Assim Era a Atlântida


Nota: ★★½☆

Anotação em 2009: É absolutamente incompreensível o que Carlos Manga, com toda sua imensa experiência, fez neste Assim Era a Atlântida – ou melhor, o que ele deixou de fazer. Ao juntar trechos de 27 filmes produzidos pela Atlântida (vários deles dirigidos por ele mesmo) e adicionar depoimentos de nove artistas que trabalharam no estúdio, ele simplesmente não teve o cuidado mínimo de colocar legendas para informar qual é o filme que está sendo mostrado e quem é o entrevistado!

Convenhamos que isso é o mínimo, o mais mínimo dos mínimos que se pode exigir de um documentário – e é tão absolutamente simples, meu Deus do céu e também da terra.

Assim Era a Atlântida foi feito em 1975. O DVD foi lançado, parece, em 2007; poderiam ter corrigido esse defeito ao menos no DVD, mas não corrigiram.

É uma pena, uma grande pena. Porque, se tivesse essas informações, seria uma maravilha de documentário.

Claro, vale ver o filme, mesmo sem essas informações básicas; vale, e muito, porque é uma parte importante do cinema brasileiro que está ali, uma rica coletânea de momentos engraçados, alguns simplesmente ridículos, outros extremamente interessantes. Como diz Carlos Manga no início do filme, e vários dos entrevistados realçam novamente, com quase as mesmas palavras, o período das chanchadas da Atlântida, foi aquele em que “o cinema brasileiro teve o seu melhor diálogo com o público”.

zzassim2A Atlântida Cinematográfica foi fundada em 1941, no Rio de Janeiro. Até 1962, produziu 66 filmes. Tinha de tudo: dramas sociais, romances, policiais. Mas, sobretudo, tinha as comédias, muitas delas repletas de números musicais, várias delas sátiras de filmes americanos de grande sucesso, como Matar ou Correr, uma gozação de Matar ou Morrer, e Nem Sansão nem Dalila, em cima do Sansão e Dalila de Cecil B. de Mille. Eram as chanchadas, “gênero cinematográfico de ampla aceitação popular que melhor caracteriza e define o cinema brasileiro das décadas de 30, 40 e, principalmente, 50, produzido majoritariamente no Rio de Janeiro”, como define a Enciclopédia do Cinema Brasileiro, bela obra organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda.

“Diante de um mercado cinematográfico completamente dominado pela produção estrangeira de origem norte-americana, a chanchada tornou-se, para o bem ou para o mal, a forma mais visível e contínua de presença brasileira nas telas do país. A designação pejorativa, adotada por vários críticos de cinema, possui origem etimológica no italiano cianciata, que significa um discurso sem sentido, uma espécie de arremedo vulgar, argumento falso”, diz ainda a Enciclopédia.

Cianciata. Eu não conhecia a palavra italiana. Ela poderia perfeitamente ser empregada para designar muitas das screwball comedies do cinema americano dos anos 30 e 40, como Levada da Breca/Bringing up Baby, de Howard Hawks; ou os filmes de Mel Brooks, eles próprios pastiches, gozações em cima de outros filmes, ou gêneros cinematográficos; ou toda a série de comédias amalucadas tipo Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu.

A chanchada era brasileira até a medula, como a jabuticaba, o guaraná ou o desfile das escolas de samba. Escrachada, maliciosa, cheia de duplos sentidos e belas coxas de belas mulheres à mostra; às vezes risivelmente mal feita, às vezes com uma criatividade de babar.

Está tudo lá, na coletânea que Carlos Manga montou usando trechos de 27 dos 66 filmes produzidos ao longo dos 21 anos de existência da companhia. A explicação de por que são apenas 27 de 66 é pindoramicamente trágica: só restaram cópias de 27 dos filmes produzidos pela empresa; os demais foram destruídos nos anos 50 por um incêndio e uma inundação que arrasaram os estúdios da Atlântida.

zzassimA inspiração de Manga foi a série iniciada com Isto é Hollywood/That’s Entertainment, o documentário com trechos dos musicais da Metro produzido em 1974 – Assim Era a Atlântida é de 1975. “Os nossos musicais eram exuberantes, pretensiosos”, diz a voz em off de Manga no início do filme. “Infelizmente, nunca conseguimos atingir o fausto de Hollywood, embora sinceramente nós pretendêssemos isso.” E em seguida vemos a paródia em chanchada da antológica seqüência de Gene Kelly em Cantando na Chuva – ao som da marchinha que dizia “Tomara que chova três dias sem parar”. Infelizmente, o espectador fica sem saber a que filme pertence originalmente aquela seqüência, já que não há a fundamental legendinha.

Carlos Manga nunca escondeu seu fascínio por Hollywood e suas produções. Começou a trabalhar na Atlântida por volta dos 20 anos de idade (ele é de 1928): foi ajudante de carpintaria, almoxarife, assistente de produção e de montagem; em 1952, estreou na direção cuidando de dois números musicais no filme Carnaval Atlântida – e enfiou lá na chanchada carnavalesca influências de Hollywood. A partir daí, dirigiria ele mesmo vários filmes do estúdio.

