Contatos Imediatos do Terceiro Grau / Close Encounters of the Third Kind


3.5 out of 5.0 stars

Anotação em 2009: Uma das coisas que mais impressionam, quando se revê Contatos Imediatos agora, mais de 30 anos depois – o filme é de 1977 – é a modernidade, a atualidade do visual. O tempo costuma ser muito traiçoeiro com filmes de ficção científica, e o que era a previsão de futuro muitas vezes vira simplesmente ridículo com o passar do tempo.

E os últimos 30 anos são muita coisa, com todo o desenvolvimento tecnológico. Em 1977 ainda não existia o que hoje é mais comum que um close-up de um personagem, as CGI, imagens geradas por computador. No entanto, o visual de Contatos Imediatos continua moderno, atual. Nada prescreveu.

A proeza se deve, sem dúvida, a Steven Spielberg, que sempre foi extraordinário na supervisão final dos efeitos especiais. Mas o mago mesmo, aqui, é o lendário Doug Trumbull, o sujeito que havia sido responsável pelos efeitos especiais de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, que Stanley Kubrick fez em 1968. O sujeito era genial, e teve muito dinheiro e muito espaço para trabalhar, e criou diversos equipamentos durante as filmagens, conforme iam surgindo as necessidades.

aclose4Outro ponto impressionante do filme é, sem dúvida, o roteiro, um brilho, que vai misturando histórias e situações em ações paralelas, em diversos locais do mundo, desde amplas, gigantescas tomadas de grandes multidões ao ar livre com o interior de casas e/ou carros, tudo num ritmo rápido, que mal deixa o espectador respirar. Começamos no deserto do Sonora, no México, no meio de uma tempestade de neve, onde do nada, do absolutamente nada, surgiram vários aviões militares americanos dados como desaparecidos desde 1945 – e eles estão funcionando perfeitamente, como se o tempo tivesse parado para eles. E em seguida, num vendaval de novas informações, teremos que:

– no meio de um deserto da Mongólia, surge um imenso navio;

– no Norte da Índia, uma multidão gigantesca entoa um cântico, quase um mantra, e, quando se pergunta às pessoas de onde vieram aqueles sons, milhares de mãos apontam para o céu; em todos esses três lugares, um cientista francês, Lacombe (François Truffaut), acompanha os acontecimentos, embasbacado;

– numa casa de zona rural de Indiana, onde vivem uma mulher, Gilian (Melinda Dillon), e seu garotinho de uns três anos, Barry (Cary Guffey, na foto acima), uma luz fortíssima faz chacoalhar todos os objetos da casa e leva o garotinho a sair em busca das luzinhas que parecem sorvete;

aclose1– num lugar da periferia de uma cidade de Indiana, um sujeito chamado Roy (Richard Dreyfuss, na foto) sai de sua casa – onde, no meio de uma gigantesca bagunça, vive com sua mulher Ronnie (Teri Garr) e os três filhos pequenos e pentelhíssimos – no meio da noite para atender a um chamado do trabalho e se depara com discos voadores voando baixo, a poucos metros de sua caminhonete, que chacoalha toda como que possuída por dez demônios;

– em toda uma grande região do interiorzão central dos Estados Unidos, acaba a luz; centenas de pessoas saem às ruas, vão para estradas, e avistam luzes de objetos voadores não identificados.

O talento com que todas essas histórias, e muitas outras, vão sendo misturadas e mostradas em ações paralelas, num ritmo veloz, é coisa de gênio. Este aqui é o único filme – entre tantas dezenas dos que ele produziu e dirigiu – em que aparecem nos créditos as palavras written by Steven Spielberg. Ele trabalhou em diversos outros roteiros, supervisionou tudo dos filmes em que foi produtor executivo, mas Contatos Imediatos é o único filme escrito por Spielberg – ou seja, ele foi o autor da história original e o único autor do roteiro.

Como já havia feito dois anos antes em Tubarão/Jaws, e voltaria a fazer em 1941, Caçadores de Arca Perdida/Raiders of the Lost Ark e E.T. – O Extra-Terrestre, neste filme aqui Spielberg vai fundo na crítica – feroz, ferina – da estupidez das autoridades, da burocracia governamental, dos militares. Aqui, os militares vão criar, com a ajuda da imprensa, uma gigantesca farsa, uma mentira sem tamanho, para afastar as pessoas do local escolhido pelos alienígenas para fazer o contato mais próximo, até então, com os terráqueos, uma montanha chamada Devil’s Tower, um parque nacional em Wyoming.

