Simplesmente Amor / Love Actually


4.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2008: Este aqui é um dos melhores filmes que já foram feitos na história. É para se rever sempre que a gente se sentir triste, angustiado, desesperançado, achando que a humanidade é uma invenção que não deu certo.

Quando vi pela primeira vez, em 19/12/2004, com Marynha, dei ***1/2, e fiz esta anotação curta e grossa:

Uma gracinha, uma delícia, daqueles filmes que fazem você sorrir e acreditar que a humanidade serve pra alguma coisa.

 A anotação original não está errada, não. Mas é pouco. Gostei ainda mais, e muito mais, ao rever. É quatro estrelas, sem dúvida. A tagline, a frase escolhida para o marketing, e que está na capinha do DVD, diz que é a comédia romântica definitiva, e está certíssimo, é exatamente isso, foi o que senti enquanto revia: é tudo o que uma comédia romântica poderia almejar ser.

Mais ainda: como se não houvesse tantas outras, este filme é a prova de que o melhor cinema do mundo hoje é o que se faz, como foi que eu escrevi uns tempos atrás?, naquelas ilhotas à esquerda da Europa – aquele estranhíssimo lugar cheio de contradições, que consegue ser ao mesmo tempo a mais sólida democracia do planeta e o lugar em que o classismo é mais forte.

É um filme inteligente, feito para maiores de idades. É  absolutamente cheio de simpatia pelas pessoas, com aquele olhar com que, no auge do flower power, do faça amor não faça guerra, Donovan pedia para que as pessoas enxergassem os outros seres humanos, seus pequenos erros, falhas, defeitos, imprecisões, dúvidas – be not to hard for life is short and nothing is given to men.

alove1Nos últimos 20 anos, fizeram às dúzias filmes sobre várias histórias de vidas de pessoas que acabam se cruzando (ou não) aqui e ali. Virou um gênero.

Nenhum deles chega perto da perfeição com que este filme reúne diversas histórias dos mais variados tipos de casal e de amor – o primeiro-ministro britânico (Hugh Grant) que manda o presidente americano se foder e a sua gerente de catering gordinha e boca-suja (Martine McCutcheon, na foto acima); o ator e a atriz de filmes pornô tímidos e delicados; o escritor boa gente (Colin Firth) que encontra a mulher trepando com o irmão dele e vai redescobrir o amor livre de qualquer palavra no Sul da França com uma portuguesa monoglota (Lúcia Moniz); o velho cantor de rock (Bill Nighy) que fez sucesso no passado e se perdeu nas drogas com o seu empresário (nada homossexual incluído); a moça tímida de uma editora (Laura Linney) que sonha durante anos com o companheiro de trabalho belíssimo (Rodrigo Santoro) e na hora H o abandona para socorrer o irmão doido e carente; o padrinho do noivo que todos pensam apaixonado pelo amigo (Chiwetel Ejiofor) mas na verdade está perdido de amor pela noiva dele (Keira Knightley); o viúvo (Liam Neeson) da bela jovem mulher pelo enteado que ele crê triste pela orfandade mas que na verdade está é perdido de amor pela garota mais sensacional da escola; o chefe da editora (Alan Rickman) que quase põe a perder seu casamento com uma mulher extraordinária (Emma Thompson, na foto abaixo) pela gatinha linda (Heike Makatsch) que abre as pernas para ele…

alove2Só o texto de abertura – dito pela bela voz do Hugh Grant, o símbolo desse novo cinema inglês voltado para o dia-a-dia das pessoas comuns, ricas ou não, famosas ou não – já vale o filme. Vou copiá-lo um dia, caso o iMDB não o tenha.

O iMDB tem tudo, reduz o trabalho à simples tradução. Eis o texto de abertura, dito pelo personagem que, veremos em seguida, é o primeiro-ministro britânico, interpretado por Hugh Grant:

 “Sempre que eu fico desalentado com o estado do mundo, penso sobre o portão dos desembarques no aeroporto de Heathrow. Está virando uma opinião geral que vivemos num mundo de ódio e cobiça, mas eu não vejo isso. Para mim, parece que o amor está em todos os lugares. Muitas vezes não é particularmante importante para virar notícia, mas está sempre lá – pais e filhos, mães e filhas, maridos e mulheres, namorados, namoradas, velhos amigos. Quando os aviões bateram nas Torres Gêmeas, que eu saiba nenhum dos telefonemas das pessoas a bordo foi de ódio ou vingança – foram todas elas mensagens de amor. Se você prestar bem atenção, verá – eu tenho uma suspeita crescente de que o amor, de fato, está em todos os lugares.”

 … I’ve got a sneaking suspicion love actually is all around. Daí vem o belo título original, praticamente intraduzível com toda a sua força: Love Actually.

