3.5 out of 5.0 stars
Anotação em 2009: O Agente da Estação é um belíssimo, maravilhoso, sensacional pequeno filme. Estou bastante atrasado ao dizer isso, mas fazer o quê? Só agora vi o filme, seis anos depois que ele foi feito.
Foi o filme de estréia do autor, roteirista e diretor Tom McCarthy. Fui atrás dele depois de ter visto O Visitante, o segundo filme do cineasta, de 2007; num comentário enviado ao site embaixo da minha anotação sobre O Visitante, Guille Outsuka Moreno alertou que eu deveria ver o primeiro filme de Tom McCarthy: “tem o mesmo pique”. Segui o conselho dele, até porque Guille sabe do que fala, é do ramo; vi um curta-metragem dele que mostra muito talento.
O Agente da Estação é um filme em tom menor – não uma sinfonia, mas uma quarteto de cordas. Não um afresco, mas uma pequena gravura sobre uns poucos personagens. Não um Guerra e Paz, mas um O Leitor.
É um filme sobre solidão e a possibilidade de amizade, sobre incomunicabilidade e a possibilidade de se chegar perto, sobre preconceito e tolerância. Assim uma espécie de Antonioni sem ser chato, de Bergman sem ser tão profundo ou sisudo, de Spike Lee sem ser tão radical, pentelho, metido – e racista.
Tem coisas assim dos primeiros e melhores Jim Jarmusch no cinema, ou de Philip Glass na música – aquele encanto da coisa minimalista, o menos é o máximo.
Uma couraça, uma armadura
O cinema já falou trocentas vezes de todos os tipos de pessoas diferentes do dito “normal” – surdos, cegos, mudos, paraplégicos, tetraplégicos, subdotados, superdotados, etc, etc, etc. Não são muitos os filmes sobre anões.
O protagonista de O Agente da Estação é um anão – Finbar McBride, ou simplesmente Fin (Peter Dinklage) já está tão cansado de atrair a atenção das pessoas nas ruas, nas lojas, em qualquer lugar onde vá, tão calejado com as brincadeirinhas, as gozações, a surpresa, os risinhos, os sustos, que é quase como se não ligasse mais para tudo isso. Como se tivesse criado uma couraça em torno de si, uma armadura.
Tem uma grande paixão e um amigo na vida. A paixão é por trens de ferro; Fin é fanático por tudo o que diz respeito a ferrrovias e trens. O amigo é Henry (Paul Benjamin), um senhor de idade, negro, dono de uma loja que vende e conserta trenzinhos elétricos; Fin é seu único empregado, competente artesão no conserto dos brinquedinhos.
Com menos de dez minutos de filme, Henry morre; no testamento, deixa para Fin um terreno em Newfoundland, um pequeníssimo vilarejo em New Jersey, junto de uma estrada de ferro, onde a única coisa que há são alguns vagões imprestáveis abandonados pela ferrovia que passa por ali, e o pequeno prédio da antiga estação, que agora não é mais usada – nenhum trem pára mais em Newfoundland, New Jersey.
A loja de Henry será fechada, o prédio, vendido; sem ter outro lugar para ir, Fin vai até seu recém-herdado terreno; vai morar na antiga estação.
Junto do prédio da estação, costuma fazer ponto, com seu utilitário que se transforma numa lanchonete, um rapaz chamado Joe (Bobby Cannavale), filho de imigrantes cubanos, sujeito extremamente comunicativo, sempre a fim de uma prosa, um papo furado. Exatamente o oposto de Fin, que, prisioneiro de sua couraça, da armadura que criou para se proteger do mundo, é homem de pouquíssima conversa, raríssimas palavras.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, e com o tempo Joe vai virar, ainda que a fórceps, amigo do solitário Fin.