O que Spielberg diz, com todas as letras, é assim: embora pareçam loucas depois do contato com os alienígenas, as pessoas, os indivíduos, estão muito mais preparados do que a máquina governamental para a aproximação com a vida extra-terrestre. Em suma, aquela velha e boa tese: as pessoas são maiores que os governos.

Embora isso seja antigo como andar pra frente, talvez coubesse aqui um parênteses para lembrar o que significam esses números dos contatos, primeiro grau, segundo grau. No pós-guerra, e durante a guerra fria, quando ver OVNIs se tornou mania mundial, mas em especial nos Estados Unidos, estabeleceu-se que contato imediato de primeiro grau seria o nome para o fato de alguém ver um disco-voador. De segundo grau eram os encontros que deixavam evidência física. De terceiro grau era o contato de fato.

aclose2O filme teve oito indicações ao Oscar, dos quais só dois entre os mais importantes – direção e atriz coadjuvante para Melinda Dillon. Mas ainda era a época em que a Academia torcia o nariz para Spielberg, e o único prêmio foi o de melhor fotografia, para Vilmos Zsigmond. Se não teve prêmios, o filme vendeu ingresso adoidado,  embora não tivesse grandes astros no elenco. Richard Dreyfuss não era propriamente uma estrela, assim como Teri Garr e Melinda Dillon, e François Truffaut como ator, em termos de grande bilheteria nos Estados Unidos, era pouco mais que zero à esquerda.

Sem prêmio e sem astros, Contatos Imediatos teve uma das maiores bilheterias da história, até então. Só não conseguiu ser o filme de maior bilheteria de 1977 porque, naquele mesmo ano, um colega e amigo de Spielberg, George Lucas, tinha lançado Guerra nas Estrelas, o primeiro da primeira trilogia, que depois foi chamado de Episódio IV – Uma Nova Esperança.

Três anos depois, em 1980, Spielberg faria algo até então inédito: lançou nos cinemas uma nova versão do filme, acrescentando ao título já longo o complemento A Edição Especial. Segundo o livro The Hollywood Reporter Book of Box Office Hits, para a edição especial Spielberg remontou o filme original, com a retirada de algumas cenas que, segundo ele, diminuíam o ritmo (como as cenas em que Roy, obsessivo, escava seu quintal para conseguir material para esculpir a montanha que não sai de sua cabeça), e o acréscimo de outras cenas, inclusive as da seqüência final. O novo lançamento foi mais uma vez um grande sucesso de bilheteria.

         O ator Truffaut

aclose3Em 1977, François Truffaut já havia feito boa parte de sua extraordinária, magnífica obra; já era adorado por quem gosta de cinema no mundo inteiro, embora ainda fosse bem jovem – estava com 45 anos. Spielberg iria fazer seu terceiro longa-metragem para o cinema, aos 31 anos de idade. Era fã de Truffaut, é claro – mas por que convidá-lo para o papel do especialista em alienígenas?

Me lembro que o culto e refinado Geraldo Mayrink, que escrevia sobre cinema na revista Afinal (eu fui editor de Cultura e depois redator-chefe da revista), disse uma vez que Spielberg queria aprender com Truffaut como trabalhar com atores mirins. Pode ser; é um bela idéia. Truffaut tinha experiência grande sobre nisso (fez um filme praticamente só com crianças, Na Idade da Inocência/L’Argent de Poche), e Spielberg precisaria dessa experiência, nos filmes seguintes.

A versão do próprio Truffaut para o encontro desses dois talentos é deliciosa, e não resisto a transcrever ao menos em parte. Ele escreveu o texto como o prefácio da edição francesa do livro L’Aventure Spielberg, de Rony Crawley, em 1984; o texto faz parte do livro póstumo de Truffaut O Prazer dos Olhos – Escritos sobre Cinema, lançado pela Jorge Zahar Editor em 2006.

“Várias vezes, durante as filmagens de Contatos Imediatos do Terceiro Grau, achei que tinha feito uma loucura ao aceitar atuar naquele filme. ‘Se soubesse que as filmagens seriam tão lentas e tão longas, nunca teria dito sim.’ (…)

“Escrevo estas linhas cinco anos depois, e não resta dúvida de que me sinto muito feliz por ter participado da aventura intitulada Contatos Imediatos do Terceiro Grau e que, tendo esquecido todos os momentos de cansaço, só conservo dessa época lembranças intensas e alegres.