Uma pequena sacada, mostrada tão rapidamente que é possível que muita gente sequer note, mostra a inteligência e o bom humor do filme. O personagem de Liam Neeson – o cara que perde a mulher, muito jovem, e, viúvo, cuida muito bem do enteado, filho dela no primeiro casamento – é vidrado na Claudia Schiffer; faz brincadeiras do tipo: Se a Claudia Schiffer me ligar, diga que… Pois bem. No finalzinho do filme, quando estamos de novo, como na apresentação inicial, vendo cenas de passageiros desembarcando em Heathrow, quem está junto com ele? Claudia Schiffer, é claro. A cena é rapidíssima. (Na verdade, como bem notou a atenta Jussara, em comentário aí abaixo,  Claudia Schiffer já havia aparecido antes, mas também muito rapidamente, na seqüência da festa de Natal de uma escola em que estudam os filhos de diversos personagens.

A supermodelo recebeu 200 mil libras para aparecer em tomadas que duram menos de um minuto no filme. Esta é uma das 20 e tantas informações gostosas, curiosidades sobre o filme, que estão no iMDB.

Outra delas:

“O discurso feito por Hugh Grant – em que ele elogia as virtudes da Grã-Bretanha e se recusa a ceder às pressões de seu aliado histórico, os Estados Unidos – ficou na memória de muita gente, dos dois lados do Atlântico, como aquilo que o povo inglês gostaria de ouvir na relação Bush-Blair. Tony Blair respondeu a isso dizendo, em 2005:

“Eu sei que alguns de nós gostariam que eu fizesse como Hugh Grant em Love Actually e dissesse à América onde cair fora. Mas a diferença entre um bom filme e a vida real é que na vida real existe o dia seguinte, o ano seguinte, a vida seguinte para contemplar as conseqüências terríveis do aplauso fácil.”

Tony Blair que se dane, assim como até o Partido Trabalhista inglês, cujos nome e história ele sujou ao se tornar borra-botas da política calhorda de Bush, Chenney, Rumsfeld e caterva. Embora importantíssimas, a política, as ideologias, qualquer uma – eu demorei muitas décadas para compreender isso -, são muito menores que as pessoas. São menores que a arte, que este filme fantástico, fascinante, extraordinário.

O diretor Richard Curtis (que foi autor do roteiro de Quatro Casamentos e Um Funeral/Four Weddings and a Funeral, aquela outra maravilha), nascido na Nova Zelândia, em 1956 (o filho da mãe tem seis anos menos que eu!), mostra-se um absoluto apaixonado por música. Nos extras do DVD, há um absolutamente extraordinário especial em que ele fala das músicas que colocou no filme. Ele fala de Both Sides Now, da Joni Mitchell, composta quando ela tinha uns 25 e que no filme aparece na regravação que ela fez beirando os 60. A música toca num momento espetacular do filme, em que a maravilhosa Emma Thompson está sofrendo a dor da descoberta de que o marido tem uma amante. É um plano longo, extremamente longo, penoso, duro, de aplaudir de pé como no ópera, um show de uma das maiores atrizes que o cinema teve em todos estes cento e poucos anos.

alove3Depois ele fala da escolha de For You, uma maravilha de música cantada pela Eva Cassidy, essa cantora extraordinária que morreu cedo demais. Richard Curtis escolheu a canção para a belíssima seqüência em que o personagem de Rodrigo Santoro sobe ao quarto da personagem de Laura Linney para o que poderia ser finalmente a trepada homérica para acabar com mais de um ano de paixão platônica. É emocionante. Dá vontade de rever a cena, dá vontade de ouvir a música de novo, e por 20 vezes seguidas.

O cinema americano adora fazer filmes sobre Natal, espírito natalino. Os ingleses foram lá e fizeram o filme perfeito sobre espírito natalino. Do mesmo nível deste, só A Felicidade Não Se Compra/It’s a Wonderful Life

Este realmente é um filme para se rever sempre que a gente se sentir triste, angustiado, desesperançado, achando que a humanidade é uma invenção que não deu certo. “General opinion’s starting to make out that we live in a world of hatred and greed, but I don’t see that.” O imbecil do bicho homem sabe tão bem destruir como criar coisas belas. 

Simplesmente Amor/Love Actually

De Richard Curtis, Inglaterra-EUA, 2003

Com Hugh Grant, Liam Neeson, Colin Firth, Laura Linney, Ricardo Santoro, Emma Thompson, Alan Rickman, Keira Knightley, Martine McCutcheon, Chiwetel Ejiofor, Bill Nighy, Martin Freeman, Joanna Page, Lúcia Moniz, Billy Bob Thorton,  Heike Makatsch,Claudia Schiffer

Argumento e roteiro Richard Curtis

Fotografia Michael Coulter

Música Craig Armstrong

Com canções com Joni Mitchell, Eva Cassidy, Paul Anka, Peter Gabriel, Pointer Sisters

Produção Universal

Cor, 135 min.

No DVD.

****

Título em Portugal: O Amor Acontece

24 Comentários para “Simplesmente Amor / Love Actually”

  1. Oi, Sergio,
    Desta vez vou discordar de vc, rs. Eu gostei deste filme, até o revi há pouco tempo, mas não acho que ele seja tudo isso, não. Daria apenas duas estrelas pra ele. É um filme leve e às vezes divertido, mas não me encantou. Me diverti muito com o personagem cantor de rock e gostei da história do escritor com a portuguesa. Mas acho que “A Felicidade não se Compra” é muito superior a ele.

