terminada Guerra da Secessão, perdeu a guerra, as terras, boa parte da dignidade e quase toda a sobriedade ao se exilar no México. É absolutamente impressionante a expressão de bêbado que ele faz. Joseph Cotten conseguiu fazer os olhos de bêbado como não me lembro ter visto ator algum fazer – nem Ray Milland em Farrapo Humano/The Lost Weekend, de Billy Wilder, um dos filmes mais impressionantes já feitos sobre o alcoolismo.
Uma longa e perigosa viagem tocando o rebanho
Para resumir, ou ao menos tentar resumir, uma história longa, já que me entusiasmei e estou me estendendo demais (tudo o que relatei até aqui acontece nos primeiros 15 minutos do filme), é o seguinte: O’Malley aceita trabalhar para Breckenbridge, e já adianta para ele que está para chegar ali um homem que sabe muito bem lidar com gado, e que pode ser seu principal auxiliar na tarefa de conduzir o rebanho até o Texas. Seu perseguidor implacável, que já havíamos visto antes, Dana Stribling – o personagem interpretado, e bem interpretado, por Rock Hudson – vai de fato chegar no dia seguinte. Stribling e O’Malley entrarão em acordo: vão juntos levar a família Breckenbridge e o gado deles até o Texas – uma vez no Texas, resolverão a questão que existe entre eles, e que fez Stribling atravessar meio mundo atrás de O’Malley.
No caminho entre o rancho mexicano dos Breckenbridge e o outro lado do Rio Grande, vai haver de tudo – encontro com outros ex-soldados confederados, tiroteios, tempestade de areia, queda em areia movediça, bandidos que se oferecem para trabalhar com eles mas na verdade têm as piores intenções possíveis (um deles dirá que mulheres como aquelas, a mãe e a filha, valem US$ 1.500 em Vera Cruz, mais do que todo o rebanho), enfrentamento com índios, e um duelo marcado ao pôr do sol. Tudo, absolutamente tudo de que precisa um western.
E mais um melodramão, e uma tragédia grega.
E ainda, de quebra, de sobra, para tornar a mistura de gêneros ainda mais doida, teremos também a execução de Cucurucucu Paloma por um trio de mexicanos, os empregados dos Breckenbridges, com solo vocal de Kirk Douglas. Temos então que Cucurucucu Paloma conseguiu chegar ao cinema na interpretação de Kirk Douglas e de Caetano Veloso, este aqui um cantor um tanto mais competente que aquele, conforme podemos verificar ao ver Fale Com Ela, de Pedro Almodóvar.
Um brilhante diálogo de melodrama
Lá pela metade do filme, há um diálogo maravilhoso – é a face melodrama que está aflorando no momento, uma pausa entre momentos western – entre Belle e Bren O’Malley, os personagens de Dorothy Malone e Kirk Douglas. Conversam à noite, numa das paradas para descanso na caminhada entre o meio do nada mexicano e o outro lado da fronteira-abismo de culturas; pela primeira vez, Belle dá um sorriso, depois que O’Malley faz uma frase-para-encantar-mulher.
É das pouquíssimas seqüências em que há close-ups – embora não sejam propriamente close-ups, sejam quase planos americanos. Dorothy Malone está sensacional, e linda.
Douglas Sirk seguramente gostaria de botar este diálogo num dos dramalhões dele.
O’Malley: – “Vamos navegar na calmaria daqui pra frente.”
Belle: – “Na verdade, você não quer calmaria, Bren. Você carrega sua tempestade para todos os lugares onde vai.
O’Malley: – “Só quando viajo sozinho.” E, depois de algum tempo: “Belle, olhe para mim. Estou tentando dizer o quanto te amo.”
Belle: – “Não, Bren. Você amava uma garota de 16 anos. Em outro país. Em outro mundo, quase. E você pensa que eu sou aquela garota.”
O’Malley: – “Você é.”
Belle – “Não sou. A garota de quem você lembra morreu há muito tempo.”
Há momentos na vida em que os homens falam asneira demais, exacerbam na asneirice. É uma característica dos homens a falta de tato, de sensibilidade, de timing, de não perceber o que as mulheres querem, o que as mulheres gostariam de ouvir, a forma como elas vêem o mundo, tão diferente da forma com que nós vemos o mundo. É exatamente o caso do pobre Bren O’Malley no meio deste diálogo aqui, diante de uma Belle de 32 anos (Dorothy Malone estava com 46), a vida se demonstrando em seu belo rosto.
O’Malley: – “Mas na hora que olho para você ela volta à vida. Não vê isso, Belle? Você não sabe o que eu fiz por você? Algo que só se faz por amor. Eu impedi que o tempo tocasse em você. Aprisionei-a no meu coração, na primeira vez que a vi, e não a deixei mudar. Daqui a cem anos eu olharia para você e veria uma garotinha linda de vestido amarelo.”