Os depoimentos feitos especificamente para este documentário são de nomes extremamente famosos e também de outros que, apesar do imenso sucesso na época, acabaram ficando pouco conhecidos hoje. São entrevistados Adelaide Chiozzo, Anselmo Duarte, Cyll Farney, Eliana, Fada Santoro, Grande Otelo, Inalda, José Lewgoy e Norma Bengell. Não há legenda dando o nome de cada um deles no início de seus depoimentos; confesso que fiquei sem saber qual das entrevistadas é Adelaide Chiozzo e qual é Inalda.

zzassim3Num dos mais deliciosos trechos dos depoimentos, Cyll Farney diz que não era fácil ser galã das chanchadas: apanhava-se muito nas diversas cenas de brigas e apanhava-se mais ainda dos críticos.

São diversas as seqüências impressionantes, gostosas, interessantes que Manga juntou nesta coletânea. Numa, do filme Os Dois Ladrões, Oscarito imita os gestos de Eva Todor, como se esta estivesse diante de um espelho. É de uma criatividade espantosa. Noutra, de O Homem do Sputnik, de 1959, dirigido pelo próprio Carlos Manga, Norma Bengell, em sua estréia no cinema, imita o maior símbolo sexual da época, Brigitte Bardot; é divertidíssimo. La Bengell está mais parecida com BB que a própria BB, fazendo biquinho e tudo. E, meu Deus do céu e também da terra, como era absurdamente linda e gostosa a Norma Bengell.

E há as diversas seqüências da dupla Oscarito e Grande Otelo – bobas, ingênuas, maliciosas, safadas, às vezes beirando o ridículo, sempre sensacionais, brasileiríssimas.

Se tivesse as legendinhas para identificar quem é quem, que filme é que filme…

Assim Era a Atlântida

De Carlos Manga, Brasil, 1975.

Documentário com depoimentos de Adelaide Chiozzo, Anselmo Duarte, Cyll Farney, Eliana, Fada Santoro, Grande Otelo, Inalda, José Lewgoy e Norma Bengell, e trechos de filmes produzidos entre 1941 e 1962.

Roteiro Carlos Manga e Silvio de Abreu

Produção Atlântida Cinematográfica e Carlos Manga

P&B e Cor, 105 min

**1/2

12 Comentários para “Assim Era a Atlântida”

  1. Gostaria de saber como faço para conseguir os filmes dirigidos pelo diretor Carlos Manga na época da Atlantida.
    Desde já agradeço a atenção.
    Celia Souto.

  2. Cara Celia, não deve ser difícil conseguir esses filmes. Eles foram lançados em DVD pela Europa Filmes, e estão no mercado. O site da Europa, http://www.europafilmes.com.br, traz “Assim Era a Atlântida”, “De Vento em Popa”, “Esse Milhão é Meu”, “Garotas e Samba”, “Matar ou Correr”. Você certamente poderá achar os filmes em locadoras ou nos site de venda. Os filmes que eu citei, e ainda outros, estão disponíveis para compra, por exemplo, na 2001video.com.br. Boa sorte!

  3. Assistia aos filmes da Atlântida quando menino e amava Oscarito, Grande Otelo, Anselmo Duarte, Cyl Farney, Eliana, Adelaide Chioso, Dercy Gonçalves, Zé Trindade, Zezé Macedo, Wilson Gley, Violeta Ferraz, Tonia Carrero, Odete Lara,etc,,,Gostaria de comprar os filmes das chanchadas, meu email é Thadaeussz4@gmail.com e byrdsergio@hotmail.com. Saudades deles!!!

  4. Sou muito fã do pessoal da atlantida, quando garoto, amava todos eles, Oscarito, grande Otelo, Eliane Macedo, etc. Se eu podesse teria em casa todos filmes da ATLÃNTIDA.
    Gratos

    AAA

  5. Gostaria muito de presentear minha mãe com dvds dos filmes da Atlântida inclusive ela participou de um deles como figurente no filme Areias Ardentes.Minha mãe tem 78 anos e tem muitas lembranças da Atlântida pois ela quando menina por volta dos 13 anos trabalhou por um tempo na cozinha e levava cafezinhos para os artistas então assim teve contato com muitos deles,Adelaide e Eliana até ajudaram a ela na leitura e deveres escolares nos seus poucos tempo vagos.
    Por isso tenho muita vontade de poder dar essa alegria para ela comprando todos os filmes dos anos 50 que a maioria ela acompanhou as gravações.Peço que me orientem onde posso encontrar estes filmes:
    Aviso aos Navegantes,
    Areias Ardentes
    Carnaval no Fogo
    Etc…
    Obrigada!!!

  6. Gostaria imensamente que o fenômeno ATLÂNTIDA ressurgisse no coração e na mente do espectador brasileiro. Assim poderíamos resistir ao massacre que sofre o cinema nacional frente às produções estrangeiras, que nada mais fazem que enaltecer suas babaquices e desembrasileirar o nosso povo

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