    Quanto à Claudia Schiffer, não é só no finalzinho que ela aparece, não; ela e o personagem do Liam Neeson haviam se cruzado antes no corredor da escola do menino, naquela apresentação das crianças; ela pergunta se ele era pai dele, e ele diz que sim, depois fala que era padrasto, ela sorri e eles se vão. E então eles já aparecem juntos no aeroporto, como se tivessem começado a namorar ou algo do tipo.

    Adoro a música-tema do filme. É impressão minha ou só eu acho a Keira Knightley irritantemente ruim como atriz, sempre forçando sorrisos, caras e bocas? Depois que assisti a Piratas do Caribe com ela (filme péssimo por sinal) que passei a perceber como ela é péssima atriz. Não sei como pode ter concorrido a um OScar. Coisas da Academia caduca.
    Abraços.

  2. Ah, esqueci de dizer, mas um filme ótimo nesse estilo de filme “mosaico” , só que muito mais denso e pesado, é “Short Cuts – Cenas da Vida”, do excelente diretor Robert Altman.

  3. Jussara, muitíssimo obrigado por seu comentário. Maravilha que você me corrigiu na coisa da Claudia Schiffer – eu dizia que ela aparecia apenas uma vez, na seqüência final, e na verdade ela já havia aparecido antes, embora também rapidamente. Fiz a devida correção no meu texto.
    E é uma beleza que você discorde de mim, e exponha que você daria só duas estrelas. Mas aí é puro gosto, né? Quer dizer, é o tal do cada um, cada um.
    Claro, Short Cuts é um belíssimo filme, e é sério e denso. E A Felicidade Não se Compra é uma absoluta maravilha. Mas eu de fato adorei este Simplesmente Amor – ele não pretende ser sério nem denso, e eu acho isso uma maravilha.
    Escreva sempre, Jussara. Um abraço.
    Sérgio

  4. Oi, Sérgio,

    Acho que fui ao cinema esperando muito do “Simplesmente Amor” e por isso
    não gostei tanto, ficou aquém do que eu imaginava. E esses dias o revi
    mas continuei com a mesma opinião (às vezes ela muda em relação a um
    filme, qdo o vemos de novo, né?). Mas tb acho que depende do momento em
    que assistimos, do nosso estado de espírito e etc. Mas sei de muita
    gente que o adora tb, não é só vc, não. E sim, ele é leve e
    despretensioso e isso é de fato algo bom em um filme. E gosto é gosto
    mesmo, cada um com seu cada qual :).

    Quanto ao comentário, de nada! :).

    Abraços.

  5. Acho que é um filme para “desopilar o fígado”. A performance dos atores é variável, nem todos estão tão bem quanto em outros filmes, mas vale uma boa nota em seu todo… De vez em quando revêjo-o, justmente para “levitar”…

  6. olá, Sérgio! Este filme foi uma surpresa boa para mim, que jamais o escolheria na locadora sem boas recomendações antes… gostei bastante! Me fez rir e chorar, muitas vezes ao mesmo tempo (se é que me entende). Pareceu-me inverossímil em alguns momentos, mas os filmes, são para mim, uma fábrica dos sonhos dos produtores, diretores, roteiristas e, quem garante que a ideia não era mesmo ser inverossímil? afinal, estamos falando de amor, certo? e as músicas? Love is all around foi uma das canções que ficaram na minha cabeça por semanas depois de Quatro casamentos… e vai ficar agora mais um tempo (acho lindinha, melodiosa etc) e gosto demais de uma, q vc não citou, que Wherever you will go, de uma banda chamada The calling, gosta dessa?
    enfim, filme para ver e rever!
    abraço

  7. Queria conseguir ver toda a beleza e grandiosidade que você vê nesse filme, mas já dei chance pra ele umas três vezes depois que o vi no cinema, e em nenhuma delas achei grande coisa. Assisti pela última vez esta semana, e foi outra decepção.

    A única coisa boa foi ver o Colin Firth falando português – já tinha me esquecido de como havia ficado fofo (mesmo tendo sido português de Portugal). A trama envolvendo o primeiro-ministro também é engraçadinha e me fez rir, apesar de eu já estar meio enjoada das mesmas caras e bocas do Hugh Grant. Fora isso achei uma chatice só.

  8. Oi Jussara
    Achei bastante injusto seu comentário sobre a performance da atriz Keira Knightley “irritantemente ruim como atriz”. Acho-a muito boa, uma atriz desde bem jovem e também lindíssima. E fez papéis marcantes nos filmes: Orgulho e Preconceito, bem como: Desejo e Reparação. Discordo completamente. Ela pode não estar bem nesse filme, mas, não faz o tipo “caras e bocas” como Kim Basinger e Uma Thurman. Não utiliza a beleza para atingir o alvo. Ela é boa atriz.
    A atriz Martine McCutcheon se superou embora dizendo muitos palavrões é a típica pessoa “rainha dos foras”, porém muito autêntica.
    Hugh Grant, Liam Nielsen, Colin Firth e Emma Thompson estão sempre perfeitos, Mas Bill Nighy rouba a cena. Aqueles olhares! Ai meu Deus.

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