E vai entrar na vida de Fin uma outra pessoa, Olivia (a excelente Patricia Clarkson, que esteve recentemente em Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen). Olivia, como Fin, é pessoa de poucos amigos, vive trancada em si mesma desde que, dois anos antes, perdeu o filhinho pequeno e o casamento foi para o espaço. Diferentemente de Fin e de Joe, é uma mulher de posses; mora numa belíssima casa debruçada sobre um lago perto da cidadezinha, que era a casa de campo do casal e pela qual ela abandonou sua vida na cidade grande após a morte do filho.
A reunião dessas três pessoas tão absolutamente diferentes em tudo umas das outras é a coisa mais implausível que poderia haver – e a história que o autor, roteirista e diretor Tom McCarthy cria para uni-las é fascinante, bonita, bem resolvida, inteligente – e emocionante.
Compõem ainda essa história, como personagens secundários, uma garotinha negra, gordinha, simpática, boa gente, Cleo (Raven Goodwin), que também insiste em se aproximar do porco-espinho Fin, e a mocinha da biblioteca da pequenina Newfoundland, Emily, ela também solitária, levemente desajustada.
Emily é interpretada por Michelle Williams, que estava então com 23 anos; já tinha no currículo uma dúzia de episódios de séries de TV, e estava começando a ter papéis mais importantes no cinema. No mesmo ano, 2003, fez O Mundo de Leland/The United States of Leland; depois faria Heróis Imaginários – como os citados anteriormente, outro interessante filme independente; teria uma bela oportunidade como a protagonista de Medo e Obsessão/Land of Plenty, ótimo filme de Wim Wenders sobre os Estados Unidos pós 11 de setembro, e trabalharia também em O Segredo de Brokeback Mountain, entre outros. É uma atriz que merece muitas oportunidades.
Todo o elenco está magnífico; já em sua estréia, Tom McCarthy se demonstrava um talentoso diretor de atores. Patricia Clarkson dá um show; Bobby Cannavale está ótimo, e Peter Dinklage, que faz Fin, o anão, também está espetacular. É um ótimo ator.
Fiquei curioso para compreender se há alguma diferença entre as duas palavras da língua inglesa para designar anão, dwarf e midget. O próprio Fin usa a primeira forma; os demais usam a segunda. Meu dicionário da Longman falhou – não explica se há diferença, se um termo é mais pejorativo do que o outro. Paciência.
Um diretor jovem talentoso, maduro
O filme ganhou o Bafta, o principal prêmio inglês, de melhor roteiro original; colecionou outros 22 prêmios e teve mais 21 indicações.
É fascinante como Tom McCarthy, tão jovem (nasceu em 1966, em Nova Jersey), demonstra tanta maturidade já neste seu primeiro filme. Como diretor, é excelente, com pleno domínio da linguagem; não recorre a truquezinhos, não solta fogos de artifício; sua narrativa é clara, tranqüila, linear – e talentosa. Sabe onde cortar as cenas, sabe o que não é preciso mostrar, sabe usar as elipses. Mas ele me impressiona mais ainda como autor das histórias que conta – posso dizer isso agora, depois de ver dois filmes dele. São belas histórias, simples, cheias de humanismo, que demonstram um grande amor pelas pessoas – em especial as estranhas, as deslocadas, as que fogem do padrão, as especialmente solitárias, magoadas, machucadas pela vida. Seu tema é o mesmo, nos dois filmes: o que importa, o que vale a pena, o que justifica tudo é a amizade. Mesmo as mais improváveis, como a do professor universitário sem ganas de viver e o imigrante sírio de O Visitante, e a destas três criaturas díspares de O Agente da Estação.
Que venham mais filmes de Tom McCarthy.
O Agente da Estação/The Station Agent
De Tom McCarthy, EUA, 2003.
Com Peter Dinklage, Patricia Clarkson, Bobby Cannavale, Michelle Williams, Raven Goodwin, Paul Benjamin
Argumento e roteiro Tom McCarthy
Música Stephen Trask
Produção SenArt Films, Next Wednesday Productions
Cor, 89 min
***1/2
que venham mais filmes de Tom McCarthy!