“Tudo começou em fevereiro de 1976 com um telefonema de Steven Spielberg. Estava preparando um filme sobre discos voadores e me destinava o papel de Claude Lacombe, um cientista francês. (…) Eu terminava a montagem de Na Idade da Inocência e sabia que queria rodar um filme intitulado O Homem que Amava as Mulheres, mas cujo roteiro não estava começado.

aclose5“Então disse sim, porque amava o trabalho de Spielberg e porque tive a impressão de que podia representar Claude Lacombe sem me forçar, permanecendo eu mesmo, como fizera em O Garoto Selvagem e A Noite Americana. (…)

“No Alabama, em pleno verão, éramos 250 pessoas vindas de Los Angeles, trabalhando 12 horas por dia num imenso hangar sem ar condicionado. (…)

“Voltei à França no outono para começar O Homem que Amava as Mulheres, mas não demorei a receber notícias de Spielberg. Precisava de mim na Índia, em Bombaim, onde só pude me juntar a ele em março de 1977, pois estava fora de questão interromper minhas próprias filmagens. Sempre sorridente, inalterado, incansável, Spielberg organizou a toda pressa uma grande cena de ação com figurantes e aldeãos hindus. Disse então que o filme estava na montagem, que o quebra-cabeças ia se encaixando, mas que gostaria ainda de rodar uma cena ou duas, talvez no México, talvez no Monument Valley. (…) ‘Habituei-me’, disse a Spielberg, ‘à idéia de que NUNCA haverá um filme intitulado Contatos Imediatos do Terceiro Grau, mas você é um sujeito que nos convence de que está rodando um filme, consegue até agrupar uma multidão em torno de sua câmara para dar veracidade a essa imensa piada. Estou contente por fazer parte dessa piada e disposto a encontrá-lo de vez em quando em qualquer parte do mundo para fingir que estou fazendo um filme com você.’

“Dois meses depois, encontrei Steve e sua equipe no deserto de Palmdale, na Califórnia. Dessa vez achei a piada sem graça. Quatro imensas hélices giravam sem parar, e em frente delas esvaziavam-se sacos de areia cujo conteúdo nos atingia em pleno rosto! (…) Quando vi o filme, descobri que aquela tempestadade tornara-se a cena de abertura do filme, e que era soberba.

“Perguntaram-me com freqüência se, como diretor, eu eventualmente tentara aconselhar, julgar ou criticar meu colega Spielberg. A resposta é não, definitivamente. Quis ser para ele o ator ideal, o que nunca se queixa, o que não exige nada, sequer uma indicação. (…)

“Eu sabia que o filme teria 50 minutos de efeitos especiais, mas realmente não me dera conta do efeito visual buscado por Steven até que Douglas Trumbull me chamou para visitar seu estúdio. Foi ali que percebi que, em grande parte, o filme seria constituído de imagens superpostas: a) o que acontece no solo; b) o que acontece acima das cabeças; c) o que acontece no céu, e tudo isso acharia sua forma definitiva no laboratório, depois das filmagens, como no caso de Os Pássaros, de Alfred Hitchcock. (…)

“Acho que o sucesso de Contatos Imediatos deve-se ao talento muito especial de Spielberg de dar plausibilidade ao extraordinário. Se vocês analisarem Contatos Imediatos do Terceiro Grau, verão que Spielberg tomou o cuidado de rodar todas as cenas da vida cotidiana dando-lhes um aspecto um pouco fantástico, ao passo que, no outro prato da balança, dava o máximo de cotidianidade às cenas fantásticas.

“Como todos os atores que atravessam filmagens sem nada compreender, hoje sinto-me tentado a dizer: ‘Eu sempre disse, sabia que tudo ia dar certo e que seria um sucesso’.”

         ***

 O duro, aqui, é só o seguinte: depois de ler um texto de Truffaut sobre cinema, dá vergonha da pobreza do texto da gente.

Contatos Imediatos do Terceiro Grau/Close Encounters of the Third Kind

De Steven Spielberg, EUA-Inglaterra, 1977

Com Richard Dreyfuss, François Truffaut, Teri Garr, Melinda Dillon, Bob Balaban

Argumento e roteiro Steven Spielberg

Fotografia Vilmos Zsigmond

Música John Williams

Produção Columbia.

Cor, 135 ,om

R, ***1/2

Título em Portugal: Encontros Imediatos do Terceiro Grau

18 Comentários para “Contatos Imediatos do Terceiro Grau / Close Encounters of the Third Kind”

  1. Sergio,
    Esse foi um dos primeiros filmes que assisti no cinema, com sete ou oito anos. Me impressionou muito embora não tenha entendido nada. As cenas do Dreyfuss obcecado com aquele negócio, moldando uma montanha que eu não compreendia e, hoje vejo, nem ele, era perturbador. Assim como todas as cenas na casa dele, sempre escura. E os sons daqueles sinais também.
    Revendo agora, é arrepiante. A cena em que o menino é levado foi repetida quase que integralmente anos depois em outro grande filme e sucesso dele: “Poltergeist, o Fenômeno”. E pensando bem, os dois são rigorosamente o mesmo filme: Contatos imediatos é o Poltersgeit alienígena e Poltergeist é o Contatos espírita.
    Abração!