O imbecil consegue colocar em palavras tudo o que não era para pensar, sentir, dizer; ao falar o que acha que é um elogio, um cumprimento, acaba de queimar todas as pontes, jogar fora toda e qualquer possibilidade de futuro. A resposta de Belle é a pá de cal:
– “Você disse tudo. Não vê, Bren? Não quero ser amada como se fosse uma garotinha assustada, trêmula e inocente. Quero ser amada pelo que eu sou. Sou uma mulher. Com o coração, a mente e a carne de uma mulher. Não sou jovem e não sou inocente. Há muito mais em mim para amar do que só isso. Mas você não vê. Porque não quer.”
Dalton Trumbo e Robert Aldrich, grandes figuras
O autor do texto é Dalton Trumbo (1905-1976), um grande roteirista. Começou a trabalhar em 1936; foi uma das vítimas da caça às bruxas do macarthismo, acusado de ter ligações com o Partido Comunista, e proibido de trabalhar; assim, a partir de 1950 seus roteiros passaram a ser assinados por outras pessoas. Em 1956, o filme Arenas Sangrentas/The Brave One ganhou o Oscar de melhor roteiro; o trabalho era assinado por Robert Rich, um front, um testa de ferro, e seu autor era Dalton Trumbo. Mesmo assim, ele ainda ficaria mais alguns anos sem poder assinar seus trabalhos; o primeiro roteiro com seu nome depois de ter sido banido pelo macarthismo foi o de Spartacus, o belíssimo épico de Stanley Kubrick de 1960, de que o astro Kirk Douglas foi também o produtor executivo.
São dele também os roteiros de Êxodus, Adeus às Ilusões, O Homem de Kiev e Papillon. Em 1971, fez seu único filme como diretor, Johnny Vai à Guerra/Johnny Got His Gun, baseado num livro de sua própria autoria, que havia sido publicado em 1939, o ano do início da Segunda Guerra; é um dos maiores panfletos anti-guerra do cinema, chocante, apavorante.
O diretor Robert Aldrich (1918-1983) fez de tudo: filmes de guerra (Os Doze Condenados/The Dirty Dozen, Morte Sem Glória/Attack!, A Dez Segundos do Inferno/Ten Seconds to Hell), filmes noirs (A Morte num Beijo/Kiss me Deadly, A Grande Chantagem/The Big Knife), thrillers beirando o terror (O que Aconteceu com Baby Jane?/Whatever Happenned to Baby Jane?, Com a Maldade na Alma/Hush, Hush, Sweet Charlotte), e westerns (Vera Cruz). A crítica francesa o endeusava; Jean Tulard faz rasgados elogios a ele no seu Dicionário de Cinema – Os Diretores; diz que ele rompeu com as tradições de vários dos gêneros mais caros ao cinema de Hollywood.
Para evitar o spoiler
Não falei nada da parte tragédia grega; não dá para falar; seria um spoiler, estragar/entregar para quem não viu o filme.
O Último Pôr do Sol/The Last Sunset
De Robert Aldrich, EUA, 1961.
Com Rock Hudson, Kirk Douglas, Dorothy Malone, Joseph Cotten, Carol Lynley, Neville Brand, Regis Toomey
Roteiro Dalton Trumbo
Basedo na novela Sundown at Crazy Horse, de Howard Rigsby
Fotografia Ernest Laszlo
Música Ernest Gold, canção Pretty Little Girl in a Yellow Dress por Dimitri Tiomkim-Ned Washington
Produção Universal, Brynaprod
Cor, 112 min
R, ***1/2
Concordo com você grande western, sou grande fã de Western inclusive faço coleção, tenho mais de 180 titulos. Concordo tambem que Vera Cruz poderia ser melhor vale pelos atores.
Assisti hoje com minha mãe. Dica dela. Tragédia grega mesmo. Legal. Divertido. Gostei de sua crítica.
Finalmente alguém dá a esse filme a importância que ele merece. “O Ultimo Por-do-Sol” é subestimado, mesmo sendo um dos melhores filmes de todos os tempos. A “mágica” funcionou, tudo deu certo.
Também vi quando moleque e é um dos poucos que resistiu à passagem do tempo. “Vera Cruz” é bom, mas não se compara a essa obra-prima.
O melhor filme que eu já vi, é extraordinário, um grande elenco, um enredo de arrepiar.
Nunca esqueci esse filme. Também quando era bem jovem. Impressionou-me tanto que nunca esqueci
os os atores, o cenário e a música Cucuru cucu Paloma. Esta música na voz de Caetano Veloso está belíssima. A tragédia eu já sei. Obrigada por reavivar em minha memória este extraordinário filme.
Um filme que assisti com meu pai e meu tio-avô. Sempre quis assisti-lo novamente. Nunca esqueci do nome do filme e do momento que o assisti. Estou a procura de assisti-lo mais uma vez.
Caro Alexandre,
Sinto muito não poder ajudar. Verifiquei aqui nas anotações? quando revi o filme para escrever esta anotação, em 2009, foi em um DVD, naquele tempo em que havia locadoras de vídeo. Não sei se o DVD ainda está em catálogo, se você pode encontrá-lo nas grandes livrarias brasileiras. Na Amazon certamente você encontraria, mas na versão original, sem legendas em Português…
Talvez se você fizer uma boa busca na internet…
Um abraço.
Sérgio