Uma pequeno dado para abrir o leque de informações: Werner Herzog dirigiu em 1970 um filme chamado Também os anões começaram pequenos (Auch Zwerge haben klein angefangen), que circulou em VHS no Brasil. Todos os atores eram anões. Pouco me lembro, se não de que é um filme pesado, angustiante.
Já assisti ao filme “O Visitante” desse diretor, e gostei muito, um dos melhores que estreou nesse ano de 2009 nos cinemas brasileiros. Agora, fiquei sabendo desse primeiro filme dele, o supra-mencionado “O agente da estação”, e fiquei muito interessado em assisti-lo, será que consigo encontrá-lo para alugar disponível em DVD?
Agradeço a quem puder me responder.
Caro Nelson, o filme foi, sim, lançado em DVD no Brasil, mas creio que já há algum tempo. Não sei se será muito fácil você encontrá-lo na sua locadora. A 2001 Vídeo, de São Paulo, tem com certeza: peguei lá o DVD.
Um abraço, e boa sorte.
Acabei de ver agora este filme e achei excelente.
Os americanos até conseguem fazer bons filmes de vez em quando, não é só aquela série interminável de filmes para adolescentes, com super-heróis, explosões, tipos pelo ar, e agora, para enfeitar o bolo, o 3D.
Espero que a moda passe, como passou a anterior dos anos 50.
Tenho que procurar o outro filme deste realizador.
Nos primeiros 10 minutos, Tom McCarthy, nos mostra a maneira nua e crua de como um anão é visto e sofre em situações normais do dia-a-dia. Ir a qualquer lugar e, pura e simplesmente andar na rua.
O Joe e a Olivia foram as pessoas certas que
o Fin poderia ter encontrado.
Por que não fazem mais filmes assim? Simples mas também muito lindo. Imagens belíssimas.
“A solidão humana acaba na superação de preconceitos e com o fim da intolerância.”
“Por que chaman servidão de passagem ?”
“Quando as estradas de ferro foram construidas o governo desapropriou muitas terras para servirem de passagem para a ferrovia. ”
É sempre muito bom ver Michele Williams e Patricia Clarkson. Melhor ainda é ver as duas juntas.
É na Emily e na menina Cleo que o Fin vê que não é a única pessoa excluída .
Lindo, muito lindo este filme.
E, ” O Visitante ” , de fato é um filmaço !!
Um abraço !!
Seu blog é uma das melhores coisas da Internet, e há um tempão acompanho e leio tudo o que você publica. To louca pra ver esse filme!
Abraços.
Ei, Sérgio. Tudo bem?
Conheci o seu site há alguns anos, quando era estudante de jornalismo e recebi a tarefa de um professor: criar um blog sobre um assunto que era do meu interesse. Não sei exatamente a data, mas acredito que foi em 2012 ou 2013. Eu queria escrever sobre cinema, mas precisava encontrar algumas referências de conteúdos que me inspirassem. Lembro que apresentei o seu site e disse que ele tinha o escopo perfeito, entrei em contato com você por e-mail na época e você foi super atencioso.
Bom, criei o blog, que ainda está no ar, fiz diversos textos e me saí muito bem na matéria. Hoje, o blog me dá boas recordações da época da faculdade e às vezes me arrisco a escrever algumas coisinhas.
Uma coisa não mudou desde aquele tempo: me tornei sua leitora assídua. Constantemente visito o seu site em busca de dicas sobre filmes ou para saber suas percepções sobre determinada produção. O seu site tem um diferencial: os textos não são superficiais, demonstram que você tem conhecimento sobre o assunto e o mais importante: que gosta do que faz.
Acho que a vida tem dessas coisas: pequenos impulsos que aparecem no nosso dia-a-dia. E o retorno que você me deu, na época em que eu era estudante, foi exatamente isso. Hoje sou pós-graduada em Mídia, Informação e Cultura pela USP e atuo em uma grande empresa de Inbound Marketing, a minha especialidade? Produção de Conteúdo para Blogs.
Desejo muito sucesso e vida longa ao 50 anos de filmes!
Abraços.