  2. Pô, Ed, você não precisava ser tão explícito para me chamar de velho, ao dizer que você tinha sete ou oito anos quando viu Contatos Imediatos… (É só brincadeira, obviamente.)
    Mas aproveito sua mensagem para reforçar: rever agora Contatos Imediatos é realmente arrepiante – e aí é foda, a gente percebe como Spielberg é de fato genial, à frente do tempo. Confesso que levei muito tempo para entender a grandiosidade, a coisa de fato vanguardista deste filme. Mary, nove anos mais jovem do que eu, percebeu muito mais claramente o brilho deste filme – e foi por insistência dela que revi para fazer a anotação acima.
    E, sim, concordo absolutamente com sua observação ligando Contatos com Poltergeist. É isso mesmo.
    Abração, obrigado, e, pô, escreva mais. Você melhora este site aqui.

  3. Sergio,

    Vi Contatos quase inteiro neste domingo no Telecine, perdi só o comecinho, e escrevi aquele comentário praticamente assistindo ao filme. É realmente impressionante. Cinema de primeira grandeza.

    E, pensando nele depois, e na participação do Truffaut, e relendo seu texto, quando diz que é o único filme escrito pelo Spielberg, me ocorreu uma resposta para a sua pergunta sobre qual seria a razão dele convidá-lo para o papel do especialista em alienígenas?

    Truffaut na verdade representa um alienígena para os americanos. Isso fica evidente na cena em que o Dreyfuss é interrogado pelo Truffault, que só fala em francês o tempo todo no fime, com a intermediação de um intérprete. Quando o Dreyfuss se irrita com a situação e pede para o intérprete falar com o responsável e o intérprete diz que o Truffaut é a maior autoridade ali ele diz: “ele nem é americano”. Não dá para não remeter ao fato de que uma das principais dificuldades de filmes estrangeiros emplacarem nos Estados Unidos é a recusa de eles lerem as legendas. Não é só Truffault que representa um alienígena, mas todos os estrangeiros. Por isso as cenas no México, na Índia, na Mongólia. E isso fica mais evidente com o fato da multidão de indianos entender os sinais sonoros que no fim serão compreendidos no fim do filme com ajuda de um grande aparato tecnológico.

    Spielberg chamou Truffault porque queria um alienígena de verdade, real. E levando em conta que o filme foi escrito pelo Spielberg é ele quem diz que que o Truffault é a maior autoridade ali. E, sendo o Truffault um alienígena para a maioria, Dreyfuss é o próprio Spielberg, que diz textualmente no diálogo com Truffaut que tem milhares de perguntas sem respostas e faz de tudo para encontrá-las e por isso embarca sem medo na nave para ir atrás do conhecimento alienígena.
    É Spielberg, na pele de Dreyfuss (não por acaso um técnico que trabalha em serviços essenciais: eletricidade e abastecimento) dizendo que queria ser Truffault (não por acaso “permanecendo eu mesmo” e que também trabalha em algo essencial, mas muitas vezes misterioso e incompreensível: a arte, o cinema).
    Em outro momento desse interrogatório ao Dreyfuus/Spielperg alguém, acho que um militar, não tenho certeza, pergunta se ele (Dreyfuss) é um artista. A partir disso fica claro que Spielberg está falando de si, da maneira como pretendia fazer seu cinema: enquanto todos as outras pessoas, poucas em uma multidão (os cineastas), que perceberam o sinal e tiveram a visão do morro desenharam essa visão em cartazes, ele esculpiu uma réplica praticamente fiel do morro numa escala menor. Quando ele, a mulher que o filho foi levado e mais um cara chegam ao morro e não sabem por que lado subir ele descreve claramente o caminho e as características do morro. A mulher disse que na visão dela e em seu desenho isso não era possível ver, ao que ele responde algo na linha: porque em vez de pintar não tenta a escultura?

    Abração,
    Edmundo

  4. Pô, Ed, beleza esse seu comentário. Muito legal. Este site tem esta vantagem: acaba recebendo belas colaborações. Um grande abraço, e obrigado.

  5. Eu nasci em 1973 e desde os quatros anos de idade vejo fala desse filme mas nunca tive o prazer de assisti-lo.

  6. Ué, Agnaldo, veja o filme! Está em qualquer locadora de DVD!
    E depois diga aqui o que você achou.
    Um abraço.
    Sérgio

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