O Último Chá do General Yen / The Bitter Tea of General Yen

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2.0 out of 5.0 stars

Anotação em 2007, com complemento em 2008: Eis aí um filme que me deixou de branco, atônito, sem saber direito o que pensar. É, seguramente, o mais estranho filme de Frank Capra (1897-1991) que eu já vi. Aparentemente (foi o que fiquei pensando), ele ficou fascinado com O Expresso de Xangai, que Josef Von Sternberg fez com Marlene Dietrich na mesma época (1932, um ano antes deste aqui), e quis provar para si mesmo que poderia fazer algo semelhante.

É um filme muito ousado, extremamente à frente de seu tempo. O Código Hays entraria em vigor para valer em 1933, mas acho que este filme escapou das limitações mais duras da censura dos produtores de Hollywood. Afinal, ele tem mulher em roupas íntimas, coxas de fora, e, sobretudo, um caso de amor fora do casamento (uma das proibições mais fortes da censura) e inter-racial, algo que Hollywood só viria a admitir muitas, muitas décadas mais tarde – e ainda por cima um caso de amor chegado a um sadomasoquismo.

zztea2O caso de amor é que me pareceu, em si mesmo, o mais estranho e improvável – talvez por ser chocante e estranho ao universo de Capra. Fiquei me perguntando: Por que raios Megan Davis (o papel de Barbara Stanwyck), uma jovem americana noiva de um missionário religioso na China, iria se apaixonar pelo senhor da guerra chinês, um assassino cruel, que a mantém cativa, ainda que num cativeiro de luxo?

OK, tem tara sexual para tudo quanto é gosto, então vá lá, admita-se que pode haver algo factível aí. Mas o problema é que, se a censura ainda não era tão rígida quanto viria a ser a partir de 1933, até a década de 60, obviamente já existia, e então o pobre coitado do espectador tem que intuir absolutamente tudo o que não pode ser mostrado muito claramente. Então fica tudo muito estranho.

Mais ainda quando se vê que, exatamente no mesmo período, Capra já era capaz de realizar, em Loucura Americana/American Madness, de 1932, exatamente tudo o que sintetiza sua obra.

Um pequeno absurdo do filme é colocar um sueco, esse Nils Asther, para fazer o papel do senhor da guerra chinês. Mas tudo bem – naquela época se fazia muito esse tipo de coisa que mais tarde seria tido como politicamente incorretíssimo.

E algo muito estranho é ver que Barbara Stanwyck, aos 25 anos, ainda não se parecia com a Barbara Stanwyck que viria a ser uma das mais gloriosas atrizes dos anos 30 e 40. Há várias tomadas em que ela simplesmente não se parece nada com a mulher que veríamos nos filmes seguintes, como Stella Dallas, de 1937, e Union Pacific, de 1939. OK, Barbara Stanwyck era mesmo uma mulher de muitas caras, uma espécie assim do que seriam mais tarde Meryl Streep e Cate Blanchett – mas o fato é que a cara dela nesse filme, aos 25 anos, é diferente, e pior, do que as caras que ela teria aos 30 e até aos 40 e tantos. Mas já era a atriz escolhida para papéis sensuais, ousados. Grande Barbara Stanwyck.

É verdade que Capra, de novo fugindo da sua praia – a vida comum de gente pobre, simples e boa em geral infernizada pela ganância dos muito ricos – voltaria ao Oriente, à região do Tibete, cinco anos depois, com Horizonte Perdido/Lost Horizon, de 1937 – a sua mais radical utopia, sua história do Paraíso nesta terra. Mas aí ele já estaria mais maduro, sei lá, porque Horizonte Perdido é um brilho absoluto, enquanto este filme aqui é confuso, estranho, esquisito.

         Um dos preferidos do autor

Vejo no livro Frank Capra, de Michel Cieutat, crítico da revista Positif (a grande concorrente do Cahiers du Cinema nos anos 60 e 70) e professor de cinema, que este filme era um dos prediletos do próprio cineasta. Cieutat também confirma a influência de O Expresso de Xangai. Vou tentar traduzir uns trechos. Não boto entre aspas porque não é literal, mas é Cieutat falando:

zztea3Megan Davis (Barbara Stanwyck, como eu já disse) chega a Xangai para se casar com o noivo, o dr. Robert Strike (Gavin Gordon), missionário americano na China. O casamento é adiado porque há conflitos na região, causados pelo general Yen (Nils Asther). Este, que conheceu Megan quando ela desembarcava no porto, manda raptá-la e a conduz para sua residência de verão. Lá, Megan experimenta ao mesmo tempo a repulsa e a atração por seu seqüestrador, cuja crueldade pode às vezes dar lugar a uma grande dose de sensibilidade. Traído por sua concubina Mah-Li (Toshia Mori), com a qual Megan acabará por simpatizar, Yen perde o controle de suas tropas. (…)

“Para mim, foi Arte com A maiúsculo”, escreveu Capra na sua autobiografia. Ele havia insistido muito junto ao produtor Walter Wanger para que fosse ele o diretor do filme. No ano anterior, O Expresso de Xangai, de Josef Von Sternberg, cuja ação também se passava na Ásia, tinha sido muito apreciado.

O filme tinha tudo para ser um sucesso. Barbara Stanwyck no papel de Megan Davis iria interpretar maravilhosamente esse combate interior entre a repressão do puritanismo e o impulso da sensualidade. A estréia seria na inauguração do Radio City Music Hall de Nova York, um evento importantíssimo. Mas o filme não corresponde de forma alguma ao gosto da época. Os americanos não toleravam de Capra o que aceitavam de Sternberg e Dietrich, e os ingleses, chocados com a mistura racial, exigiram que fossem feitos cortes para a exibição do filme na Comunidade Britânica. Embora seja um dos filmes preferidos do seu autor, Le Thé Amer du Genéral Yen perdeu dinheiro.

zztea4Leonard Maltin resume a ópera assim (três estrelas e meio em quatro): “Pode parecer antiquado para audiências modernas, mas a história sensual de Capra sobre a estranha fascinação de mulher americana por um senhor da guerra chinês ainda é deslumbrante. Um filme cheio de clima, com bela atmosfera e atuações sensíveis”.

Agora, o sempre saboroso texto de Pauline Kael:

“Esta história, sobre uma jovem fria e contida da Nova Inglaterra (Barbara Stanwyck) atraída sexualmente por um caudilho chinês que a seqüestra, foi a atração de estréia do Radio City Music Hall. O sueco e alto Nils Asther fez um oriental bastante singular, mas era sem dúvida de uma elegância deslumbrante, e um objeto amoroso bastante exótico – exótico demais, talvez, para os espectadores da época, porque, apesar das tensões do ousado romance inter-racial, o filme não foi um sucesso de bilheteria. Um dos filmes de Frank Capra de atmosfera mais sensual, sugere a influência de Expresso de Xangai (1932), de Von Sternberg.”

Aí está. Acho que eu preciso ver o filme de novo. Devo ter ficado chocado assim como o público ficou em 1933. Na revisão, sem a surpresa e o choque de ver um Capra tão pouco capriano, seguramente vou gostar mais.

O Último Chá do General Yen/The Bitter Tea of General Yen

De Frank Capra, EUA, 1933.

Com Barbara Stanwyck, Nils Asther, Walter Connolly, Gavin Gordon, Toshia Mori

Roteiro Edward E. Paramore Jr. e Grace Zaring Stone

Produção Columbia. Lançado nos EUA 6/1/1933.

P&B, 88 min.

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